O sistema de tração dianteira só vingou nos carros atuais devido ao desenvolvimento da junta homocinética. Ela é tão bem bolada e relativamente simples que a grande maioria dos automóveis que rodam por aí passaram a usar este sistema de transmissão.
A tração dianteira leva algumas vantagens sobre a traseira, como oferecer maior estabilidade direcional e em curvas, ocupar menos espaço, já que o câmbio e o diferencial ficam juntos ao motor na dianteira, não necessitando mais daquele túnel central para a passagem do eixo cardan, aumentando assim o espaço interno e o conforto dos passageiros. Em contrapartida, veículos de maior potência ainda preferem a velha tração traseira, pois esta configuração permite arrancadas mais vigorosas devido à transferência de peso na aceleração devido às forças de inércia e controle de derrapagem em curvas de alta, ao gosto esportivo.
No início usaram-se as juntas universais, compostas de dois garfos e uma cruzeta. Este sistema ainda é muito usado para transmissão de torque a baixas rotações, como em caminhões e máquinas agrícolas. O próprio eixo cardan dos veículos com tração traseira ainda usa este sistema, visto que sua rotação é mais baixa, pois está localizado antes do diferencial. A cruzeta, por ter quatro pontos de articulação, quando não alinhada e em rotações mais altas pode gerar uma vibração sensível que chega a incomodar. Isto faz com que haja uma variação de velocidade entre as duas partes da junta. Quando a junta universal faz parte do cardan, não há problema algum, pois as extremidades são montadas alinhadas e esta variação se anula. O que não ocorre em um semi-eixo de uma roda direcional um carro de tração dianteira, onde a diferença de velocidades entre as partes ocasiona uma oscilação desagradável quando o veículo faz uma curva acelerando, que se sente no volante.
O desenvolvimento da junta homocinética faz com que a velocidade das partes condutora e conduzida seja constante, como o próprio nome diz (pra quem sabe grego, é claro...). Na homocinética, o contato entre o semi-eixo e a ponta de eixo é feito por esferas, na maioria dos casos (existem outras formas de contato mas não são usuais). A ponta de eixo, que é a parte conduzida, tem em sua extremidade interna um tambor com pistas que forma um corpo único. Na outra extremidade são fixados o cubo e a roda. O semi-eixo, que é a parte condutora, recebe o movimento da semi-árvore do diferencial e trabalha em conjunto com uma gaiola de separação das esferas apoiada sobre uma pista esférica. Como estas esferas deslizam pela pista interna e externa, estão em contato constante em qualquer angulação da junta, ou seja, andando em linha reta ou fazendo qualquer curva, eliminando totalmente a vibração.
Como todo componente mecânico, a junta homocinética tem uma vida útil, dependendo de sua utilização. Deve-se proceder sua troca quando apresentar ruídos com o carro em movimento ou estalos quando fizer manobras, que são sinais claros de que há uma folga excessiva no sistema.
Toda homocinética tem uma coifa de borracha para proteção da articulação. Quando esta fura ou se rompe, permite a entrada de poeira e umidade além da perda da graxa lubrificante. Aí, precisa-se retirar a junta completa, desmontá-la e limpá-la bem com gasolina, proceder à nova lubrificação com graxa nova e substituir a coifa por outra nova. Este trabalho deve ser feito por profissionais sérios e competentes em oficinas especializadas.
Muito cuidado com os pseudo profissionais picaretas que oferecem “homocinéticas remanufaturadas”. O conjunto é composto de peças usinadas de elevada precisão e, quando gastam por uso ou esforço, precisam ser substituídas. Se a pista estiver gasta, não dá para enchê-la novamente com solda ou outro material. Portanto, o que eles fazem é dar um banho de gasolina em tudo, encher de graxa novamente e pintar de preto, para vender barato para algum esperto. Boas oficinas desmontam todo o conjunto e avaliam a situação das pistas e das esferas. Se estiver tudo em ordem, usam um kit de reparo original para manutenção das juntas homocinéticas, que consiste em coifa, duas braçadeiras, anel elástico de retenção e uma bisnaga contendo graxa especial especificada. Este kit é extremamente útil para uma boa sobrevida da junta. A inspeção e manutenção periódica é importantíssima para sua segurança e economia.
* Marcos Serra Negra Camerini é engenheiro mecânico formado pela Escola Politécnica da USP, pós-graduado em administração industrial e marketing e engenharia aeronáutica, com passagens como executivo na General Motors (GM) e Opel. Também é consultor de empresas e é diretor geral da Tryor Veículos Especiais Ltda.
Seu site é www.marcoscamerini.com.br.