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‘E o meu medo maior é o espelho se quebrar’

Ana Carolina Amaral
| Tempo de leitura: 3 min

O sambista João Nogueira já cantava a jogada: se o espelho se quebrar, perdemos. Perdemos a referência paterna que nos orienta desde o nascimento e também a segurança do refúgio. O século XXI está perdendo passagem, não é pedindo: é perdendo mesmo. Afinal, não vamos adiante sem nossa referência, que é materna e atende por Mãe Natureza.

Lá na “Era da pedra polida”, um homem achou injusto trocar uma laranja por uma melancia e inventou um representante para seus valores: a moeda. Infelizmente, esse homem não previu que toda uma humanidade ia esquecer o valor da melancia e da laranja e só buscar o acúmulo de “valiosas” moedas.

E o que as moedas estão valendo hoje, se os produtos de troca estão em falta nas prateleiras, ameaçados de extermínio? A Economia Mundial é um simulador da Natureza. Simulador na competição pelo “alimento” (moeda), na mão invisível do liberalismo que age como a Seleção Natural darwiniana nas relações de mutualismo que tanto se assemelham a cartéis e fusões de empresa, ou até mesmo nas matas fechadas, onde a cadeia alimentar é arriscada e o capitalismo é selvagem.

Contudo, a Mãe Natureza garante alimentos a todos através de um equilíbrio circular - em que uns se decompõem virando adubo para composição de outros. Nossa sociedade aprendeu a falar, escrever, voar; nunca garantiu a comida de todos. Nosso desenvolvimento é insustentável, porque para crescermos agora, deixamos em dúvida o amanhã. E enquanto não pararmos essa linha produtiva para adotarmos um ciclo, a destruição da nossa Mãe Natureza estará certa: veremos o espelho se quebrar, levando junto as matérias-primas da Vida.

Ainda dá tempo de aprender a lição da sustentabilidade. Não que mudar o pensamento milenar da nossa sociedade seja simples, mas é urgente. Mudar nossas atitudes para ser ecologicamente correto é uma questão de sobrevivência: a Terra não tem ar condicionado e nós não temos outra moradia. Mudar é a palavra de ordem. O prazo é agora.

A mudança de valores já aconteceu: a água já importa mais que o petróleo e as latinhas de alumínio vêm substituindo a “moedinha” da mendicância. Falta mudar as ações, e o pacto consiste em lembrar do impacto que causamos no meio ao comprar um descartável ou descartar um reutilizável.

Não se trata do impacto para o futuro dos ursos polares ou das tartarugas marinhas, e sim do nosso amanhã, aqui em Bauru. Os cientistas prevêem, com o aumento da temperatura do planeta, a desertificação do solo nas zonas intertropicais. Mas aquele calor que derrete geleiras distantes já se faz sentir aqui na pele do centro-oeste paulista. As mudanças climáticas estão aí, trazendo secas e enchentes sem prévio aviso, sem distinção de classe econômica. E nós seguimos sem mudanças, conformando-nos com os infortúnios e resistindo à poesia da sustentabilidade, mesmo que ela seja mais possível do que platônica e esteja, por exemplo, na nossa separação do lixo. “Mas tão habituado com o adverso, eu temo se um dia me machuca o verso.”

A autora, Ana Carolina Amaral, é estudante do 3.º ano de Jornalismo na Unesp-Bauru e atuante em projetos ambientalistas desde 2000

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