Cultura

‘Biblioteca falada’: livros para ouvir

Karla Beraldo
| Tempo de leitura: 3 min

Há cerca de 20 anos, João Batista Neto Chamadoira enfrentou um transplante de córneas. Como forma de agradecer a visão que lhe haviam devolvido, ele passou a ser voluntário da Fundação Dorina Nowill Para Cegos, antiga Fundação Para o Livro do Cego no Brasil, localizada em São Paulo. Foi lá que Chamadoira conheceu o trabalho que ele - hoje professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Bauru - ajuda a realizar na cidade.

Chamadoira coordena o projeto “biblioteca falada”, responsável por criar versões em áudio de obras literárias para deficientes visuais atendidos pelo Lar Santa Luzia - Escola Para Cegos. Cônicas, contos, poemas e romances são gravados em CD e ficam disponíveis na sede da escola. “Temos rádios para eles ouvirem aqui, mas por conta das outras atividades que a instituição oferece, a maioria deles acaba levando para ouvir em casa, com mais calma”, comenta Leila Liz Junqueira, assistente social da escola.

Segundo Chamadoira, a idéia da gravação dos textos literários surgiu a partir dos próprios freqüentadores da instituição. “Semanalmente, líamos para eles notícias de jornais até percebemos que aquelas informações, a maioria deles já sabia por meio do rádio”, afirma o professor. As gravações são realizadas no laboratório de rádio da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (Faac) e contam com o trabalho de estudantes que emprestam a voz ao projeto e têm a oportunidade de treinar locução.

Para a psicóloga da escola, Edy Yamamoto, a iniciativa concede aos deficientes visuais uma oportunidade de realização individual, além de melhorar a auto-estima. “Eles gostam porque é uma maneira de acrescentar mais informações, mais conhecimento, o que lhes concede mais confiança e uma vida, com algumas limitações, mais normal”, avalia.

Atualmente, o acervo conta com obras de Carlos Drummond de Andrade, Monteiro Lobato, Nelson Rodrigues, Clarice Lispector e Luiz Fernando Veríssimo, entre outros. A intenção, de acordo com os organizadores, é instalar na escola um espaço especialmente dedicado para a biblioteca em braile e a audioteca. “Assim, eles poderiam aproveitar mais esse recurso aqui, tendo um cantinho reservado exclusivamente para esse fim”, completa Junqueira.

Viagem pela imaginação

Antes ter acesso a “biblioteca falada” do Lar Santa Luzia, Mariza Aparecida de Souza, 45 anos, ouvia do marido as histórias que sempre gostou de ler. “Eu e ele sempre gostamos de ler. Meu marido é um devorador de livros, lê uns três de uma vez. Agora, facilitou bastante. Às vezes, coloco o CD em casa e faço todo mundo ficar ouvindo as histórias”, diverte-se a bauruense, que perdeu a visão há oito anos.

Também “rato de biblioteca” desde criança, Oswaldo Luís de Andrade, hoje com 47 anos, delicia-se com as gravações. “Ler era uma coisa que seu sentia falta desde que fiquei cego. Desde que ouvi o primeiro CD me apaixonei porque, da mesma forma como acontecia com os livros, com ele eu consigo imaginar e viajar pelas histórias”, conta.

Entre as atividades oferecidas pelo Lar Santa Luzia estão ainda alfabetização em braile, cursos de informática e artesanto, entre outros. Todos voltados para portadores de deficiência visual.

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Teatro de e para deficientes visuais

Nesta segunda-feira, o grupo de teatro do Lar Santa Luzia apresenta a peça “A Arte de Viver”. O espetáculo, que tem entrada gratuita para toda a comunidade, inaugura um trabalho inédito na escola de áudio-descrição.

Além de ser encenada por deficientes visuais, a peça é narrada de forma especial para os também portadores de problemas na visão que estiverem na platéia. “Eles reclamam, por exemplo, quando assistem TV, por não saber quem entrou ou saiu de cena, como as personagens estão vestidas, como é o cenário.

É nesse caminho que a áudio-descrição trabalha”, explica a psicóloga Edy Yamamoto. O espetáculo será apresentado às 14h30, na sede 1 da escola, na Gerson França, 11-61. O trabalho conta com o apoio da Associação de Mulheres Unimed (AMU).

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