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Apesar dos calotes, fiado sobrevive

Adilson Camargo
| Tempo de leitura: 5 min

Encontrar frases contra a venda de fiado é algo bastante comum, principalmente em pequenos comércios como quitanda, mercearia e minimercados. As frases bem-humoradas fixadas nas paredes ou nos caixas dos estabelecimentos deixam claro a desconfiança dos empresários com os maus pagadores. Embora o risco de calote tenha feito muita gente desistir desse tipo de venda em Bauru, ainda existem comerciantes que adotam a velha caderneta para anotar as compras dos clientes e aguardam pacientemente até o fim do mês para receber o dinheiro.

A caderneta sobrevive ao tempo e à tecnologia e continua presente na relação cotidiana de compra e venda em muitos locais, o que mostra que nem mesmo a popularização do uso do cartão de crédito e débito acabou com a prática. Mas não são todos os clientes que contam com essa regalia. Para fazer parte da lista dos privilegiados é necessário que haja um componente imprescindível nessa relação: a confiança.

“Há uns dois anos, era só na caderneta. Todos os clientes que vinham comprar aqui deixavam para pagar quando tinham dinheiro. Cada um tinha sua caderneta. Por causa dos calotes, devagarinho fui cortando e hoje só uns quatro ou cinco têm caderneta. Só restaram eles porque são clientes antigos que tenho certeza que vão me pagar”, conta o comerciante Tadao Yamada, 74 anos, que há 16 anos mantém uma quitanda na rua São Luiz, no bairro Higienópolis.

O comerciante José Roberto Negrato, 50 anos, também já levou muito calote de clientes desonestos. Apesar do prejuízo, ele não desiste de vender fiado. Ele exibe um calhamaço de fichas de clientes que compram em sua mercearia, na rua Alves Seabra, na Baixada do Silvino, e um caderno com mais um monte de anotações de produtos que tem a receber.

Negrato não faz idéia de quantos clientes compram fiado em seu estabelecimento, mas a quantidade de fichas já foi bem maior. “Eu ainda resisto por causa da amizade que eu tenho com muitos clientes e porque ainda existe muita gente com palavra, que honra suas dívidas”, justifica.

Segundo ele, a confiança em alguns clientes chega a tal ponto que tem horas que são eles próprios que anotam na ficha o que estão comprando, sem que o proprietário acompanhe. “Tem freguês que freqüenta a mercearia desde quando ela foi inaugurada, há 40 anos”, cita Negrato. “Eu os considero muito mais como amigos do que como clientes”, afirma.

Vale um sítio

De acordo com as contas do comerciante José Valdemir Arantes, 46 anos, mais conhecido como Galo, se ele um dia recebesse de todos os clientes que lhe deram calote, daria para comprar um sítio com o dinheiro resgatado.

Apesar dos “tombos” que já levou, o comerciante diz que ainda não pensa em abandonar a velha e tradicional caderneta. “Isso é igual braquiária (uma espécie de capim). Não acaba nunca”, brinca ele, que tem uma venda no distrito de Guaianás, muito freqüentada por bauruenses que possuem chácara no local.

Atualmente, ele tem cerca de 140 clientes que compram fiado, ou seja, na caderneta. Por enquanto, todos estão pagando relativamente em dia. A cada novo calote, a relação de “clientes vips” vai diminuindo. Ele parte da máxima de que todos são inocentes (ou bons pagadores) até que se prove o contrário.

Galo diz que, analisando friamente essa relação, chegou à conclusão de que, na teoria, só cliente bom dá calote. “Analiso dessa forma, porque você não vende fiado para o cliente ruim, porque sabe que ele não vai pagar”, argumenta.

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Para poucos

A exemplo do que vem ocorrendo em muitos estabelecimentos comerciais, a empresária Cláudia Meschini, 40 anos, também planeja reduzir drasticamente a prática de anotar em fichas a despesa de clientes. “O risco é muito grande”, justifica.

Atualmente, ela tem média de 20 a 30 clientes que compram fiado em sua loja, uma perfumaria no piso superior do Bauru Shopping. “A partir de 2009, vou liquidar as fichas. Vou ficar só com os clientes mais antigos. Serão no máximo cinco. São aqueles que tenho certeza que vão me pagar”, explica.

Cláudia conta que já foi até ameaçada de morte por ter cobrado com insistência uma dívida que não foi paga. Ela lembra que a cliente sempre havia pago as contas direitinho. Por conta disso, decidiu abrir uma ficha para a cliente e vender fiado. O calote não demorou a chegar. Por isso, agora ela só abre exceções para clientes muito próximos a ela.

O comerciante José Galelli, que há 22 anos possui uma mercearia na Vila Ipiranga, ressalta que a confiança é o ingrediente principal para que a receita do fiado dê certo. Ele lembra que as fichas e cadernetas são documentos sem nenhum valor jurídico para futuras cobranças. Não há como cobrar o fiado na Justiça.

Por esse motivo, somente alguns poucos clientes antigos têm o privilégio da caderneta na mercearia. “Quem tem só R$ 100,00 para gastar, quando compra fiado gasta R$ 200,00”, relata.

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Bom pagador

O pintor de autos Givanildo Cavalcante da Silva, 52 anos, não tem cartão de crédito. Então, poder comprar fiado é uma grande vantagem para ele. “Nem sempre a gente está com dinheiro. Quando preciso de alguma coisa, eu compro e pago depois”, diz.

Segundo o pintor, faz sete anos que ele compra fiado em uma mercearia perto do seu local de trabalho, na Baixada do Silvino, e sempre pagou suas dívidas. Ele fala que o fato de estar empregado durante todo esse tempo ajudou muito a conquistar a confiança do dono do estabelecimento. Nildo, como é mais conhecido, quita suas dívidas a cada 15 dias.

E assim vai tocando. Sempre que tem vontade, e isso acontece todos os dias, ele dá uma passadinha na mercearia para tomar uma cerveja, comer um salgadinho e, quando necessário, leva para casa um refrigerante, um pacote de bolachas ou qualquer outro produto.

Enquanto continuar honrando seus compromissos, Nildo contará com a confiança e boa vontade do dono da mercearia. É assim que funciona a regra das fichas e das carteirinhas. Enquanto houver confiança, há quem comprará fiado.

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