“Maneiro... A Mônica cresceu!” Rápida como uma flecha, a menina saca na estante, entre centenas de livros, o gibi número 1 da Turma da Mônica Jovem. A história acima não é ficção e deve ter-se repetido, com variantes, em muitos lugares, porque ao tentar recuperar na banca a revista que a menina levara... “Ih, se você tem, guarde que já é raridade”, diz a vendedora.
A constatação do sucesso de venda se completa com a compra do número 3, no qual se lê que a tiragem de 50 mil inicialmente prevista ultrapassou os 200 mil exemplares e ainda assim esgotou-se. É hora de conversar com o autor da turminha.
No seu estúdio, Mauricio de Sousa fala sobre esse sucesso e antecipa, com exclusividade, que na capa do número 4, que estará nas bancas no dia 22, ele mostra o primeiro beijo entre Mônica e Cebolinha. “Mas em que condições, eu não digo”, brinca. Para quem não se ligou, a Mônica ganhou traços de mangá - ou um “mestiço” entre o desenho japonês e o original - e tornou-se adolescente.
Agora, ela é só um pouco dentucinha, nada gorducha, mas ainda tem seu coelho. Continua amiga de Magali que, embora gulosa, cuida da alimentação; do Cebolinha, que só fala “elado” quando fica nervoso, e do Cascão, que adora esportes e até toma banho, por causa das garotas.
Curiosamente, adolescentes entre 12 e 16 anos, o público-alvo, foram os que menos gostaram. “Como típicos jovens, eles criticam tudo”, brinca o autor. Mas ele reconhece que a saga narrada nos quatro números inicias da série deu uma “escapada” para além do planejado. E promete, sobretudo, colocar a emoção e o sentimento em primeiro plano na continuação da série, uma característica dos mangás, que seu público-alvo conhece bem.
Mauricio de Sousa antecipou que o primeiro beijo entre a Mônica e o Cebolinha já está estampado na capa do número 4 da nova série da Turma da Mônica Jovem. A imagem certamente vai atrair a curiosidade da criançada de 7 ou 8 anos, mas o sucesso nessa faixa etária torna maior o desafio do quadrinista.
Afinal, a série recebeu uma enxurrada de críticas justamente de seu público-alvo, a garotada entre 12 e 16 anos, que cobrou mais ousadia dos roteiristas. Mauricio de Sousa fala sobre os rumos da série que, adolescente ou infantil, pretende ser sempre uma “revista de família”.
Pergunta - A idéia de criar a Turma da Mônica Jovem veio junto com a de fazê-lo no estilo mangá?
Mauricio de Sousa - O projeto original não era tão mangá. A proposta inicial está no número zero, criado há uns quatro anos, e seguia a linha de um desenho mais sofisticado para atingir a criançada mais velha. Mas veio o lançamento de “Ronaldinho Gaúcho”, outros da turma infantil pelo mundo, e esse projeto, que exigiria muito cuidado e atenção, foi sendo postergado. Agora resolvemos enfrentar o desafio e o estilo mangá surgiu por conta da sua influência sobre a criançada. Mas o que fazemos não é exatamente mangá, é um produto mestiço, tem muito do mangá, mas também de nossa arte final, dos traços originais.
Pergunta - Esperavam o sucesso também nas outras faixas etárias?
Mauricio - Era esperado. A criançada se interessa porque quer crescer e o público adulto tem a curiosidade de saber o que aconteceu com seus personagens da infância. O público jovem, sempre desconfiado, quer ler para saber se estão mesmo falando sua língua.
Pergunta - Mas o objetivo declarado era pegar a garotada entre os 12 e 16 anos?
Mauricio - E estamos conseguindo chegar até eles. Só que como bons e tradicionais jovens - eles não gostam da palavra tradicional, mas sinto muito, jovens são como são desde que o mundo é mundo - eles criticam tudo. “Ah, não, isso não é o mangá japonês; ah, não, o Cascão não devia ter tomado banho; ah não, não devia ser preto-e-branco.” Criticam e compram.
Pergunta - Soube que vocês receberam vários e-mails. Há críticas recorrentes?
Mauricio - Sim, os jovens sugerem que as histórias sejam mais corajosas, ousadas, que brinque mais com os tabus. Mas não vou fazer do jeito que eles pedem.
Pergunta - Por quê?
Mauricio - A Mônica é um gibi da família. As revistinhas circulam na mão da criançada. Claro, os tempos mudaram. As crianças que têm 7 ou 8 anos hoje abrem os olhos para o mundo, como ele é, muito cedo. Seja pelo noticiário da TV, pelas conversas em família ou na escola. Isso torna qualquer tema permitido. Tudo é possível de abordar, contextualizar e discutir Esses assuntos cobrados passarão pela Turma da Mônica Jovem, mas de uma maneira suavizada, não no sentido de afastamento da realidade, mas no de tratamento adequado.
Pergunta - Na nova série, Mônica e Cebolinha se gostam, mas, a cada vez que vão se beijar, alguma coisa os impede. Isso sinaliza um tipo de tratamento?
Mauricio - Exato. Outro dia fizemos reunião com os roteiristas e minha neta de 15 anos e seus colegas. Num dado momento, a coordenadora perguntou: quem é o durão da casa, o pai ou a mãe? E minha neta respondeu: é o avô. Sou mesmo. Sou aquele que diz: “Não está na hora, você não pode fazer isso ainda. Não faça assim; faça assado.” É uma atitude que algumas famílias vêm esquecendo por aí. Tanto na vida real quanto na revista em quadrinhos, eu sempre alerto sobre o não amadurecimento da garotada. Vou abordar temas como sexo e drogas, mas vamos conversar no gibi como se conversa no sofá da sala. Todos os assuntos, hoje, podem ser debatidos em família, mas se tiver criança por perto você vai escolher palavras. Isso eu tenho de fazer e as pessoas esperam que eu faça.
Pergunta - Quais temas já tem em vista?
Mauricio - Já relacionamos vários, para serem estudados pelos roteiristas, com situações como busca de emprego, intercâmbio cultural, oportunidades, temas nunca explorados na série infantil. Aos 7 anos, a garotada está brincando. Aos 15 querem experimentar tudo, são um monte de emoções e hormônios pulando para todo lado. O que a natureza faz com os jovens é uma violência, mas serve para jogá-los para fora do ninho e fazê-los voar. Algumas voam bem, outros se esborracham no chão. A nossa revista pretende ser de entretenimento, com pitadas de informação e orientação.
Pergunta - Senti falta dessa “orientação” sobre valores sempre presente nas histórias infantis. A série jovem não ficou um pouco fantasiosa demais?
Mauricio - Foi mesmo uma escapada. Não era para ser tanto assim. Repare que, no primeiro número, há uma parte de cotidiano, daí a coisa voou para outros lados e agora temos de terminar a aventura, o que ocorre no número quatro. No quinto, já entrará um pouco do dia-a-dia deles lá no bairro do Limoeiro. A partir do retorno que tivemos, estou pedindo aos roteiristas que no primeiro plano estejam as emoções,. Essa é a linha que queremos dar para as histórias, valorizar o aspecto humano, conflitos, medos - emoções no bojo de um tema. O tema temos que escolher muito bem. É um desafio. Nenhum estúdio está se arriscando num trabalho assim.
Pergunta - Surpreendeu o sucesso na faixa dos 7 anos?
Mauricio - Que eles iam se interessar eu não tinha dúvida. O que surpreende é o entendimento. Isso mostra que os mangás, por meio dos desenhos animados, estão atraindo a garotada para histórias mais sofisticadas, o que é muito bom. A leitura dos gibis está mais rápida e eles pulam mais cedo para o livro, que fatalmente vem depois. Comigo aconteceu isso, com muita gente. Chegou um dia em que o gibi não me bastava mais.
Pergunta - Ainda há preconceito de alguns pais? Ainda há a idéia de que gibi é leitura menor?
Mauricio - Existe, mas está provado que quem lê gibi vai melhor na escola. Lógico, quem lê mais sempre vai melhor em qualquer coisa. Acabei de reler um livro que tinha lido fazia 50 anos: “O Presidente Negro”, de Monteiro Lobato, que ganhei por conta a eleição de Obama. Li em dois dias como fazia antigamente Quando li pela primeira vez esse romance, eu estava saindo dos quadrinhos, lembro que fiquei compulsivo, lia um livro por dia.