Tribuna do Leitor

Charles Darwin e o ensino


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A hipótese de uma origem comum e a teoria da transformação das espécies é anterior a Charles Darwin. Seu avô, Erasmo Darwin, o poeta e cientista Goethe e Geoffroy Saint-Hilaire, de maneira independente uns dos outros, já a haviam colocado entre os anos de 1794 e 1795. Em 1801, Lamarck dá uma primeira explicação da variação das espécies segundo o conceito de adaptação ao meio, isto é, meio século antes de Darwin apresentar sua hipótese de origem das espécies por seleção natural.

Não é, portanto, a introdução dos conceitos de origem comum e evolução das espécies o que caracteriza a genialidade de Darwin. Sua contribuição essencial foi a de introduzir um método de pensamento e observação para as ciências naturais que consistiu em considerar um sistema de conceitos como organizador para as relações a serem observadas e explicadas. Ao contrário do pensamento metafísico que busca o que seria a “essência” própria a cada espécie, separando brutalmente cada uma delas como se fossem “entidades” isoladas, no método de Darwin as espécies só têm sentido conceitual através dos mútuos relacionamentos de uma às outras. Além disso, não é só o conceito de espécie que é assim sistematizado, mas todos os conceitos são considerados com sentido apenas nos seus mútuos relacionamentos num dado sistema conceitual. Foi com esse método que Darwin conseguiu relações entre conceitos biológicos, geográficos, geológicos e referentes ao clima para produzir um conhecimento que se adequasse ao que lhe foi possível observar, de forma ordenada e disciplinada, do relacionamento dos fatos da natureza.

A clareza com a qual expôs seu método para as ciências naturais, conjugada ao que foi realizado na física, quanto ao método, por Galileu e Newton, abriu o caminho para que o ensino e a aprendizagem do método científico pudessem ser percorridos por milhares de indivíduos no século XX, constituindo em seus cérebros o pensamento relacional em estado de prontidão e uso na produção de conhecimento. Isso permitiu que o avanço do conhecimento científico hoje em dia não dependa mais do aparecimento, de século em século, de uma ou outra figura genial, mas possa ser desenvolvido cotidianamente por miríades de anônimos cientistas em seus laboratórios ou gabinetes de pesquisa.

Porém, dada a forma predominante da educação escolar, que no ensino básico pressupõe que o pensamento é uma “entidade” que por maturação biológica vai mudando de “essência” em estágios imutáveis e pré-definidos que seriam da “essência” da “entidade” espécie humana, põem-se as crianças a aprenderem um pensamento do concreto ao abstrato, do particular ao geral, em atividades iniciais de observação de “essências” próprias que teria cada feição da natureza, as quais seriam “abstraídas” por esse método metafísico de pensamento.

Com isso, ao final do ensino médio, apenas uma minoria em torno de 10% dos alunos, que de alguma maneira concentraram-se mais no sistema de conceitos que também lhes é apresentado na escola, acaba obtendo um conhecimento teórico. Os demais, e principalmente aqueles que se dedicaram sem pestanejar em realizar as atividades e estudos escolares da forma que lhes foi proposta, saem da escola com um pensamento metafísico. Neste ano de comemorações pelo bicentenário de seu nascimento, penso que o maior tributo a ser prestado a Charles Darwin é envidarmos esforços para ir mudando radicalmente conteúdos e métodos de ensino, de forma que as crianças, desde as primeiras séries, possam aprender o pensamento científico relacional. A possibilidade de constituir uma visão científica de mundo é um direito que deve estar ao alcance da grande massa.

Geraldo A. Bergamo, professor da Unesp

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