Imagine, leitor, que algum dia, enquanto descansa depois de uma saborosa refeição em família, você ouve, de repente, um ruído (uma batida forte, por exemplo) em algum cômodo da casa. Você se levanta do sofá e vai até o local onde supõe que o barulho tenha se originado, mas não encontra nada. Tudo vazio, um silêncio assustador. Tão logo vira as costas, é obrigado a se abaixar rapidamente para não ser atingido por uma pedra que vem voando pelo corredor, em sua direção.
Oras, todos estavam na sala... Quem atirou o objeto? Mais tarde, durante o jantar, quando ainda estão tentando se esquecer das estranhas situações presenciadas na parte da tarde, você e seus familiares são surpreendidos por uma chama que consome a toalha de mesa.
O leitor, certamente, já deve ter se deparado com situações semelhantes a esta nos filmes de terror e nas lendas de fantasmas. Tem gente, porém, que jura de pés juntos que cenas como as descritas no começo desta reportagem têm grandes chances de se repetir fora do mundo da ficção. Existem pessoas, inclusive, que dedicam a vida a pesquisar esse tipo de fenômeno, descrito como assombração, pelo senso comum.
Estudiosos que aceitam a existência material desses fenômenos (e que não encaram tais relatos como mera alucinação) dividem-se, basicamente, em dois grupos: o dos que buscam explicações sobrenaturais para os eventos; e o dos que atribuem às energias do inconsciente humano a causa para as ocorrências dessa natureza.
Do primeiro time fazem parte os estudiosos ligados, de alguma forma, à doutrina kardecista; o segundo é formado pelos parapsicólogos, sejam eles materialistas ou não. Para os espíritas, os fenômenos estão diretamente ligados à ação de entidades desencarnadas, que se utilizam de um elemento semimaterial denominado ectoplasma para interagir com o mundo dos vivos (movimentar objetos, assumir formas humanas, emitir sons, entre outros).
Existiriam dois tipos básicos de eventos relacionados à ação dos espíritos: o houting (do inglês assombração), em que a criatura desencarnada se aproveita do ectoplasma acumulado em locais que permaneceram durante muito tempo privados de ar fresco e de iluminação (castelos e casas antigas) para se manifestar; e o poltergeist (expressão alemã que pode ser traduzida como “espírito barulhento”), em que uma entidade se utiliza da energia fornecida por um indivíduo encarnado (considerado o epicentro do fenômeno) para agir.
De acordo com os estudiosos espíritas, o houting costuma ter efeitos bem mais leves que o poltergeist, uma vez que estaria relacionado à ação de espíritos pouco desenvolvidos intelectualmente.
“Em geral, são espíritos materialistas que ficaram muito apegados a um determinado local e não fazem sequer idéia de que estão desencarnados”, explica o pesquisador Carlos Eduardo Noronha Luz, professor aposentado do curso de engenharia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Bauru e membro do conselho-diretor do Centro Espírita Amor e Caridade (Ceac).
Sons que surgem do nada, objetos que se movem sem causa aparente e mesmo a aparição de figuras humanas ou monstruosas são algumas das manifestações mais recorrentes do houting.
No poltergeist, por outro lado, os efeitos sobre os mortais costumam ser bem mais devastadores. Há relatos de pessoas apedrejadas, de móveis e roupas que se incendiaram sozinhos e de gente que sofreu agressões graves (unhadas, socos, estrangulamentos) por parte das entidades causadoras dos fenômenos.
“Houve um caso, em Bauru, há cerca de dez anos, de uma garota de 16 anos, vítima de um poltergeist, que foi golpeada com um violão na cabeça e que quase foi atingida por uma estante de 200 quilos”, conta Luz.
De acordo com a teoria espírita, a menina em questão, suposto epicentro do poltergeist, estaria sendo perseguida por espíritos por conta de problemas ocorridos em vidas passadas. Na visão dos parapsicólogos, porém, fenômenos dessa natureza estariam relacionados a uma grande liberação de energia psíquica por parte de um ou mais indivíduos.
Essa descarga de energia psíquica ocorreria independentemente da vontade da pessoa e seria diretamente proporcional à massa corporal do indivíduo envolvido (quanto maior o sujeito, maior a intensidade dos fenômenos que ele produz).
De acordo com os parapsicólogos, eventos dessa natureza ocorrem sempre a menos de 50 metros de distância do indivíduo irradiador da energia psíquica. O padre Jesus Bringas Trueba, pároco da Igreja de São Sebastião, na Vila Cardia, em Bauru, que se dedica há 25 anos aos estudos em parapsicologia, não exclui a possibilidade de que fenômenos descritos popularmente como assombração possam ter alguma ligação com o sobrenatural.
“Não devemos tentar explicar por uma causa superior, aquilo que pode ser explicado por uma causa inferior. Por outro lado, nada impede que Deus se use de determinados instrumentos (o sobrenatural, por exemplo) para se manifestar ao mundo”, pondera.
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O bode
Espíritos desencarnados de seres humanos podem não ser os únicos responsáveis pela ocorrência de poltergeists ou assombrações. De acordo com Suzuko Hashizume, 73 anos, detentora do acervo do Instituto Brasileiro de Pesquisas Psicobiofísicas (IBPP) - fundado pelo bauruense Hernani Guimarães Andrade, falecido em 2003 e considerado uma das maiores autoridades em fenômenos paranormais em todo o mundo -, muitos eventos tidos como sobrenaturais podem estar relacionados à ação de entidades não-humanas.
Ela cita o primeiro caso de poltergeist que ajudou a investigar, ocorrido em uma pensão no Centro da Capital, no início dos anos 70. “Era um lugar habitado basicamente por moças, que costumavam deixar suas coisas trancadas no interior de guarda-roupas. O interessante é que, apesar disso, muitos objetos pessoais das moradoras sumiam de dentro de seus armários para aparecer na gaveta das colegas. Havia também uma grande escada de mármore no imóvel, e era comum que objetos (baldes com roupas, por exemplo) fossem atirados misteriosamente lá de cima”, conta Hashizume.
A pesquisadora conta que um padre chegou a ser chamado pelas moças para tentar dar fim aos fenômenos, só que não adiantou. “Ele (o sacerdote) foi atacado com a garrafa de água benta que havia levado para benzer a pensão”, relata.
Desesperadas, as jovens resolveram apelar para um pai-de-santo chamado Hélio Festa. “Após realizar um trabalho de candomblé, ele afirmou haver descoberto a razão do problema. Ao que parece, uma das moças havia prometido ofertar um bode a uma entidade, numa ocasião anterior, só que não cumpriu o acordo”, relembra Hashizume.
A pesquisadora diz que a jovem resolveu, então, arranjar o tal bode, e Hélio Festa pode enfim fazer o trabalho de descarrego. “Se aquela era a verdadeira causa do poltergeist, não temos como afirmar. O fato, porém, é que, depois disso, os fenômenos pararam de ocorrer no local”, garante.