Gastronomia

Mostarda

AE, especial para o JC Cultura
| Tempo de leitura: 8 min

Se a culinária é uma arte, a mostarda, sem favor nenhum, poderia ser alinhada entre suas obras-primas. Afinal, o que seria do filé à Chateaubriand, do chucrute ou mesmo do cachorro-quente sem o condimento? Indispensável em cozinhas como as da França e da Alemanha, países onde o ingrediente é levado muito a sério, o molho ou pasta de mostarda é elaborado, principalmente, a partir de dois tipos de sementes: a branca (Brassica hirta) e a negra (Brassica nigra) - que são, na verdade, amarela e marrom.

Seu nome deriva do latim mustum ardens (mosto ardente), como era chamada na Idade Média a combinação dos grãos com mosto de uva. O sabor, geralmente picante, pode ter diferentes graus de acidez, ser forte, adocicado ou agridoce. Os franceses preferem mais picante e pastosa. Já os alemães, adocicada. Os norte-americanos usam uma mostarda mais líquida, bem amarela e de acidez moderada - parecida com os produtos populares feitos no Brasil.

Na receita básica, os grãos macerados são misturados ao vinho ou vinagre, água, sal, ácido cítrico e conservantes. Ela também pode ser temperada com especiarias como cúrcuma, páprica, noz-moscada, açafrão, alho e cassis, e ainda raiz forte ou mel.

Em 1390, o rei Carlos VI, da França, regulamentou a receita, que passou a ser produzida em grande escala três séculos depois, já como a famosa pasta à base de mostarda, vinagre e ervas. E o País se consagrou com sua mostarda de Dijon, elaborada com vinhos da região de Borgonha e as melhores sementes.

Grãos e folhas de mostarda também são ótimos ingredientes na cozinha.

Mostarda de folha (Brassica juncea)

Alongadas, as folhas verdes podem ser refogadas como acelga ou chicória. O chef José Barattino, do hotel Emiliano, salteia no azeite. “Quando começar a murchar, acrescente um pingo de água. Ela evapora e a folha continua crocante”, ensina o chef, que também sugere a folha, rica em minerais e vitaminas, para sopas e risotos.

Pó - Feito a partir do grão moído, serve para preparar molho, temperar carne, maionese e salada.

Semente branca - Brassica hirta - Suave, vai bem em saladas e para aromatizar marinados.

Semente negra - Brassica nigra - Mais picante, o grão pode ser moído como pimenta-do-reino.

____________________

Mostardas pra todos os gostos e paladares

As folhas frescas de mostarda rendem uma boa salada ou refogado. Em pó, enriquece molhos e maioneses; e as sementes, inteiras ou moídas na hora, como pimenta-do-reino, são ideais para temperar carnes, marinados, saladas e manteiga, entre outros preparos. Mas a sua forma mais consumida à mesa é em molho. São milhares de receitas que mudam conforme a região onde são feitas e sua culinária.

Na mesa alemã, por exemplo, não falta o condimento. Além de casar perfeitamente com salsichas e outros embutidos, acompanha os assados de porco e bolos de carne. É assim também no restaurante Bierquelle, em São Paulo, onde o francês Diethelm Maidlinger coloca três mostardas nacionais à disposição do cliente: uma versão mais picante, à base de raiz forte, feita pelo também francês Dominique Bertrand, que fornece para outras casas e hotéis; a Berna escura e a Hemmer. Para acompanhar a salsicha branca, uma das 15 de fabricação própria, Maidlinger acrescenta açúcar mascavo à Berna. “Fica ótima”, diz ele.

Já a francesa Dijon, com Denominação de Origem Controlada, é a preferida entre os chefs, sendo a Maille uma das mais famosas. Fina e aromática, é usada na finalização de molhos clássicos e também no couvert e canapés. “Nas butiques da França, você encontra a original e outras mais exóticas, com manjericão, cassis, mel, estragão...”, conta Michele Bunemer, professora de cozinha francesa do Centro Universitário Senac.

“A versão à l’ancienne (à antiga), com grãos inteiros, é uma das melhores”, afirma o chef José Barattino, do Emiliano, que usa a mostarda para pincelar o cordeiro e fazer uma crosta com farinha de rosca. Barattino também serve a folha de mostarda refogada brevemente no azeite, para continuar crocante. E a mostarda norte-americana amarela? “Acho muito forte e ácida. Mas tem suas aplicações. Gosto mais das escuras, com boa composição de sabor.”

A Companhia das Ervas também desenvolveu uma saborosa pasta de mostarda com noz-moscada, gengibre e outras especiarias. “Mais arenosa e concentrada, pode ser diluída em molhos vinagrete ou usada direto no prato”, explica o chef Cláudio Cury, autor da receita publicada abaixo.

Extra-forte

Por ser muito forte, a mostarda do restaurante Prinz fez fama em Porto Alegre. A receita, ensinada pela sogra do proprietário, Carlos Otto Steyer, só é servida com a aprovação dele, que, apesar de não gostar do condimento, faz questão de provar para garantir a qualidade. Alvo de brincadeira entre os clientes, a mostarda extraforte chega à mesa com o alerta do garçom. Ainda assim, tem quem exagera na dose e engasga. Ela acompanha filés e sanduíches abertos servidos com pão integral.

Hemmer amarela - A receita leva vinagre, cúrcuma e condimentos. Feita no Brasil, tem sabor parecido com o das americanas. Univer Tormás - À base de mostarda e raiz forte, ela é feita na Hungria. O sabor não é tão forte. Ideal para frios, lingüiças e salsichas.

French’s - Típica mostarda norte-americana, líquida e amarela, usada em cachorro-quente. A receita, de 1904, tem açafrão, páprica e alho. Hemmer escura - É mais saborosa que na versão amarela. A receita, tipo holandesa, é levemente picante a adocicada.

Heinz - De sabor mais acentuado que o das nacionais, é preparada nos EUA com vinagre branco destilado, óleo de soja e especiarias.

Maçarico - Produto de origem portuguesa, leva em sua receita farinha de trigo, óleo vegetal, especiarias e, também, mostarda.

Hörrlein - De cor clara e consistência pastosa, essa alemã tem vinagre acético, sal e especiarias.

Roland Dijon - Feita sob os preceitos que regem a Denominação de Origem, essa versão é 100% orgânica, com água, sementes, vinagre e sal marinho. Muito boa.

Maille - A mais famosa feita em Dijon, na França. Picante, ácida e aromática, é usada na alta gastronomia, especialmente em carnes e molhos clássicos.

Berna - É uma das melhores mostardas produzidas no Brasil. A forte é picante, com baixa acidez e um toque adocicado. Na receita, cúrcuma e noz-moscada.

Grey Poupon Dijon - Clara e cremosa, na boca tem um primeiro ataque bem picante. Além de sementes selecionadas, leva vinho da região da Borgonha.

Pasta de mostarda Cia. das Ervas - Apesar de menos refinada que as francesas, é uma boa opção. É espessa, aromática e com sabor de especiarias.

____________________

Mostarda cremosa

Originalmente feita com mel e mosto de uva, a mostarda de Cremona tornou-se com o tempo uma compota de frutas com essência (óleo) de mostarda. Bem doce e levemente picante, é o acompanhamento típico do bollito misto. Também vai bem com assados e cozidos, especialmente carne de porco, e alguns queijos fortes como o gorgonzola, o provolone e o roquefort.

No comando da cozinha do Cipriani, no Hotel Copacabana Palace, no Rio, o chef Francesco Carli tem a própria receita à moda italiana, adaptada com as frutas que encontra por aqui. Usa maçã, pêra, manga, abacaxi, cereja, pêssego, laranja, figo e até mamão. “Mas as frutas devem estar firmes, mais verdes e com boa acidez”, explica Carli, que serve a mostarda de Cremona com leitão assado e no recheio do tortelli Mantovani, com abóbora, biscoito amaretto e parmesão.

Leva uma semana para que a mostarda fique pronta. São quatro dias de preparo e mais alguns de descanso. Além das frutas, leva apenas açúcar, glicose e 15 gotas de essência de mostarda - um óleo forte extraído das sementes, que pode queimar a pele. Difícil de encontrar no Brasil, o chef usa a essência que traz da Itália.

____________________

Linguini com mostarda e hortelã

(Cláudio Cury, do Companhia das Ervas)

Ingredientes:

1 lata de ervilha

1 abobrinha média cortada em cubos

1 ½ xícara (chá) de buquê de couve-flor

250g de macarrão tipo linguini

1 colher (sopa) rasa de hortelã em flocos

½ xícara (chá) de manteiga

1 colher (chá) de sal

1 colher (sopa) de mostarda branca em grãos

Preparo: Em uma panela grande tampada, ferva em fogo alto 2,5 litros de água e ½ colher de sopa de sal. Acrescente a ervilha, a couve-flor, a abobrinha e o linguini. Cozinhe com a panela destampada até o macarrão ficar al dente e os legumes, macios. Em uma frigideira, leve ao fogo médio a hortelã e a manteiga, até que derreta. Cuidado para não queimar a manteiga. Junte o sal e misture. Escorra o macarrão com os legumes e transfira para uma travessa. Regue com a mistura de manteiga e hortelã. Polvilhe a mostarda branca em grãos e sirva imediatamente. Calorias: 930,5 kcal (porção).

Comentários

Comentários