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Sociedade de consumo

Luís Carlos Cardoso
| Tempo de leitura: 3 min

Vivemos a contemplar a humanidade em plena crise de paradigmas, numa incessante luta contra o tempo que insiste em nos oferecer apenas 24 horas por dia.

Influenciados por uma sociedade consumista, na qual cada vez mais se faz necessário “ter” para “ser”, creditamos valores às pessoas com base no que elas aparentam ser, sem levar em consideração que o preço a pagar é a banalização da condição humana.

A onipotência da razão, garantia da nossa existência, excepcionalmente avalizada por René Descartes – penso, logo existo – vê-se em xeque. Hoje, existimos em lugares que nosso imaginário jamais pode alcançar e pensamos onde jamais pudéramos imaginar existir. Perdemos nossa identidade.

Vemo-nos em permanente estado de confronto com um tipo de obsolescência de perspectivas e de prioridades, em que os prazeres da constante recriação da vida são trocados por gozos fugazes de qualquer natureza; num cotidiano permeado pelo controle dos avanços tecnológicos e do consumismo que nos são impostos pelos meios de comunicação de massa, em especial a televisão, indubitavelmente o mais popular e de maior poder doutrinador. Aprendemos a passividade, a desesperança, aprendemos a viver sozinhos, a não estabelecer laços de ligação, e aprendemos que o único interesse na vida deve ser consumir sempre mais, e consumir passivamente aquilo que nos é dito para consumir.

Ávidos de poder, de poder de consumo, nos tornamos reféns do sistema. Enfraquecemo-nos paralisados ante a manipuladora perversidade de nossos “doutrinadores”. Assistimos nos avanços da civilização, os esforços concentrados no progresso em forma de grandes investimentos, sendo confrontado com o que, negado e marginalizado, reflui da sociedade em seu próprio interior: o caos, a barbárie. É a riqueza, concentrada nas mãos de poucos, mostrando sua maior pobreza: a multiplicação da miséria.

A humanidade está num permanente “processo civilizador”, como define o sociólogo alemão Norbert Elias, que analisa tal fato, sugestionado pelo próprio termo “processo”, como algo infindável. E temos visto, ao longo da história, que esse processo civilizador, a evolução da sociedade, acontece somente quando um grande vazio se faz em seu seio, e esta, clama por preencher este vazio.

E o que vivemos atualmente, senão um imenso vazio, uma preocupante falta de sentido na relação indivíduo e sociedade, ser humano e humanidade? Que caminho estamos trilhando? Aonde iremos nos levar?

É inerente ao ser humano, o enfrentamento das diversidades na busca pela transformação. Mesmo que levando sempre consigo, além da esperança, a incerteza do amanhã, enquanto vendavais estremecem conceitos e instituições, desfazendo-se de velhos sonhos, desfazendo-se de velhos hábitos, busca a renovação promovendo a continuidade desse processo. Constrói novos caminhos, novas perspectivas.

Temos, pois, a nossa frente, o fermento essencial ao processo de transformação: a necessidade de ocupar os espaços deixados pela ausência institucional, de restaurar velhos conceitos e valores esquecidos, de reverter este processo de banalização da vida humana, dando-lhe outro sentido e outros valores que possam ser conjugados por um verbo diferente do verbo ter.

Sempre fomos os artífices de nossa história, sujeitos das transformações. Igualmente nos deixamos passivamente subjugar por um sistema perverso. Faz-se necessário nos rebelar, rompermos os grilhões da passividade e da desesperança, buscar em cada um de nós mesmos, onde residem os anseios mais elevados da dignidade humana, as forças para enfrentamento de todas as vicissitudes que se apresentam a cada instante.

O autor, Luís Carlos Cardoso, é colaborador de Opinião - e-mail: luiskardoso@hotmail.com

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