Li alhures uma notícia sobre recente relatório da FAO - órgão da ONU que cuida da alimentação e da agricultura no mundo - onde se afirma que os bois são um perigo para a camada de ozônio, e grandes responsáveis pelo “efeito estufa”, do qual tanto se fala. Desta vez, Renan Calheiros não vai responder sozinho por crime ambiental. Só pela parte que lhe cabe nas suas 1.700 prolíficas cabeças de ruminantes. O estrume do gado - dizem os cientistas - emite gás metano, CH4, que tem poder de produzir aquecimento global 23 vezes maior que o CO2, o dióxido de carbono produzido pelos motores à explosão.
Cada vez que uma vaca arrota ou dá um pum, o efeito é ainda mais desastroso. Solta na atmosfera um gás chamado óxido nitroso, N2O, que tem um poder “aquecedor” 296 vezes maior que o CO2 . Para completar, os ruminantes são acusados de causar chuva ácida, pois são responsáveis pela emissão de 64% da emissão de amônia no planeta. Cotejado com esses grandes vilões, o presidente do Senado, Renan Calheiros, é um anjo de inocência.
Isso toca o Brasil bem de perto, pois temos o maior rebanho bovino do mundo, depois da Índia. Pudera. Lá, a vaca é sagrada e ninguém mata uma rês para não ter o mesmo destino. As mimosas passeiam tranqüilamente pelas ruas e estradas e ninguém pode mexer com elas. Ao motorista que topa com um bovino só resta pôr o câmbio no ponto-morto, puxar o breque-de-mão e aguardar até que ela decida sair da frente.
Gautama, um dos nomes de Buda, significa “vaca sagrada”. No Brasil, Gautama passou a sinônimo de covil de um suspeito bando de ladrões adoradores do fetiche dinheiro. Depois que Gandhi foi assassinado, seus discípulos espalharam bosta de vaca sobre o piso de mármore da câmara mortuária, como símbolo da sua proximidade com o divino e a trajetória de uma vida sem ostentação. Aqueles homens-santos (sadhu), que vivem à margem do Ganges cobertos de cinzas, usam o estrume seco na alimentação como “revigorante” da fé. Como convencer os indianos a acabarem com um rebanho de 550 milhões de cabeças?
Aqui, onde esses ruminantes foram avacalhados para explicar a origem do dinheiro da propina, e ninguém é santo, corremos o sério risco de sofrer sanções. Segundo o cientista autor do relatório, produzimos grande parte dos 250 milhões de toneladas de carne consumidas no mundo anualmente. Esse número mais que dobrará em 2050, alcançando 465 milhões de toneladas, acompanhada da alta similar do leite. A flatulência bovina e os desmatamentos para criar pastagens vão dobrar os 18% de hoje na produção de gases que fazem o efeito estufa. Somadas aos suínos são produzidas cinco toneladas de bosta por habitante/ano. Uma merda!
Este assunto vai feder. Seremos obrigados a adotar dietas vegetarianas, coisa que nunca desejei na vida. Nem sei como vou fazer para me acostumar em 2050. Os cientistas buscam soluções paliativas, como a de criar filtros para neutralizar os gases liberados. “Como, minha senhora? Como é que instala?” Sinceramente, não tenho a mínima idéia... Os cientistas garantem que, se os pecuaristas alimentarem o gado com cana-de-açúcar, a emissão de dióxido de carbono será reduzida. A sugestão é a de aumentar a quantidade de açúcar na ração animal. O perigo seria criarmos um rebanho de diabéticos. O Lula teria que dar adeus ao seu sonho de transformar o Brasil num fornecedor mundial de álcool. Ou salvamos as vacas ou alimentamos a frota automotiva. Para as duas coisas será impossível produzir tanta cana.
Peixe também está rareando nos mares e nos rios. Podemos ficar adstritos a dietas de bife de soja, polenta e folhas. Temo que bata o desespero no povo e se comece a apedrejar açougues, churrascarias e fábricas de embutidos. E que se acautelem os Renans da vida, com seus rebanhos de produtividade recorde. Só o senador Roriz, renunciante, comprou uma bezerra, que custou R$ 500 mil. Cagona!
O autor, Zarcillo Barbosa, é jornalista e colaborador do JC