Caçula de uma família de oito irmãos e natural de Birigüi (região de Araçatuba), Sérgio Rúbio de Lima, 56 anos - proprietário da lanchonete Frutal Lima, instalada na quadra 9 da avenida Rodrigues Alves -, não vive, sobrevive, mas no bom sentido, é claro. Outros em seu lugar talvez já tivessem “aberto o bico” diante da concorrência das grandes redes de “fast food” e do processo de degradação que a área Central de Bauru sofreu nos últimos tempos.
Ele, porém, segue fiel à região onde se encontra trabalhando há 44 anos ininterruptos, mesmo com os contratempos. “Sou um sobrevivente da Rodrigues Alves”, afirma Lima. Perseverante, é um dos poucos em Bauru que ainda servem hambúrgueres de 90 gramas aos clientes (demais lanchonetes utilizam, há bastante tempo, os de 56 gramas).
Seu apego com a lanchonete é tão grande que, às vezes, nos dias de folga, ele chega a inventar pretextos para ir até lá, ainda que seja para não deixá-la fechada. “Sou viciado nesse lugar”, diz Lima.
Esse “vício” talvez seja uma característica herdada da mãe, uma viúva que, nos anos 1960 e 70, costumava abrir o estabelecimento (na época, um misto de lanchonete e frutaria) por volta das 6h, para servir café da manhã aos estudantes que rumavam para as aulas.
Dono de um agudo senso de experimentação, Sérgio é capaz de inventar vitaminas e sucos deliciosos a partir de combinações improváveis. Na última semana, ele recebeu a reportagem do Jornal da Cidade e, entre um suco e outro, explicou como, com ajuda da mãe e dos irmãos, conseguiu transformar uma simples frutaria numa das mais famosas lanchonetes de Bauru.
Ele também revelou segredos da arte da preparação de sanduíches e ainda contou alguns casos envolvendo as celebridades que visitaram seu estabelecimento (entre elas, Paula, Hortência e Cazuza). Acompanhe, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Jornal da Cidade - Qual a origem do nome Frutal Lima?
Sérgio Rúbio de Lima - A palavra Frutal foi escolhida porque, no começo, este lugar era uma frutaria. Só um pouco mais tarde é que o estabelecimento passaria a funcionar como lanchonete. Tem gente que pensa que o nome tem alguma relação com a cidade (situada no Triângulo Mineiro), mas uma coisa não tem nada a ver com a outra. Algumas pessoas também se confundem e pensam que meu nome é Frutal (risos).
JC - Sério?
Sérgio - Sim. De vez em quando, esses garotos que ficam na rua chegam aqui e falam: “Ei, Seo Frutal, me vê um guaraná.”
JC - Já o Lima, acredito, é seu nome verdadeiro, não? (risos)
Sérgio - É o sobrenome da família do meu pai, Otávio Correia de Lima. Ele era alagoano, natural de Palmeira dos Índios. Lá, ainda jovem, ele contraiu doença de chagas, isso bem antes dele vir para São Paulo e se casar com minha mãe (Adelaide Rúbio).
JC - E ele se mudou para Bauru?
Sérgio - Não, ele foi morar em Birigüi. Lá, trabalhou como padeiro e, mais tarde, passou fazer salgados para festas.
JC - Foi com ele que o senhor se iniciou no mundo das guloseimas?
Sérgio - Na verdade, eu convivi pouco com meu pai, pois ele faleceu muito novo e deixou oito filhos para minha mãe criar.
JC - A vida de vocês deve ter sido difícil nessa época.
Sérgio - Sim, mas minha mãe foi tudo para nós: pai, mãe, avó, tia. Com o tempo, também, as coisas foram se “ajeitando” em casa. Uma irmã se casou, outra foi ser freira. Daí, o Flávio, meu irmão mais velho, mudou-se para Bauru e começou a trabalhar com meus tios Conrado e Olívio Rúbio. Eles tinham uma loja de sacarias, na rua Ezequiel Ramos.
JC - Foi através deles que a família veio parar em Bauru?
Sérgio - Em 1964, minha mãe veio visitar os familiares que moravam aqui e gostou da agitação do Centro. Antes de ir embora, ela comentou com os irmãos: “Se eu conseguisse arrumar uma ‘portinha’ naquela avenida (a Rodrigues Alves), nem que fosse para vender bananas, eu me mudaria para cá”. Passado algum tempo, meus tios telefonaram para ela, avisando sobre um ponto, na quadra 9 da avenida, que iria ficar vago.
JC - Era uma quitanda?
Sérgio - Não, uma loja de calçados que funcionava ali, do outro lado da avenida. A intenção de minha mãe não era montar uma quitanda, mas sim uma frutaria. O local era pequeno, tinha pouco mais de 40 metros quadrados. Além das frutas, a gente colocou lá uma máquina de moer cana.
JC - Todo mundo da família trabalhava na frutaria?
Sérgio - No começo, não. Éramos apenas meus dois irmãos - o Sílvio e o Flávio - e eu à frente do negócio. Morávamos com meu avô, nesse período. Minha mãe preferiu que parte da família permanecesse com ela, em Birigüi, fazendo salgados para vender. Se a frutaria desse lucro, o restante do pessoal viria para Bauru. Se não fosse para frente, voltaríamos para nossa antiga cidade. Esse período de separação durou uns seis meses. Daí, no final de 1964, ela e meus irmãos decidiram se mudar para cá em definitivo.
JC - Na certa, o movimento na frutaria devia ser bem grande, naquela época.
Sérgio - Era mesmo. Nossa loja ficava em frente ao ponto de ônibus que os estudantes da Faculdade de Direito (da Instituição Toledo de Ensino) utilizavam. Minha mãe costumava abrir a frutaria às 6h, para servir café da manhã para eles. Além disso, a avenida Rodrigues Alves era uma espécie de “point” da época. Era o lugar onde os jovens costumavam ir, nos finais de semana, para se divertir.
JC - Como a frutaria se transformou em lanchonete?
Sérgio - Fruta é um produto que estraga fácil. Começamos a perceber que os clientes não se interessavam em comprar frutas que estivessem machucadas ou manchadas. Certo dia, um conhecido nosso comentou: “Por que vocês não aproveitam essas frutas machucadas para fazer sucos?” Compramos, então, um balcão frigorífico e começamos a servir refrescos de abacaxi e de laranja aos fregueses.
JC - E os lanches, como vieram?
Sérgio - Foi um pouco depois de começarmos a vender refrescos. Compramos um forno elétrico, onde preparávamos misto-quente e aquele bauru “pirateado” (risos), com presunto e tomate. Interessante é que, naquela época, ninguém se importava com o fato do lanche não seguir a receita original. Hoje, porém, é comum que clientes cheguem aqui e peçam o bauru verdadeiro. Por isso, estou até pensando em incluir no cardápio da lanchonete, dentro de alguns meses.
JC - Os clientes aprovaram os lanches?
Sérgio - Naquele tempo, não havia muitas lanchonetes em Bauru. Aqui no Centro, havia o Restaurante Francana, o Bar Cinelândia, a Padaria Central e o Lanches Fátima. Na verdade, eram bares, que também serviam lanches ao público. O pessoal gostou bastante de nossos sanduíches, tanto que o Frutal costumava ficar lotado o dia todo, e os clientes eram obrigados a esperar até 20 minutos para ser atendidos.
JC - Era tanta gente assim?
Sérgio - Nos finais de semana, principalmente quando havia bailes no Bauru Tênis Clube, costumávamos fechar só de madrugada. Como nosso espaço era muito reduzido (o balcão de lanches dividia espaço com a banca de frutas, naquela época), não havia mesas ou cadeiras para os clientes se sentarem. Mesmo assim, as pessoas improvisavam: levavam as caixas vazias de frutas para a calçada e usavam como banco.
JC - Na sua opinião, qual o segredo para tanto sucesso?
Sérgio - Acredito que se deva à qualidade do produto que oferecíamos. Por exemplo: fomos a primeira lanchonete na cidade a servir lanches feitos com hambúrguer, em 1968. Na época, minha irmã e meu cunhado tinham um lanchonete em Pereira Barreto. Eles conseguiram uma receita artesanal e passaram para nós. Um ano depois, a Sadia passou a comercializar hambúrgueres industrializados e resolvemos adotar.
JC - Por que abandonaram o artesanal?
Sérgio - O artesanal era mais saboroso, só que não levava conservantes, por isso, os riscos de contaminação ficavam maiores. Ainda assim, nosso lanche continuou tendo alguns diferenciais com relação aos demais vendidos em Bauru.
JC - Quais, por exemplo?
Sérgio - Nosso hambúrguer é maior do que os das outras lanchonetes. Somos os únicos que ainda usam hambúrgueres de 90 gramas em Bauru - o resto do pessoal usa os de 56 gramas. Outro diferencial que temos é a forma como aquecemos o pão e o queijo para os lanches. Na maioria dos lugares, isso é feito na própria chapa, juntos com os demais ingredientes. Aqui, preferimos usar um forno elétrico para esquentar o pão e derreter o queijo separadamente.
JC - Por isso seu lanche se tornou tão famoso na cidade?
Sérgio - Tenho gerações de clientes que freqüentam minha lanchonete. Há o caso curioso de dois irmãos, que vivem nos Estados Unidos e têm parentes aqui na cidade. Quando um deles vem a Bauru e o outro não, eles têm quase que uma obrigação de vir ao Frutal para comer um lanche e tomar um suco. Daí, o que vem precisa gravar para, na volta, provar para o outro que realmente esteve aqui.
JC - É interessante saber que o lanche brasileiro faz sucesso entre os moradores da terra do “fast food”.
Sérgio - Eles dizem que o lanche de lá não tem sabor.
JC - Falando nisso, a concorrência das grandes redes de “fast food” chegou a prejudicar seu negócio alguma vez?
Sérgio - Por um lado, isso é ruim, pois a gente pode perder um ou outro cliente. Por outro lado, é bom, já que as pessoas têm a chance de comparar e ver que o nosso de fato é melhor. Se bem que eu acho que há um certo modismo por trás disso tudo. As pessoas vão a determinado lugar porque acreditam que isso é sinal de status. Quantas vezes, por exemplo, minha filha não chegou até mim e disse: “Pai, me arruma dinheiro para ir ao McDonalds?” Penso que ela ia, não porque achasse o lanche de lá melhor, mas porque era adolescente e queria estar ao lado das amigas.
JC - A transformações ocorridas no Centro, nos últimos tempos, chegaram a prejudicar o seu negócio?
Sérgio - Para falar a verdade, o movimento, hoje, já não é o que foi no passado. Outro dia, fui levar um lanche no Jardim Colonial e encontrei um cliente das antigas, que me perguntou: “Puxa vida, o Frutal ainda está funcionando? Pensei que tivesse fechado...” Disse a ele: “Está aberto sim. Nunca fechou” (risos). Sou um sobrevivente da Rodrigues Alves e, apesar dos problemas, acho que Centro continua sendo um bom ponto. Eu até aceitaria me mudar daqui para outra região da cidade, mas isso dependeria de um estudo muito aprofundado. Teria de ser um lugar que realmente fosse bom para os meus clientes. Não quero ir atrás de uma ilusão. Um domingo desses, à noite, eu ia de carro pela avenida Getúlio Vargas. Estava tudo vazio. Pensei comigo: “Oito anos atrás, seria impossível passar por aqui a essa hora. Estaria tudo lotado de carros e pessoas”.
JC - Atualmente, o senhor é o único da família que ainda segue à frente do Frutal?
Sérgio - Sim. Minha mãe (falecida em 2005) resolveu se aposentar no começo dos anos 80, depois que me casei. Já meus irmãos preferiram estudar e seguir cada um seu próprio rumo.
JC - Ouvi dizer que o senhor costumava receber gente famosa aqui no Frutal.
Sérgio - Aqui (o ponto atual, que começou a funcionar em 1979, e que fica do lado oposto da avenida de onde estava localizado o antigo estabelecimento) era parada obrigatória para políticos em época de eleição. Convivi, também, com muitos artistas e gente do esporte. Edson Celulari, por exemplo, veio algumas vezes, antes e depois de se tornar famoso. Nuno Leal Maia também já apareceu por aqui. Houve um dia, nos anos 80 - já era de madrugada. Um ônibus parou e vi que estava escrito “Barão Vermelho” na lataria. De repente, desceram uns rapazes e acabei reconhecendo que um deles era o Cazuza. Comprou um maço de cigarros e foi embora. A Paula, do basquete, também já esteve aqui, assim como a Hortência, na época em que ela jogou no Catanduvense, e depois, na Prudentina. O técnico pedia sempre cheese-salada sem alface para o time, pois dizem que alface dá sonolência. Daí a Hortência gritava: “No meu, pode por alface”. Certa vez, um homem estava sentado na lanchonete, quando o time de basquete chegou para comer. A Hortência se sentou ao lado do homem e começou a puxar assunto. No meio da conversa, o cara disse: “Eu poderia jurar que você é a cara da Hortência”. Ela respondeu: “Imagina! Quem me dera saber jogar 10% do que ela joga.”
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Perfil
• Nome: Sérgio Rúbio de Lima
• Idade: 56 anos
• Local de nascimento: Birigüi (SP)
• Estado civil: separado desde 1994 e vive sozinho
• Filhas: Maressa e Lyessa
• Filme: “Só Resta a Esperança”, de David Greene
• Livro: nenhum em especial
• Hobby: andar de bicicleta
• Nota 10: Honestidade
• Nota 0: Corrupção