Desfilar por aí com uma roupa, uma bolsa ou um relógio de grife é sonho de consumo de muita gente. Futilidades à parte, o status que uma marca confere a quem a carrega traz uma sensação de poder, luxo e um gostinho de superioridade. Mas quando aparece aquele produto falsificado, quase igualzinho ao original e muito mais barato? Para grande parte das pessoas, até mesmo de classe média, parece difícil não sucumbir à pechincha.
A representante de vendas Carla Grazielle Faria, 28 anos, já comprou bolsas falsificadas, atraída pelos preços, cerca de R$ 550,00 mais barato que os exemplares originais. Muito bem acabados, os acessórios poderiam enganar qualquer mulher. “Eu adoro. Se eu tivesse muito dinheiro, compraria o original, mas os preços são realmente absurdos. E a cópia me serve do mesmo jeito, a qualidade dos produtos é boa”, avalia.
Além das bolsas, a representante de vendas comenta que nunca teve dores de cabeça com outras cópias que adquiriu, como cremes hidratantes, loções corporais e perfumes de marcas pelas quais se costumam cobrar valores muito elevados. Ela destaca que só não compensa investir nas imitações de calçados.
“É jogar dinheiro fora. Com um mês de uso já começa a esfarelar. Nesse caso, é preciso juntar um pouco mais de dinheiro e ser mais seletiva na escolha”, conta ela, que já arriscou a saúde dos pés em um tênis ‘Mike’, de R$ 30,00.
Assim como Carla, outros tantos consumidores consultados pela reportagem confessaram que aderem às imitações para, momentaneamente, burlar sua condição social numa direção ascendente. No entanto, embora o consumo de pirataria seja associado ao fator baixa renda, a antropóloga Rosana Pinheiro Machado, que é organizadora do livro “Antropologia & Consumo”, aponta que nem sempre a afirmação ‘classes populares consomem bens falsificados e classes médias e altas consomem bens originais’ é verdadeira.
“No momento em que pessoas das camadas médias adquirem tais cópias, existe um jogo social para que esse produto se passe por legítimo. Por outro lado, se usado por indivíduos de camadas populares, o sistema classificatório discriminador da sociedade brasileira não irá legitimá-lo”, analisa Rosana.
É o que confessa a estudante universitária Rita*, 19 anos, que diz utilizar bolsas pretensamente luxuosas para tentar se diferenciar das demais mulheres. “Com as amigas, eu até comento que é falsa. Mas quem eu não conheço e elogia, deixo pensando que é original. Uso na faculdade, na balada e ninguém percebe”, assume.
Todo mundo
De acordo com Rosana, doutoranda da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde defenderá a tese intitulada “Made in China”, os produtos falsificados se tornaram um fenômeno social que produz efeitos em todo o mundo e se impôs de forma incontrolável. Bolsas, relógios, óculos de sol, tênis, roupas e perfumes piratas estão por toda parte e conquistam um número cada vez maior de consumidores de idades e classes sociais distintas.
Prova da diversidade do público consumidor é a variação da qualidade e, conseqüentemente, dos preços dessas imitações. No mercado paralelo, existem desde cópias grosseiras até o que os vendedores costumam chamar de ‘réplicas’. Por estas últimas, geralmente, o consumidor costuma desembolsar mais de R$ 100,00, quando se trata de falsificações de bolsas e relógios das marcas importadas mais luxuosas.
“Muitas vezes, as réplicas são feitas com os mesmos materiais e máquinas que os produtos originais. O conhecimento dos falsificadores é extremamente perspicaz, lançando cópias no mercado até antes do produto original”, conta a antropóloga.
* Os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados.
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Excursões de sacoleiras
Diariamente, dezenas de ônibus de excursões para compras em São Paulo saem de Bauru levando donas de lojas e sacoleiras que costumam comercializar seus produtos de porta em porta. Na Capital, os viajantes costumeiramente passam pela rua 25 de Março e pela tradicional Feirinha da Madrugada, no Brás, famosa pelo comércio de produtos populares.
“São muitos ônibus, que saem tanto do Centro da cidade quanto dos bairros. Ultimamente, tem tanta gente que até o preço da viagem ficou mais barato”, conta Natália*, proprietária de um estabelecimento em Bauru que realiza o trajeto pelo menos uma vez por semana.
Ela frisa que sua clientela é formada tanto por homens quanto por mulheres e que a procura por itens de luxo falsificados aumentou consideravelmente nos últimos anos. “Antes, eu só vendia artigos originais de marcas pouco conhecidas. Mas tivemos que mudar porque a procura pelas marcas famosas ficou grande. Temos que atender os pedidos, senão a gente não vende nada”, justifica-se.
Na loja de Natália, bolsas da Louis Vuitton, Chanel, Gucci, Dior, Dolce e Gabbana, Fendi e Versace são comercializadas por R$ 50,00 a R$ 80,00. Os óculos de sol variam entre R$ 20,00 e R$ 30,00 e camisetas Puma, Adidas e Diesel, entre outras marcas, custam de R$ 25,00 a R$ 30,00.
Só desses três itens, ela chega a vender mais de 60 exemplares por semana. “Mais de 60% da mercadoria que a gente vende é de marca. O pessoal vê os artistas famosos usando e quer comprar igual”, observa.
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Cópias para homens e mulheres
O técnico de gráfica Flávio*, 28 anos, sempre gostou de usar roupas de grife. “E quem não gosta?”, pergunta. Apesar de não se importar em pagar caro por tênis e calças originais, Flávio revela que, quando falta dinheiro ou coragem de gastar muito, apela para o exemplar ‘Tabajara’, como ele gosta de se referir às imitações.
Em alguns anos de idas e vindas a São Paulo e ao Paraguai, já adquiriu perfumes, bebidas alcoólicas, aparelho de som e de MP3. Também comprou uma mochila falsa da Diesel, pela qual pagou R$ 60,00, camisas de marcas esportivas e uma camisa ‘oficial’ do São Paulo, por R$ 25,00.
“Têm cópias que são muito bem feitas, muito parecidas com as originais. É só olhar bem e saber escolher direito”, ensina. Uma camisa original de time de futebol costuma custar mais de R$ 120,00, preço que Flávio diz jamais pagar.
Apaixonada por bolsas e relógios de marcas importadas, a estudante universitária Rita*, 19 anos, também diz optar pelas versões econômicas. Há mais de cinco anos, seu objetivo é rechear o armário com uma coleção das mais chiques marcas: Louis Vuitton, Chanel, Gucci, Dior, Dolce e Gabbana e Versace. Típica jovem de classe média, Rita pagou por cada um dos acessórios cerca de R$ 150,00. “Não é barato, mas eles são perfeitos, duram bastante tempo e saem por um valor que dá para pagar. Tem bolsa original que custa mais de R$ 8 mil, aí não tem como!”, reclama.
* Os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados.
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Diferença de preço chega a 1.000%
Seja em Bauru, em São Paulo ou na Internet, não é preciso procurar muito para encontrar uma variada gama de imitações. “Aqui na cidade existem mil e um produtos falsificados”, atesta a representante de vendas Carla Grazielle Faria.
Na Capital, ruas e galerias de comércio popular atraem multidões em todos os dias da semana. Em um shopping conhecido por ser a Meca dos produtos ‘made in China’, localizado na região central paulistana, até mesmo empresários estrangeiros vão em busca das chamadas réplicas de relógios e óculos do segmento de luxo, conforme já testemunhou esta repórter.
Apesar de serem falsificadas, tais réplicas possuem um custo bastante elevado, mas ainda se constituem em alternativas ao produto original, muito mais caro. No local, por exemplo, uma bolsa legítima da marca francesa Louis Vuitton, que pode custar mais de R$ 4 mil, tem sua versão em cópia por cerca de R$ 400,00.
Também na rede mundial de computadores, o ‘profissionalismo’ da venda de cópias impressiona. Um site especializado em vendas de bolsas de luxo apresenta as coleções em oferta salientando, sem rodeios, que são todas “réplicas perfeitas”.
Em outra página virtual, bastante conhecida pela liberalidade com que seus usuários vendem e compram artigos, um relógio Rolex, que pode custar mais de R$ 30 mil, é encontrado por R$ 800,00.
* Os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados.