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Dr. Automóvel: Potência dos motores

Consultoria: Marcos Serra Negra Camerini*
| Tempo de leitura: 4 min

A tecnologia automotiva é muito vasta e isto faz com que certas dúvidas apareçam entre os interessados e aficionados, principalmente pelos conceitos técnicos envolvidos que podem parecer dúbios para alguns. Coisas óbvias para um engenheiro podem parecer misteriosas para um leigo, afinal o engenheiro estudou muito para entender disso. Vejamos alguns conceitos que geram estas dúvidas nas cabeças das pessoas.

Nosso amigo leitor Eli Roberto Garcia Filho, de Agudos, me mandou o seguinte e-mail:

“Gostaria de fazer uma pergunta sobre potência em motores. Sabe-se que motores de caminhões (bi-trens, por exemplo, que transportam 40, 50, 60 toneladas) têm potência de 400-500 cv. Essa potência é a mesma de muitos carros superesportivos. Por que então, um caminhão não atinge altas velocidades apesar de ter toda essa potência no motor?”

Vamos lá, Eli. A pergunta procede e claro, tem resposta técnica. Diversos fatores de projeto farão com que um caminhão pesado nunca atinja a velocidade de um superesportivo. A primeira é o tipo de motor usado por eles, que é um Diesel de alto torque e baixa rotação. São motores de alta cilindrada, e quando digo alta é alta mesmo. Se um motor de automóvel varia de 1000 a 2000cc (ou cm³) em média, a cilindrada destes motores de caminhão chega até a 12.000cc ou 12 litros. Em compensação, a rotação máxima destes motores Diesel gira na faixa dos 2500 rpm em média, enquanto que nos automóveis de rua chega a 6.000 rpm e nos superesportivos ultrapassa os 8.000 rpm, chegando a absurdos 18.000 rpm na Fórmula 1.

Desta forma, um motor Diesel é concebido para força e não velocidade, o oposto de um motor ciclo Otto. Aliado ao câmbio reduzido de várias marchas como nos tratores, o torque do motor é direcionado às rodas com o intuito de movimentar o máximo de carga permitido pelo veículo, dentro das velocidades compatíveis com o piso e a legislação. Um caminhão carregado com 40 toneladas de carga não foi projetado para bater recordes de aceleração, mas precisa movimentar toda aquela carga útil mais o seu próprio peso (outras 20 ton) com certa agilidade para otimizar o transporte. Assim, o torque e a potência do motor (além do câmbio) são determinados para força e não para velocidade.

Um carro superesportivo com um motor com a mesma potência nominal do caminhão do exemplo, não precisa movimentar mais do que 1.500 kg, ou seja, 40 vezes menos peso. Logo, o câmbio pode ser otimizado e ter sua relação de marchas alongada o suficiente para atingir altas velocidades. Aí entra outro conceito que causa dúvidas nas pessoas, que é a relação peso-potência. Vejamos o exemplo do caminhão, com 60.000 kg para 500 CV, o que dá uma relação de 120 kg/CV, ou seja, cada CV do motor deverá carregar 120 kg. Outro exemplo seria um superesportivo de 1.500 kg com motor de 500 CV, o que daria uma relação de apenas 3 kg/CV. Viu a diferença? Este é o mesmo motivo porque um carro pequeno de 900 kg e 120 CV (relação de 7,5 kg/CV) acelera mais do que um carro grande de 2.100 kg e 200 CV (relação 10,5 kg/CV). A potência maior do motor influencia mais na velocidade final do veículo, pois depois que embala a coisa muda pela inércia. Mas para aceleração maior, quanto menor for a relação peso-potência, melhor. Para efeito de comparação, um carro de Fórmula 1 atual, com cerca de 800 CV e 580 kg, tem uma relação de apenas 0,72 kg/CV...

Outro fator gerador de dúvidas é o tamanho do motor, ou a sua cilindrada, que é a capacidade cúbica de todos seus cilindros. Se um motor 1000cc tem 80 CV, seria de se esperar que um motor 2.000cc tivesse 160 CV, mas não é o que acontece na prática devido às perdas por atrito que são maiores em motores maiores, e pelo próprio projeto dos motores. Aí surge outra relação, que é a potência por litro, ou no caso acima o motor 1000cc teria uma relação de 80 CV/l. um motor 1.8 com 120 cv tem uma relação de 66,7 CV/l, enquanto uma Ferrari com motor de 5.000cc e 600 CV tem a relação de 120 CV/l, o que dá uma idéia do desenvolvimento esportivo daquele motor. No nosso Fórmula 1 a relação é de 2.400cc para 800 CV, que dá 333,5 CV/l, e ainda pesando a metade de um carro 1000 de rua!!! Portanto, cuidado com a confusão de potência nominal de motor. Em um veículo, tudo está interligado. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa e uma coisa não tem nada a ver com a outra coisa, entendeu?

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 Marcos Serra Negra Camerini é engenheiro mecânico formado pela Escola Politécnica da USP, pós-graduado em administração industrial e marketing e engenharia aeronáutica, com passagens como executivo na General Motors (GM) e Opel. Também é consultor de empresas e é diretor geral da Tryor Veículos Especiais Ltda. Seu site é www.marcoscamerini.com.br.

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