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Fofoca: a força que governa o mundo

Rodrigo Ferrari
| Tempo de leitura: 4 min

Ela está presente em todos os lugares: nas rodas de bar, nos bancos de praça, nas reuniões de família, nas saídas das missas e dos cultos, nos corredores das escolas, nos plenários das câmaras municipais. Não há quem não tenha recorrido a ela, uma vez na vida, que seja.

Vista como algo corriqueiro (ou mesmo ridículo), a fofoca - basicamente, o ato de se falar de uma terceira pessoa, sem que a mesma esteja presente - funcionaria, na verdade, como um poderoso instrumento de controle em nossa sociedade. “Ela governa o mundo”, afirma o psiquiatra José Ângelo Gaiarsa, autor do “Tratado Geral Sobre a Fofoca - Uma Análise da Desconfiança Humana” (Editora Summus, 240 páginas), um dos primeiros trabalhos sobre o assunto publicados no Brasil.

Embora não existam dados estatísticos precisos referentes ao tema, alguns pesquisadores estimam que um ser humano adulto (independentemente de ser homem ou mulher) gaste entre um quinto e dois terços do tempo de que dispõe para conversar fofocando. “Se eu fosse arriscar um chute, diria que 50% do que as pessoas falam refere-se à vida alheia”, diz Gaiarsa.

Se as pessoas gastam 50% ou 70% de seu tempo fofocando, isso é algo que ninguém poderá afirmar com extrema convicção. O fato, porém, é que o falar da vida alheia é uma prática bastante disseminada entre os seres humanos.

Tão comum que o pesquisador britânico Robin Dunbar, professor do Institute of Cognitive and Evolutionary Anthropology (em português, Instituto de Antropologia Cognitiva e Evolucionária), da Universidade de Oxford, chegou a apresentar uma teoria segundo a qual a fofoca teria entre os homens o mesmo papel que o coçar possui nas sociedades primatas.

Isso porque, na opinião dele, fofocar é gostoso, servindo como meio de distração ou desabafo, tanto para quem conta quanto para quem ouve. Além disso, quando duas pessoas comentam a respeito da vida alheia, elas estão demonstrando que confiam uma na outra, sem contar que estão se reafirmando como parte de um determinado grupo social.

Dunbar chega ao extremo de afirmar que a linguagem evoluiu para que as pessoas pudessem fofocar mais e, dessa forma, estabelecer e defender seus grupos de maneira mais eficaz.

Controle social

Na opinião de Gaiarsa, por trás da fofoca, estaria escondida a essência do controle social. “Todos vigiam a todos para que ninguém faça aquilo que todos desejam fazer”, afirma o psiquiatra. Complicado?

Nem tanto. “Somos, ao mesmo tempo, prisioneiros e carcereiros de costumes que nos aprisionam, limitam e cerceiam”, compara Gaiarsa. Nas comunidades ditas como “primitivas”, explica ele, aqueles que desrespeitavam os tabus sociais costumavam ser excluídos do convívio com os demais membros da tribo.

Em nossa sociedade, por outro lado, as formas de cerceamento tornaram-se mais sutis e fofoca funciona como uma espécie de força que, ao mesmo tempo, move e paralisa o mundo. “Isso fica muito claro quando analisamos as comunidades menores - um bairro, por exemplo. Já vi casos de sujeitos que se viram obrigados a mudar de cidade porque tinham trejeitos homossexuais e não suportaram os comentários feitos pela vizinhança”, lembra o psiquiatra.

O poder propulsor/paralisador da fofoca se manifestaria de maneira bastante clara nas grandes esferas de decisão da sociedade. “Veja as bolsas de valores, por exemplo. Elas são o maior ninho de boatos que existe no mundo. Basta que alguém diga: ‘Eu ouvi dizer que...’ ou ‘Você viu que...’ para que todo mundo corra, desesperado, tentando ganhar dinheiro”, diz Gaiarsa.

A fofoca também exerceria um importante papel no interior dos palácios e dos parlamentos. “Basta pensarmos no poder que os boatos e escândalos têm de levantar ou derrubar reputações ou na força que as conversas de corredor possuem de construir ou destruir alianças”, afirma Gaiarsa.

Mas, ora, todos essas informações que influenciam as altas esferas de decisão se tornam públicas graças à impressa! “Oras, para que você acha que serve a mídia? Se formos analisar friamente, ela não passa de uma forma de fofoca, só que oficializada”, alfineta o psiquiatra.

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Livro

O interesse do psiquiatra José Ângelo Gaiarsa em relação ao tema fofoca surgiu há várias décadas. “O ‘Tratado Geral Sobre a Fofoca’ foi o terceiro livro que escrevi. Na época, existiam muitos boatos a meu respeito, por isso resolvi me aprofundar mais nesse assunto”, explica.

Gaiarsa foi um dos precursores das terapias corporais no Brasil e garante ter pago caro por esse pioneirismo. “Naquele tempo, o ato de mexer no corpo do outro, ainda que com objetivos terapêuticos, dava vazão a inúmeros comentários maldosos”, recorda-se.

O psiquiatra lembra que, atualmente, a fofoca ganhou uma certa conotação positiva, por conta do noticiário de celebridades. “É aquela velha máxima: ‘Falem mal, mas falem de mim’”, brinca. Gaiarsa frisa, porém, que existe uma enorme diferença entre esse tipo de “mexerico” e as conversinhas de pé-de-ouvido.

“Esse tipo de fofoca quase sempre tem um fundo maledicente. A pessoa tenta se afirmar na medida em que diminui a outra”, explica. De acordo com ele, os mexericos seriam estimulados por dois sentimentos básicos: o orgulho e a inveja. “Numa empresa, o chefe jamais saberá aquilo que as pessoas realmente falam dele”, graceja o psiquiatra.

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