Cultura

Obra completa de Rodrigues de Abreu é relançada em clima romântico e criativo

Adriana Fricelli
| Tempo de leitura: 5 min

No hall do Teatro Municipal, na tarde de ontem, os sons do violão e da flauta traziam o clima romântico, próprio do poeta Rodrigues de Abreu. O ambiente festivo recebeu uma fina decoração. Sobre a mesa repleta de flores, estavam dispostos exemplares da reedição de “Poesias Completas de Rodrigues de Abreu”, coletânea que reúne grande parte do trabalho do escritor.

Relançados ontem, os livros serão distribuídos a bibliotecas públicas, escolas e universidades, numa iniciativa da Secretaria Municipal de Cultura, Academia Bauruense de Letras (ABL) e Grupo Prata.

Entre os amigos e familiares do poeta, membros da ABL, representantes do Poder Público de Bauru e do Grupo Prata, um Rodrigues de Abreu, interpretado por Nilson Batista Júnior, passeava pelo evento com seus óculos de aros arredondados, elegantemente vestido de paletó e gravata borboleta, carregando um chapéu nas mãos.

Cabisbaixo, mal observava os presentes que estavam ali para homenageá-lo. Só tinha olhos para suas poesias que desciam do teto. Tímido, não quis falar com a reportagem, nem sequer respondeu aos chamados insistentes do fotógrafo. Estava completamente imerso em seus pensamentos.

Faltava ainda essa homenagem ao nome que hoje batiza a Biblioteca Municipal, uma creche, uma escola técnica e uma praça de Bauru. “A cidade devia isso a Rodrigues de Abreu”, como bem colocou a diretora do Grupo Prata, Sônia Braga Franciscato.

“Rodrigues de Abreu é uma escola”, disse emocionado o presidente da ABL, Munir Zalaf. “Este evento é um marco na história cultural de Bauru. Rodrigues de Abreu foi um poeta sofrido, triste, tímido. Mas fez de sua poesia seu lamento, seu amor, sua saudade”, continuou o poeta, enquanto folheava o exemplar original de 1952, comprado quando ele tinha 15 anos.

O escritor Lucius de Mello teria que vir a Bauru na próxima terça-feira para o lançamento de seu livro “A Travessia da Terra Vermelha: uma saga dos refugiados judeus no Brasil”, lançado há um mês pela editora Novo Século durante o Circuito Paralelo de Idéias da Festa Literária Internacional, o Off Flip, em Paraty (RJ).

Mas veio antes, exclusivamente para “prestigiar uma iniciativa louvável como esta (do relançamento)”, como enfatizou: “É tão raro vermos empresários preocupados com a cultura”, disse. Sem ter muito contato com a obra do poeta justamente pelos poucos exemplares disponíveis, Mello parabenizou a realização da reedição, ainda mais pela distribuição gratuita a escolas e faculdades.

História preservada

Com o relançamento de “Poesias Completas de Rodrigues de Abreu”, a sensação é de dever cumprido. A relíquia, impressa em 1952 pela Companhia Editora Panorama, de São Paulo, ganhou centenas de cópias que trazem três livros do poeta: “Noturnos”, “A Sala dos Passos Perdidos” e “Casa Destelhada”, mais 20 poemas avulsos, entre eles o mais modernista de todos: “Bauru”.

O poeta Joaquim Simões, cadeira 4 da Academia Bauruense de Letras (ABL) e um dos idealizadores do projeto, não se continha de alegria na tarde de ontem. “Cumpri a promessa que fiz ao meu patrono. Escrevi um poema dedicado a ele no centenário de nascimento (em 1997). Fiz um livro em sua homenagem e agora concluímos a reedição de sua obra. Posso morrer em paz”, disse.

Para Simões, a iniciativa vai possibilitar que novas gerações tenham contato com a obra lírica e de grande profundidade de Rodrigues de Abreu. “O mundo está precisando de lirismo e isso não se compra em um shopping”, alfinetou o poeta.

A delegada de Bauru da União Brasileira de Trovadores (UBT) e membro da ALB, Ercy Maria Marques de Faria, concordou com o poeta. “O relançamento é muito importante para Bauru porque vai despertar o interesse das pessoas para sua obra”, pontuou. Para o secretário municipal de Cultura, José Augusto Ribeiro Vinagre, a reedição representa não apenas o resgate da obra do maior poeta de Bauru, como também a preservação da história do Município.

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Triste, mas nem tanto

O poeta Rodrigues de Abreu nasceu em Capivari no dia 27 de setembro de 1897. Em Bauru, cidade que adotou como lar na década de 1920, o escritor produziu a maior parte de sua obra, após ser acolhido pelos cidadãos e pela classe artística local.

Ele faleceu aos 30 anos, no dia 24 de novembro de 1927, vítima de tuberculose, e foi sepultado no Cemitério da Saudade, em Bauru, quando começava a se aventurar pelo modernismo. Se Rodrigues de Abreu foi parnasiano, simbolista, romântico ou moderno, pouco importa para a escritora bauruense Isolina Bresolin Vianna.

“Eu tive outra visão de Rodrigues de Abreu. Não discuto estilo, Rodrigues de Abreu está acima disso. Ele é lírico. Ele tem o lirismo clássico de Camões e o lirismo moderno de Fernando Pessoa”, analisou.

Maria Lúcia Figueiredo Cara Artioli, a sobrinha-neta de Rodrigues de Abreu compareceu ao evento de ontem junto com a mãe, Zelinda Figueiredo Cara, casada com um sobrinho do poeta. Sônia Cara, casada com o sobrinho-neto de Abreu, também foi receber a homenagem e levou a filha, Ana Paula Cara Oliver que, por sua vez, foi com os filhos João Fernando Oliver, 3 anos, e Ana Beatriz Oliver, 1 ano, sobrinhos-tataranetos de Rodrigues de Abreu.

Nascida e criada em Bauru, Artioli se lembrou das conversas com a avó, irmã do poeta. Apesar da tuberculose que o levou à morte quando tinha apenas 30 anos, Rodrigues de Abreu era um homem alegre. “Minha avó contava que ele adorava dançar e era muito apaixonado, mas não se casou por causa da doença. Quando era criança, brincava na rua, subia em árvores e era um ‘irmaozão’ pra ela”, contou Artioli.

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