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Entrevista da semana: Agostinho Zeola

Rodrigo Ferrari
| Tempo de leitura: 11 min

“O jogo do Santos contra o Juventus vai ser muito interessante: seis de um lado marcando Pelé, seis do outro marcando o Zeola”, dizia a chamada do jornal “O Esporte”, da Capital, em 29 de maio de 1959. Mas quem seria esse craque Zeola, capaz de roubar as atenções do “Rei do Futebol”, perguntaria um leitor mais jovem, acostumado aos Kakás e Ronaldinhos que se proliferam pelos gramados mundo afora, nos dias atuais.

Bauruense de coração, Zeola é um dos maiores meias que já pisaram em um gramado deste País tropical abençoado por Deus. Para se ter uma idéia da importância que o jogador teve na história do futebol brasileiro, em 1962 ele era considerado pelo então técnico da seleção, Aymoré Moreira, uma das peças chaves para a disputa da Copa do Mundo no Chile.

Por ironia do destino, uma contusão acabou deixando Zeola de fora do escrete canarinho (era assim que os cronistas esportivos costumavam se referir à Seleção). Decepção que certamente não apaga o brilho de uma carreira memorável, iniciada, quem sabe, em algum campinho de terra perdido na zona rural de Jaboticabal.

Corriam os anos 1940 e o menino Agostinho costumava correr atrás de uma bola de meia nas peladas organizadas pela molecada da vizinhança. Fazia isso, é bem verdade, a contragosto da mãe, que considerava futebol um jogo perigoso e impróprio para garotos honestos e trabalhadores.

Ela mal podia imaginar que o esporte se tornaria um ganha-pão para o filho - mais que isso, uma razão de viver. “A melhor coisa do mundo é você ganhar dinheiro fazendo aquilo que gosta”, garante Zeola, que se mudou para Bauru quando tinha 16 anos. Foi com essa idade, aliás, que ele disputou, pelo Paulista do Jardim Guadalajara, seu primeiro campeonato, o “Varzeano”, que reunia equipes amadoras da cidade. Dois anos mais tarde, já como profissional, ajudaria o Noroeste a conquistar seu primeiro acesso à divisão especial do futebol do Estado.

Esse foi apenas o início da trajetória vitoriosa de Zeola, que ainda atuaria em clubes como Juventus, Palmeiras, Napoli, Independiente, Fluminense. Nessa vida cigana, ele só lamenta não ter tido tempo para acompanhar de perto o crescimento dos filhos.

Se bem que, hoje, já aposentado, Zeola tem tempo de sobra para se dedicar à família - e também para se divertir com os causos do passado. Ele recebeu a reportagem do Jornal da Cidade e relembrou alguns lances marcantes de sua vida, entre eles, a forma mirabolante como foi negociado com o Napoli e o gol de bicicleta marcado contra o Corinthians em sua estréia pelo Palmeiras. Acompanhe abaixo a entrevista desse craque que também é uma das poucas testemunhas oculares do mais lindo gol já marcado por Pelé.

Jornal da Cidade - Como o futebol entrou em sua vida?

Agostinho Zeola - Faz tempo, eu ainda era menino e morava em Jaboticabal. Eu vivia no sítio, costumava participar de peladas em campinhos de terra com a garotada da vizinhança. A gente jogava com uma bola de meia, era a única que havia. Se bem que a minha mãe, Aparecida, não gostava muito daquilo. Ela achava que futebol era um esporte perigoso, coisa de vagabundo.

JC - Você já sonhava se tornar jogador, naquela época?

Zeola - Nós, que morávamos no sítio, costumávamos não esperar muito da vida. Mais tarde, em 1950, minha família veio morar em Bauru, no Horto de Aimorés, onde meu pai, Antônio Zeola, plantava eucalipto. Foi aí que passei a acompanhar mais de perto o futebol. Lembro-me de ter ouvido a Copa do Mundo pelo rádio - em um daqueles caixotes de madeira que funcionavam à base da pancada (risos). A final foi muito triste, cheguei a chorar de decepção. O Brasil era favorito, ninguém imaginava que seria derrotado pelo Uruguai em pleno Maracanã (os visitantes venceram de virada, por 2 a 1).

JC - Em Bauru, você continuou a participar de peladas?

Zeola - Eu ajudava meu pai com o trabalho na fazenda e depois, vinha jogar em um time amador chamado Paulista, cuja sede era próxima à Estação de Triagem (da Companhia Paulista de Trens; o local fica ao lado do Jardim Guadalajara). Eu costumava ir do Horto de Aimorés até lá à pé, caminhando pelos trilhos, em um percurso de três ou quatro quilômetros. Era bom porque eu já chegava aos treinos “aquecido” (risos).

JC - Em que posição você atuava?

Zeola - Eu era meia-direita, só que naquele campeonato da várzea eu só consegui atuar duas vezes como titular; nos demais, fiquei esquentando o banco. O time era tão bom que não havia espaço para mim. No ano seguinte, fui para a equipe amadora do Noroeste e acabei participando de um torneio contra equipes da região. Não conseguimos ficar com o título, que foi para Duartina, mas acabei sendo o artilheiro da competição.

JC - Sério?

Zeola - Sério. Marquei 36 gols naquele campeonato. Em um jogo em Garça, consegui a proeza de fazer seis gols, todos de cabeça. Imagine só: eu, com essa minha estatura imensa! (risos) Era baixinho, tinha 1,69 metro de altura - agora devo ter menos ainda -, mas era oportunista, sabia me posicionar...

JC - Foi esse desempenho que te conduziu à equipe profissional?

Zeola - Sim, fui promovido ao time “de cima” em 1952. Um ano depois, conquistei meu primeiro título, o da Segunda Divisão do Campeonato Paulista. Era a primeira vez que o Noroeste conseguia o direito de disputar a divisão especial do futebol do Estado.

JC - Contra quem foi a decisão?

Zeola - Foi contra o Marília, uma final nervosa, em dois jogos. A primeira partida foi no Bento de Abreu, vencemos por 2 a 1, de virada. Os torcedores ficaram tão bravos que atearam fogo na arquibancada e tentaram agredir o árbitro. Para sair do campo, ele precisou se disfarçar com uma farda da polícia.

JC - E o jogo de volta, no Alfredo de Castilho?

Zeola - Foi mais tranqüilo, entramos em campo apenas para jogar nosso futebol, tanto que acabamos vencendo por 2 a 0 - marquei os dois gols do título. Além disso, os torcedores do Marília não vieram a Bauru para acompanhar a partida. O Noroeste tinha um timaço naquela época. O melhor jogador era o meia-esquerda Ranufo.

JC - Como foi a campanha do time na Primeira Divisão?

Zeola - Foi mediana, ficamos com a sexta ou a sétima colocação. Só que demos trabalho aos clubes grandes. O Corinthians, por exemplo, que foi campeão paulista daquele ano (de 1954, título conhecido como o “do 4.º Centenário da Capital”), teve apenas uma derrota na competição, justamente para nós.

JC - Você permaneceu quantos anos no Noroeste?

Zeola - Quatro anos, depois me transferi para o Juventus de São Paulo. Essa transação, aliás, têm uma história curiosa. Em 1955, quando eu ainda estava no Noroeste, alguns olheiros do Napoli da Itália me viram jogando e cogitaram me contratar. Modesto Mastrosa, presidente do Juventus - um italiano puro, esperto que só ele -, quando soube do interesse, resolveu se adiantar aos estrangeiros e comprou meu passe junto ao Noroeste por 30 mil cruzeiros, na época. Depois, me negociou com os italianos por 8 milhões de liras. Teve diretor do Noroeste que ficou morrendo de raiva quando soube do ocorrido.

JC - E como foram as coisas no Napoli?

Zeola - Permaneci um ano lá, fiz 16 gols e o time acabou em quarto no Campeonato Italiano. Só que não quis continuar em Nápoles; eu era jovem, sentia muita saudade de casa. Além disso, o povo daquele lugar falava uma língua enrolada. (risos)

JC - Você voltou para qual time?

Zeola - Para o Juventus mesmo. O presidente Modesto Mastrosa era tão esperto que conseguiu incluir um cláusula no contrato de que o Napoli me devolveria de graça para o Juventus, caso eu não quisesse permanecer lá.

JC - E como foi esse retorno ao Juventus?

Zeola - Muito bom. Em 1959, fui vice-artilheiro do Campeonato Paulista, com 28 gols. O Pelé marcou 32. Aliás, eu estava na ‘rua Javari’ (estádio do clube) no dia em que ele marcou aquele gol considerado o mais bonito da carreira dele. Era uma tarde de 2 de agosto, um jogo válido pelo Campeonato Paulista daquele ano, e o Santos acabou ganhando da gente por 4 a 2.

JC - O gol foi tão lindo como as pessoas dizem?

Zeola - Sim, demais. Ele deu todos aqueles chapéus e dribles que o pessoal conta... (Pelé teria chapelado quatro jogadores, inclusive o goleiro Mão de Onça, e depois concluído de cabeça, com a bola ainda no ar). Foi fantástico, pena que ninguém filmou aquele lance.

JC - E depois do Juventus?

Zeola - Fui para o Palmeiras. Minha estréia foi em 61, em uma partida contra o Corinthians, no Pacaembu, pelo Torneio Rio-São Paulo. Estávamos perdendo por 3 a 1, daí dei o passe para o Julinho Botelho marcar nosso segundo gol e ainda consegui empatar o jogo com um gol de bicicleta, no último minuto.

JC - Você atuou na Seleção Brasileira, não é?

Zeola - Cheguei a ser convocado para o grupo que disputaria a Copa de 62 (do Chile, ganha pelo Brasil). Atuei como titular em um amistoso de preparação, contra o Paraguai, no Maracanã. Só que, em um jogo do Palmeiras contra o Grêmio, pela Taça Brasil, acabei me machucando numa disputa de bola com um defensor chamado Ortunho. Aymoré Moreira (técnico da seleção) chegou para o médico e falou: ‘E então? Eu preciso dele!’ E o médico respondeu: ‘Pode deixar, vou curá-lo’. Passei vários dias tomando infiltrações no tornozelo. Quando faltavam dez dias para o embarque do grupo, acabei sendo cortado e o Amarildo (do Botafogo) foi chamado para a minha vaga. Pense só: eu seria titular naquela Copa, pois o Pelé também se machucou e o Amarildo entrou no lugar dele. Mas fazer o quê? Quando não é para ser, não adianta insistir...

JC - E depois disso?

Zeola - Havia um técnico no Palmeiras chamado Armando Reganescchi. Certo dia, ele me convidou para jogar na Prudentina. “E eu vou fazer o que em Presidente Prudente?” “Olha, Zeola, os homens lá estão cheios da grana...” Como eu já tinha “passe livre” naquela época, decidi topar. Fiquei seis meses na Prudentina, até que o Armando foi chamado para treinar o Independiente da Argentina e resolveu me levar com ele.

JC - Como foi essa passagem pela Argentina?

Zeola - Fomos campeões de 1963, perdendo um jogo apenas, para o Racing. Aí, depois de um ano de contrato, resolvi voltar para o Brasil. Meus filhos já estavam usando um linguajar de gringo, falando “mamá”, “papá”, “leche”. “Tenho que me mandar daqui”, pensei (risos).

JC - Você foi para onde, então?

Zeola - Joguei no Guarani por dois anos, depois no Fluminense, por seis meses. Aí, surgiu uma proposta milionária do Juniors de Barranquilla e acabei aceitando. Depois, fui para o Tupã e permaneci lá por três anos. Nessa época, comecei a engordar e a ter dificuldades para manter a forma. Então, pensei comigo mesmo: “Tenho um nome a zelar. Acho que é melhor parar por aqui”, embora eu tivesse certeza de que o futebol sempre foi a grande paixão de minha vida. Digo para você: a melhor coisa do mundo é ganhar para fazer aquilo que gosta. E se, algum dia, eu pudesse voltar a jogar, tenha certeza de que eu voltaria sem pensar duas vezes.

JC - Depois de aposentado, sua vida mudou bastante?

Zeola - Resolvi comprar um carro e me tornar chofer de praça em São Paulo. Não sei o que me deu na cabeça. Eu não conhecia nada naquela cidade! Só sabia ir do hotel para os estádios. Os fregueses é que precisavam me guiar. Fiquei um ano naquela vida, até que acabei desistindo. Se bem que, quando larguei o trabalho de taxista, eu já conhecia a cidade como palma da minha mão (risos).

JC - Por que você resolveu voltar para Bauru?

Zeola - Minha esposa, Sônia (falecida há cinco anos), gostava muito de Bauru. Meus filhos nasceram todos aqui e eu tinha muitos amigos e conhecidos na cidade. Aqui tive açougue, bar e trabalhei com transportadora. Sabe, no tempo em que eu jogava bola, levava uma vida cigana e quase não tinha tempo para estar com a minha família. Eu não estava na cidade quando meus filhos nasceram. Isso é algo que lamento - não poder ter acompanhado meus filhos crescerem.

JC - Algum filho ou neto seu quis seguir no futebol?

Zeola - Não, nenhum quis saber de ser jogador. Meu neto Leandro entrou para uma escolinha de futebol quando tinha 7 anos de idade; aos 12, já estava enjoado dessa vida. Agora tem minha neta, Beatriz, filha do meu filho Tim (Agostinho). O pai dela tem uma escolinha de futebol e ela costuma acompanhá-lo nos treinos. Assisti a alguns jogos dela e parece que ela leva jeito para a coisa.

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Perfil

Nome: Agostinho Zeola

Idade: 75 anos

Local de nascimento: Álvares Machado (SP)

Profissão: Jogador de futebol aposentado

Esposa: Sônia Cabelo Zeola (falecida)

Filhos: Rosana e Agostinho

Netos: Leandro, Rafaela e Beatriz

Time do coração: Juventus-SP

Hobby: TV

Livro de cabeceira: Nenhum em especial

Filme preferido: Nenhum em especial

Estilo musical predileto: Samba canção

Para quem dá nota 10: Acha difícil escolher alguém para levar uma nota tão alta

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