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Ver objetos perdidos é ‘dom’ que caminha para a extinção

Adilson Camargo
| Tempo de leitura: 4 min

Sabe aquela hora em que não adianta dar três pulinhos porque São Longuinho não achou o objeto que você perdeu na rua, na escola, na festa, em casa ou em qualquer outro lugar? Então, é o momento de recorrer a outras formas de ajuda. Ao longo do tempo, o folclore brasileiro produziu uma gama variada de santos e entidades que, quando invocados, “dão uma mãozinha” para encontrar objetos perdidos. São os plantonistas do além do setor de achados e perdidos.

Em geral, o brasileiro recorre ao sobrenatural para encontrar seus objetos perdidos com muita naturalidade. Primeiro, esgota-se todas as possibilidades humanas de procura. Se não der certo, apela-se então às entidades sobrenaturais. Daí nascem as promessas, as rezas e as crendices, que passam de pai para filho e seguem de geração em geração.

Já foi muito mais fácil encontrar pessoas que fazem responsório, ou responso como é mais conhecida a oração para achar objetos perdidos. A tendência é que esse público desapareça com o tempo. Atualmente, as pessoas que têm esse “dom” passam dos 40 anos e estão restritas às pequenas cidades ou atuam discretamente nos bairros das grandes e médias cidades.

Em Bauru, se procurar bem, ainda é possível encontrar quem faça responso específico para achar coisas perdidas (existe responso para outras finalidades). No Núcleo Mary Dota, por exemplo, Rosângela Rodrigues dos Santos, 42 anos, mais conhecida como Rosinha, é uma dessas pessoas.

Ela conta que faz esses “trabalhos” desde os 17 anos e sempre deu certo. Melhor dizendo, nem sempre. Rosinha relata que no início as orações não estavam funcionando muito bem. Ela diz que a oração de Santo Antônio não estava surtindo o efeito desejado. Foi então que aprendeu e depois passou a usar a oração na linha do cabloco Vira Mundo. Segundo ela, a partir daí, a coisa mudou de figura.

Deste então, conseguiu encontrar desde objetos pequenos até carros, dinheiro e animais de estimação. Tudo com ajuda da oração ensinada pelo caboclo. Para reforçar o agrado à entidade, Rosinha sempre acende uma vela verde. Segundo ela, os pedidos sempre foram atendidos. Depois de algumas horas ou dias, os objetos ou animais perdidos voltam para as mãos de seus donos.

Rosinha fala que a oração tem poder também sobre objetos e animais furtados e não apenas perdidos ou esquecidos em algum canto. Segundo ela, a função da prece, nesse caso, é a de incomodar a pessoa que se apoderou indevidamente do objeto ou do animal, a ponto de querer devolver o que furtou.

E o “dom” de Rosinha não se limita a fazer com que as coisas apareçam de repente, com o poder da oração. Ela também tem o dom da vidência, ou seja, consegue ver onde está o que se perdeu. Não é sempre que isso acontece, principalmente quando se trata de objeto furtado. Esses, Rosinha diz que não consegue enxergar onde estão. Segundo ela, uma das demandas que mais aparecem para ela “resolver” é encontrar o dinheiro da aposentadoria. Ela relata que muitos aposentados simplesmente esquecem onde guardaram o dinheiro e depois vão pedir socorro para ela.

Em média, segundo Rosinha, as orações demoram dois dias para serem atendidas, no máximo. No entanto, ela diz que quando trata-se de um furto cometido por alguém perigoso, de “coração pesado”, como um homicida, por exemplo, a oração demora mais para fazer efeito.

A partir do momento em que as orações de Rosinha começaram a dar resultados concretos, a fama dela correu o bairro e extrapolou as fronteiras do município, do Estado e do País. Ela fala que já recebeu ligações de brasileiros que moram no Japão pedindo ajuda para encontrar coisas perdidas por lá. Segundo Rosinha, os pedidos de ajuda podem ser feitos por telefone ou pessoalmente. Nada é cobrado por isso. Rosinha diz seguir a recomendação dada por Jesus: “de graça recebestes, de graça dai”.

Até por isso, ela não tem folga nos sábados, domingos e nem feriados. Todos os dias alguém a procura com o desejo de alcançar alguma graça. E ela não enxerga isso como um incômodo. “Eu não me incomodo com isso. Pelo contrário, até gosto”, afirma.

Ela diz que o marido e os filhos reclamam um pouco do constante entra-e-sai dentro de casa, mas aceitam. “(Meu marido e filhos) estão todos sadios e empregados. Eles não precisam de ajuda”, argumenta ela para justificar seu esforço para atender todos que a procuram.

A reportagem localizou uma senhora de 95 anos que afirma que também tem o dom de ver onde estão objetos perdidos ou esquecidos, mas ela preferiu não conceder entrevista alegando que perderia toda a privacidade e sossego a partir do momento que isso se tornasse público. Os parentes dela são os únicos que contam atualmente com esse “serviço”. Recentemente, uma neta ligou da China preocupada com o desaparecimento de um objeto importante. A vó fez a oração, que ela não revela a ninguém qual é, e em seguida disse à neta em detalhes onde estava o que ela procurava.

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