Nascida em Bauru, Zuleika se orgulha e agradece a Deus pela família à qual pertence. Os pais foram grandes ícones de uma época em que Bauru estava apenas começando. Proprietários de muitas terras na cidade, a Vila Lemos, foi formada em uma dessas propriedades dos avós e que leva esse nome em homenagem à família.
Zuleika conta das alegrias vividas, das conquistas que alcançou, os amigos, as homenagem à família que formou. Ela narra também suas paixões pela música, pela literatura e pela família. Faz uma avaliação da educação de hoje e afirma que se tiver que começar de novo, na sala de aula, não hesitaria.
Viveu a época de ouro dos grandes carnavais de Bauru e fez parte de uma sociedade de muito glamour e beleza. “Naquela época a gente vivia intensamente o sonho do baile de debutantes, da hora em que o príncipe chega para a dança”, conta.
Relembra os belos carnavais que participou e da expectativa que se criava meses antes da festa, dos preparativos, e dos bailes realizados na Hípica e no Bauru Tênis Clube.
Ela mesma divide sua existência em quatro fases: sonhos, realidades, conquistas e o hoje.
JC -A senhora dedicou toda sua vida profissional ao magistério. Quando decidiu que queria lecionar?
Zuleika – Toda a minha vida de trabalho foi focada para a educação. Todo esse período, busquei a excelência na educação, ressaltando sempre a importância de se educar as pessoas para o desenvolvimento do País. É nato em mim ser educadora, eu ensino por natureza. Tudo o que fiz, quando paro e faço uma análise, percebo que na verdade sempre estive tentando educar, isso mostra o quanto gosto de tudo que diz respeito a essa área.
JC - Na família, já havia professores ou a escolha foi sua?
Zuleika – Sim, foi uma opção minha. Na verdade, iniciei minha carreira como educadora alfabetizando crianças pequenas, mas muito nova, confesso que das primeiras experiências tenho remorso pela inabilidade de uma pessoa que também está começando. O crescimento veio do estudo, e claro, da experiência que se adquire com o passar do tempo.
JC - A senhora lecionou em que áreas?
Zuleika – Além de no começo ter trabalhado alfabetizando crianças, também dei aulas de organização social e política e história, tanto do Brasil quanto contemporânea, que na verdade é minha paixão.
JC - Quando a senhora decidiu ser professora, a família apoiou o caminho escolhido?
Zuleika – Foi muito natural, a minha família sempre viu e entendeu educação como prioridade nacional, o caminho para a busca do melhor para o País. Ser professora na época que comecei, não era exatamente como ser o educador de hoje, que sofre muito mais. Naquele tempo, a profissão tinha uma respeitabilidade enorme, que perdemos ao longo dos anos.
JC - A par dos problemas que o profissional que lida com a educação hoje enfrenta, a senhora aceitaria começar tudo de novo?
Zuleika – Eu sou professora sempre, mas se tivesse que começar de novo, voltaria outra vez para a sala de aula e alfabetizaria com o maior prazer, gosto do magistério, faz parte do meu ser.
JC - Como aconteceu o comando do Sesi regional ?
Zuleika – Foi um grande desafio. Iniciei na instituição como professora, prestei concurso e entrei, comecei lecionar, na época muito moça, jovem ainda, logo depois assumi o cargo de coordenadora de unidade escolar, o que não deixa de ser uma diretora de escola, sempre gostei muito do meu trabalho. Mais tarde, aceitei o convite para ser uma assistente educacional, que era uma profissional de apoio e depois passei para o cargo de supervisora de educação. Esse cargo era de grande responsabilidade, porque era a profissional que cuidava de várias unidades, na época, tive 32 unidades escolares da instituição sob a minha responsabilidade. Depois disso, fui convidada para assumir a diretoria do Sesi não só na área de educação, mas também a área cultural, esporte lazer, alimentação e saúde.
JC - Foi outro desafio dentro do Sesi?
Zuleika – Sim, talvez tenha sido o maior, mas me dei muito bem com a administração. Tenho certeza que o contato humano na administração é um dos fatores mais expressivos no desenvolvimento, isso é claro, somado ao conhecimento. Os resultados dependem da harmonia e do estímulo, baseado nisso, administrei aprendendo também, tive que descentralizar, dividir responsabilidades com a equipe e sempre me preocupei em deixar portas abertas para o retorno, se necessário.
JC - Aprendeu com quem?
Zuleika – Tive grandes mestres nessa missão, contei com a ajuda de grandes profissionais com quem trabalhei e aprendi muito com eles. São nomes que faço questão de citar, porque são pessoas que sempre tiveram um reconhecimento nacional como Maria Brás, Cândido de Oliveira, Mário Amato, Teobaldo De Nigres, Rafael Nosquezi, José Felício Castelano, Moreira Ferreira, Horácio Lafer Piva e Cláudio Vaz, este último, um extraordinário economista. Então quem teve a possibilidade conviver e aprender com esse time, realmente tem que ter aprendido muito em administração e educação.
JC - Como era a sua convivência em família?
Zuleika – Minha família era linda, do lado do meu pai era uma família numerosa, além dos meus avós, a família era formada por 14 irmãos, todos nascidos em Bauru, uma família muito conhecida na cidade. Meu avô chegou aqui quando tinham poucas casas na cidade, ele era dono de muitas terras. A família da minha mãe era menor, eram pessoas diferentes, meu avô materno pertencia à Companhia Paulista de Estrada de Ferro, então era o operário. A junção desses dois tipos de família aconteceu com um respeito muito grande, tivemos uma aula de relacionamento. Cada família tinha uma forma de pensar e viver e isso era respeitado por todos. Eu cresci em dois ambientes diferentes, mas tive a liberdade de escolher minha forma de pensar. Já meus pais tiveram duas filhas, minha irmã é 13 anos mais nova e então sempre me senti como uma protetora dela, sempre fomos muito unidas.
JC - Como a senhora conheceu seu marido?
Zuleika – A família dele era de São Paulo tinham uma fazenda em Agudos, mas ele trabalhava com vendas. Em uma de suas passagens por Bauru, no conhecemos, nos casamos e tivemos um filho que costumo dizer que é a minha alegria e minha expectativa de vida.
JC - Como era a vida de vocês, ele vendedor e a senhora professora, ele apoiava sua dedicação ao magistério?
Zuleika – Ele sempre me apoiou muito e meu deu todas as condições de crescer. Por isso foi possível o meu crescimento dentro do Sesi.
JC - A senhora fez parte de uma época de ouro de Bauru. O que guarda de bom daquele período?
Zuleika – É muito bom lembrar dessa época. Eu divido minha existência em quatro etapas: sonhos, realidades, conquistas e o hoje. Os sonhos se resumem aquela fase de ser criança, ser jovem, ter na vida projetos fantásticos onde estão envolvidos a família, os amigos e escola enquanto freqüência. Dessa época, lembro de uma sucessão de fatos memoráveis que marcaram momentos inesquecíveis, como o baile de debutantes onde o príncipe encantado surge para dançar a música dos sonhos. Tudo isso, talvez o jovem de hoje não consiga imaginar o que significou para quem viveu, mas fazia parte de uma fase. Nesses bailes tínhamos vestidos novos que eram escolhidos a dedo, os encontros aconteciam no aperitivo dançante do Bauru Tênis Clube (BTC). Nessa época, Bauru marcou nossas vidas, mas nós também marcamos a vida dessa cidade que é a nossa terra.
JC - A senhora falou da época dos sonhos, o que entra na fase da realidade?
Zuleika - Essa fase veio com o casamento e suas responsabilidades. Os encontros constantes com os amigos que cresceram juntos e formaram a personalidade do grupo que sempre foi baseada na união e na integração. Nessa fase, não era apenas importante ter amigos, mas mantê-los ao longo da vida, isso para mim sempre foi um tesouro de valor inigualável. O trabalho também entra nessa fase e ainda as ações sociais que nos ensinaram a dividir com o próximo o que tínhamos e sobre tudo doar a si mesmo em prol de outras pessoas e colaborando com entidades sociais a preparar suas atividades.
JC – E como a senhora define a fase das conquistas?
Zuleika – A principal vitória é meu filho, o Marcos Otoni, ele foi uma conquista maravilhosa, é a alegria e esperança da minha vida. As homenagens recebidas também se encaixam nessa fase das conquistas, como profissional fui agraciada com diversas. Todas de igual valor, mas destacando uma muito significativa, que foi a que ganhei na minha cidade quando me presentearam com a medalha “Custus Vigilat” que recebi da Câmara Municipal de Bauru. Ao longo da história dessa cidade, apenas quatro mulheres foram premiadas com essa homenagem e fui uma delas. Foi uma homenagem da minha terra, por isso é muito importante.
JC – E os amigos também são conquistas?
Zuleika – Sim, é outra coisa que classifico como conquistas da vida o fato de ter amigos, para mim conviver com eles e poder contar com eles é uma grande conquista. Temos dois clubes de amigos, uma já tem 35 anos e o outro já caminha para o oitavo ano. O primeiro se chama clube da alegria e o outro clube da amizade. Nos reunimos mensalmente, são grupos de diferentes amigas que conquistamos ao longo da vida.
JC - A última fase, o presente o que é?
Zuleika – É a aposentadoria, é início de uma nova fase, que se resume em viver o hoje, não é ficar voltando demais e nem em busca do que será demais. É viver o momento, curtir bastante, as viagens, as músicas preferidas e os livros preferidos. Tenho muitas músicas, sou fã do maestro Antônio Carlos Jobim e da música “eu sei que vou te amar” ouço muito Frederic Chopin, adoro música clássica.
JC - A senhora sempre gostou do carnaval, como eram os que participava ao lado das amigas?
Zuleika - Eu participo de carnaval nessa terra desde o meu primeiro aniversário. Meus pais já faziam fantasia para mim desde o primeiro ano, minha primeira fantasia nos braços deles foi o de chapeuzinho vermelho. Daí em diante, em sempre me preparei com muito entusiasmo para os carnavais. Na época de jovem, tínhamos um grupo maravilhoso, mas hoje vejo Bauru como cidade “tristinha” sem carnaval, mas enquanto teve nós fazíamos blocos tão lindos, antes ainda do Natal, começávamos a nos preocupar em fazer as fantasias. As amigas se reuniam e juntas criávamos as belas fantasias para cada ano. Tínhamos estilistas, nos preocupávamos em escolher quem iria fazer a confecção, tudo era muito trabalhoso, os materiais eram trazidos de São Paulo e Rio de Janeiro e se investia muito dinheiro. O grupo era grande, reunia sempre mais de 10 pessoas. Com essas fantasias, começávamos a festa na Hípica, que abria a festa em Bauru, depois usávamos novamente a mesma fantasia no carnaval do BTC.
JC - Vocês criavam nomes para as fantasias?
Zuleika – Sim, tudo era pensado e as fantasias criadas de acordo com os temas. Em 1984 foi a “Exaltação a Mangueira”, no ano seguinte, “O esplendor em Ouro e Branco”, em 1986 foi a vez das “Noites Parisienses” depois a “Magia do Oriente”, em seguida foi criamos “O Sonho de Carnaval” e tantos outros temas e fantasias extraordinárias.
JC - A senhora também saía no carnaval de rua?
Zuleika - Participei da Mocidade, sempre freqüentava os ensaios. Teve um ano em que depois de sair em vários blocos e diversas alas, decidi que iria sair na bateria. Sair nessa ala da escola era um desafio dos maiores, procurei o mestre, falei da minha vontade e ele concordou. Recebi uma orientação e toquei tamborim na bateria e o carnaval mais uma vez foi inesquecível.
JC - A senhora se arrependeu de ter, ou não, feito algo na sua vida?
Zuleika - Não é arrependimento, mas tive uma escola infantil que na época chamava “Gato de Botas”, tinha inúmeros alunos e naquele tempo tive que fazer uma opção entre trabalhar como funcionária ou ter minha própria escola, optei pelo trabalho no Sesi. Não sei dizer se fiz bem ou mal, tive uma vida brilhante na entidade cheia de conquistas, então não dá para saber com seria se tivesse seguido o outro caminho.
JC - A senhora tem uma história de conquistas e sucesso, mas tem algo que não consegue dominar na vida?
Zuleika - Não sei lidar com as perdas, principalmente as perdas de pessoas queridas. Sou muito ligada aos meus amigos, familiares e toda vez que a morte tira uma dessas pessoas do meu convívio sofro demais para aceitar. Foi assim com meu pai, meus avós e meu marido.
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Perfil
Nome: Zuleika Léa Lemos de Almeida Gonsalves
Idade: 64 anos
Local de nascimento: Bauru
Marido: José Otoni Cardia Gonsalves (falecido)
Filhos: Marcos Otoni de Almeida Gonçalves, 31 anos
Netos: Não tenho por enquanto
Hobby: Ler, ouvir músicas e tirar fotos
Livro de cabeceira: A arte da Guerra, Morro dos Ventos Uivantes e Miseráveis
Filme preferido: Dr. Jivago
Estilo musical predileto: Clássica e Bossa Nova
Time de coração: Corinthians
Para quem dá nota 10: Para os meus pais
Para quem dá nota 0: Para a mentira