Tribuna do Leitor

Inconfidência Mineira: a história poderia ser outra


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Estamos em Vila Rica, capitania de Minas Gerais, em 1789, o ar esta repleno de vibrações silenciosas, com nuvens enviesadas sobre a cidade, e uma senha é repercutida com ansiedade, mas cheia de perspectiva: “Amanhã é o batizado”. E na noite silente inundada de sombras, abantesmas, aflições e angústias, a senha cruza, entre os mineiros: “Amanhã é o batizado”, ecoam todos, com expectativas nos corações, mas cheios de aflições. O governador da capitania, Visconde de Barbacena, havia assinado o decreto tão temido, ordenando a derrama, concernente a uma tributação de onerosos impostos atrasados, para complementar o teto de 1.500 quilos de ouro anuais, estabelecido por Portugal, que assustava e deprimia a população.

Existia no manto negro daquela noite uma atmosfera impregnada de rebeldia. O movimento tão almejado estava para ocorrer: a insurreição com suas efluências mergulhava no ar, intensa, acalorada, inconcussa, absorvente, imiscuída entre o povo malcontente. “Amanhã é o batizado”, alaridos e clamores insurgentes no negrume e olvido da noite, ecoavam soturnamente. Quando o dilúculo do dia afinal chegou, com um sol ainda sonolento, mas com seu luzidio inebriante, entre as nuvens do nascente, o alferes Joaquim José da Silva Xavier e seus fieis partidários alastraram e expugnaram o Palácio da Cachoeira. A performance da investida foi concisa, breve, bem delineada e equalizada, atalhando qualquer oposição por parte da segurança palaciana e os insurgentes após célere assalto, encarceraram o tão temido e delambido caudilho português, Visconde de Barbacena.

Vila Rica ainda acordava assonorentada, quando o grupo sobranceiro e vitorioso marchava pelo caminho sinuoso, cheio de ondulações, na entrada da cidade. - É a liberdade! Viva nossa liberdade! Exclamava, Tiradentes, eufórico, e emocionado pelo sucesso da empreitada patriótica. A praça, após o alvoroço, ficou repleto de gente. Mãos atadas, olhos desvairados e abstrusos, vestes em desalinho, o governador apriscado pela multidão, perdia-se amoitado em lamentações e murmúrios, amainado, submisso, humilhado, embaciado de seus delírios de altivez e grandeza, deblaterando queixas e sobressaltado como um rato encurralado, excretando o suor, numa imisção de medo e angústia.

O regozijo fulgurante, com o claror da satisfação, contaminava todos seus residentes, numa escalada galopante, exacerbando e agraciando seus corações, e todos se persignavam, agradecendo a Deus a graça alcançada. Após o júbilo, um frêmito de preocupação assalta os manifestantes, congregados na pequena praça. O afluxo de um tropel é ouvido bem longe. - São os Dragões de Minas! Clamaram todos, numa orgia de temores, aguardando presumíveis desagravos por parte dos soldados. Um ambiente silente, profundo e apreensivo tomou conta de todos. “Qual o motivo deste tumulto generalizado? Este homem aprisionado, abatido e humilhado não é o governador, Visconde de Barbacena?”. A atmosfera antes alegre foi enredada pelo temor e ansiedade, até que espaçadamente, entre os próprios soldados, vai acendendo um encalmado brado, estonteante e sonoro: Liberdade! Liberdade! O povo aplaude, festeja e aclama, todos riem, se abraçam, soluçam e choram de alegria, em olhares que falavam, restaurando e reativando o lume vivo da esperança.

Era nossa esperada rejeição, desjungindo-se do domínio português. Infelizmente, não foi isso realmente o que ocorreu... O governador da capitania não foi aprisionado, o povo não se insurgiu, não houve a sublevação e nem a esperada independência. Entretanto, poderia ter havido, não fosse a felonia de um traidor, abandonando o campo da lealdade, de honra e caráter, fenecendo os planos dos insurrectos pactuados e com o grande ideal quimérico de Joaquim José da Silva Xavier que, denunciado em Vila Rica, hoje denominado Ouro Preto, nas vésperas da derrama, é aprisionado no Rio de Janeiro, quando procurava avidamente alistar seguidores e partícipes, para os planos auspiciosos da presumida independência.

Naquela noite sombria, entre tantas outras do ano de 1789, em Vila Rica, capitania de Minas Gerais, um ofeguento emissário, com o semblante oculto, cruzava junto ao refúgio intricado dos conspiradores da revolta. O embuçado envolto na escuridão fria, grita com a voz de um som cavo e lamentoso, ao adentrar o nuvioso esconderijo: “Fujam! Fujam! Fomos traídos e descobertos. Tiradentes foi encarcerado no Rio de Janeiro. Nossas aspirações de liberdade terminaram”. Joaquim José da Silva Xavier foi a alma da frustrada Inconfidência Mineira, com seu espírito forte, vigoroso, seguro e altivo, como uma encarnação de todas as virtudes morais.

Um herói sem medo, que nunca se apartou, um só passo, de seu anseio patriótico de liberdade. Confessando e advogando a responsabilidade pelo movimento contra a coroa portuguesa foi supliciado, enforcado e espostejado. Todos brasileiros o chamariam de Tiradentes, herói nacional, prenunciador de nossa independência, estrugindo e pespegando nossos ideais na aspiração pela afirmação nacional, pela liberdade e na memória infindável de nossos dias.

O autor, Iracy Vieira Catalano, presidente do Lions Clube de Bauru Centro e assessor de civismo e cidadania do Lions Clube - Distrito LC-8

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