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Estoril, o mais português dos bairros

Rodrigo Ferrari
| Tempo de leitura: 4 min

Situado na zona sul, o Jardim Estoril pode ser considerado o mais português dos bairros da cidade. Fundado na década de 70, por iniciativa a família Martha, o lugar logo se tornou uma espécie de pousada dos “nobres”, a exemplo do balneário de luxo que lhe empresta o nome - onde, inclusive, existe um renomado autódromo, em que Ayrton Senna ganhou seu primeiro Grande Prêmio de Fórmula 1, em 1985, quando ainda corria pela Lotus.

O Jardim Estoril é resultado do trabalho do imigrante português José da Silva Martha (o comendador) e de seus descendentes. Nascido na Vila Real de Trás dos Montes, ele se mudou para o Brasil em 1907, quando tinha apenas 9 anos de idade.

Martha e sua família foram pioneiros da comunidade portuguesa em Bauru e ajudaram a desbravar a região sul da cidade. Quando jovem, ele trabalhou no ramo de beneficiamento de cereais. Mais tarde, adquiriu propriedades rurais e, por fim, entrou para o mercado imobiliário.

Foi por iniciativa dele que surgiu o loteamento que deu origem ao Jardim Estoril. As primeiras 20 casas do bairro foram construídas ao longo de onde hoje está situada a avenida Comendador José da Silva Martha.

O próprio comendador também doou ao Bispado de Bauru o terreno onde foi construído o santuário de Nossa Senhora de Fátima, ligado à Paróquia São Judas Tadeu e São Dimas. Feito em arquitetura moderna, o templo é tido, atualmente, como um dos marcos arquitetônicos da cidade.

Toda essa grandiosidade do santuário tem uma razão de ser: o culto mariano é uma das principais marcas dos portugueses, povo cuja história está intrinsecamente ligada ao catolicismo romano. A devoção à Nossa Senhora do Rosário de Fátima teve início em 1917, ano em que as mãe de Jesus teria se manifestado a três crianças - Lúcia, 10 anos; Francisco, 9 anos; e Jacinta, 7 anos - na Cova da Iria. O local fica a cerca de dois quilômetros e meio de Fátima.

De acordo com os pastorinhos, eles costumavam avistar sobre uma azinheira de pouco mais de meio metro de altura uma mulher vestida de branco e luminosa como o sol. Curiosamente, apenas Lúcia era capaz de ouvir e falar com Nossa Senhora.

A santa teria transmitido à garota três segredos, que posteriormente acabaram sendo revelados ao mundo - entre eles, estaria a perda de almas durante a Primeira Guerra Mundial.

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Voltar, nunca mais

Embora Portugal tenha passado por grandes avanços econômicos nas últimas décadas, portugueses radicados em Bauru não querem saber (nem em sonho) de deixar o Brasil. Nascido em Barcelos, norte do país, o aposentado Júlio Fernandes Pinheiro, 75 anos, resolveu imigrar para o Brasil nos anos 50.

“Naquele tempo, Portugal vivia uma ditadura e era uma nação fechada demais. O país fornecia comida para o resto da Europa e o povo vivia no aperto. Além disso, estava se aproximando a época de trocar o contigente militar que deveria lutar na África (nas guerras de independência de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Moçambique). Como eu tinha 18 e estava prestes a ser convocado pelas Forças Armadas, preferi vir para o Brasil”, relata.

Depois de um período em Recife, Pernambuco, e outro em São Paulo, Pinheiro decidiu fixar-se em Bauru, onde vive até hoje (atualmente, ele é vice-presidente da Associação Beneficente Portuguesa, entidade da qual é membro há 25 anos). “O interessante é que, inicialmente, eu pensava em ficar apenas cinco anos no Brasil. Estou aqui há mais de cinco décadas e não tenho vontade alguma de ir embora. Fui dez vezes para lá a passeio, mas nunca mais pensei em retornar de vez. Continuo português, mas gosto demais do Brasil”, afirma.

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Associação Luso Brasileira

Foi por obra da família Martha que surgiu em Bauru outra instituição genuinamente portuguesa: a Associação Luso Brasileira, fundada em 10 de junho de 1962, por iniciativa de um grupo liderado por José da Silva Martha Filho (como o próprio nome dá a entender, ele era filho do comendador).

A idéia de uma entidade que pudesse promover a cultura portuguesa em Bauru foi lançada pelo delegado aposentado Abel Fernando Marques Abreu, que, na época, possuía um programa de rádio na PRG-8 denominado “Serões da Aldeia”.

“Sugeri ao comendador Martha a criação de uma ‘Casa de Portugal’, para divulgar a cultura de nosso povo. Tempos depois, José Martha Filho resolveu ampliar a idéia e criar uma associação com caráter esportivo e cultural”, conta.

Por muito tempo, o pai de Abel, João Abreu (já falecido), atuou como diretor do grupo folclórico da entidade. Natural de Murtide, ele trabalhava como contador no Tribunal da Justiça da cidade de Cantanhede.

A família se mudou para Bauru nos anos 50 e nunca mais pensou em retornar à terra de origem. “Cinco anos atrás, fui a Portugal rever minha aldeia. Não gostei muito do que encontrei. As coisas pouco mudaram por lá”, explica Carmindina Ferreira Marques, 95 anos, mãe de Abel.

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