Nosso amigo leitor José Carlos, de Bauru, me mandou um e-mail na semana passada comentando que leu na Revista Quatro Rodas uma matéria sobre um casal australiano que bateu recordes de direção econômica. Pergunta-me ele se o fato de dirigir da maneira que relatam na reportagem afeta ou não a durabilidade do motor. Vamos aos comentários.
A reportagem mostra que o casal usa e abusa de todos aqueles conselhos que damos para aumentar a autonomia de seu tanque, evitando desperdício de combustível. Mas tudo é relativo, como dizia Einstein. Os resultados que conseguiram foram em condições especiais, com equipamento adequado e bem monitorado, portanto um tanto fora de nossa realidade cotidiana. Vejamos como obtiveram elevadas médias em seus deslocamentos.
Primeiro, usaram veículos com modernos motores como o Golf FSI 1.6, onde obtiveram média de 22,2 km/l de gasolina ou o Jetta TDI 2.0 turbo diesel, com média acima de 25 km/l de diesel. Segundo, foi medido em estradas e com velocidade baixa, mas dentro do limite. Isto significa que a velocidade usada nas viagens era de cerca de 20% abaixo do limite para o trecho, de acordo com a legislação. Respondendo à sua pergunta, desta forma o motor não é muito exigido e não há desgaste considerável, só que deve ser um sacrifício viajar a 80 ou 90 km/h só para economizar combustível, não é?
Algumas recomendações dadas por eles são boas porém óbvias, como planejar bem para não errar o caminho, não carregar peso extra inútil dentro do carro, e coisas do gênero. É claro que errar o caminho faz gastar mais combustível para chegar ao mesmo lugar, e que um carro mais leve gasta menos energia para se movimentar e assim o motor consome menos, portanto livre-se do entulho desnecessário do porta-malas.
Outras recomendações foram bem interessantes e aplicáveis na prática, como diminuir a velocidade de cruzeiro em 10% do usual, por exemplo. Como a resistência do ar aumenta com o dobro da velocidade, portanto é exponencial, quanto maior a velocidade maior o arrasto aerodinâmico. Viajar a velocidades de cruzeiro pouco menores que as costumeiras em estradas não irá atrasar tanto sua vida mas poderá representar uma economia de quase 20% de combustível. Isto é verdade, veja a diferença entre andar a 110 e a 120 km/h. Outro ponto interessante da matéria é o conselho de desligar o motor ao parar por mais de 2 minutos. Em um congestionamento com tudo parado, o fato de desligar o motor durante este tempo economiza combustível que seria suficiente para dirigir por mais 2 km, em média. Fila da balsa, construção de estradas, acidentes ou qualquer outra interrupção de trânsito maior do que este tempo é recomendado desligar o motor, a não ser que seja para manter o ar condicionado ligado, só que então a preocupação é o conforto e não a economia de combustível. O tempo de 2 minutos é sugerido como média pois abaixo disso, ao dar a partida novamente, o combustível gasto não compensa o economizado, já que na partida a mistura é mais rica.
Onde a coisa pega é quando sugerem recomendações genéricas, como se fosse a mesma coisa dirigir em estradas na Europa ou na cidade no Brasil. Falar em não ter preguiça de passar para uma marcha mais alta mesmo em trânsito intenso, ou de evitar passar dos 2.000 rpm do motor, pode ser um verdadeiro atentado. Se o motorista estiver em trânsito urbano e seguir as regras acima, estará atrapalhando o fluxo, dirigindo lento demais e sem força para uma ultrapassagem ou mudança de direção, como para desviar e evitar um acidente ou atropelamento, por exemplo. A faixa de torque de um motor convencional atinge seu ponto ideal a cerca de 3.000 rpm, portanto em cidade a rotação ideal para troca de marcha ou rodar suave fica nesta faixa. O motivo para esta diferenciação entre uso cidade ou estrada chama-se inércia, comumente entendida como o embalo do carro. Em estrada, o veículo vem embalado a uma determinada velocidade e é mais fácil manter esta velocidade devido à sua massa em movimento. Já em cidade, um carro parado que precisa acelerar necessita de mais torque, portanto a 2.000 rpm (que é pouco mais do que a marcha lenta, com mistura mais rica e menos econômica) terá falta de força, pouca velocidade e vibração no motor, aí sim podendo danificar os componentes móveis como bielas, casquilhos, bronzinas e virabrequim, diminuindo sua vida.
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* Marcos Serra Negra Camerini é engenheiro mecânico formado pela Escola Politécnica da USP, pós-graduado em administração industrial e marketing e engenharia aeronáutica, com passagens como executivo na General Motors (GM) e Opel. Também é consultor de empresas e é diretor geral da Tryor Veículos Especiais Ltda.
Seu site é www.marcoscamerini.com.br.