Sabemos que certos veículos são mais fortes do que outros, enquanto outros apenas aparentam ser. O dimensionamento de cada componente mecânico deve levar em conta primordialmente sua solicitação, ou seja, os esforços a que a peça estará submetida para exercer sua função durante sua vida útil.
A princípio, tudo quebra em um veículo, depende de sua utilização e tempo de uso. Se for usada estiver dentro do planejado, a peça sobreviverá por toda sua vida útil, às vezes mais do que o carro em si. Não se pode comparar a suspensão de um jipe com a de um carro popular, pois suas aplicações são muito diferentes. Um jipe é feito para andar devagar em terreno ruim, ou mais rápido em terreno firme. Querer andar rápido em terreno ruim fatalmente levará à quebra de componentes mecânicos do jipe que não estão dimensionados para isto. Já um carro pequeno é feito para andar rápido (mas nem tanto...) no asfalto ou comedido em piso firme de terra. Definitivamente não foi projetado para fazer trilhas ou andar regularmente em estradas ruins, esburacadas, de pedra ou lamacentas. Trafegando continuamente nestas situações, sua parte mecânica do chassi (suspensão, direção, freios, motor, câmbio e embreagem) encurtará sua vida útil em mais de 70%, comparado a outro veículo que só roda no asfalto.
O dimensionamento é feito pelos engenheiros das fábricas levando em conta as cargas dinâmica e estática que serão aplicadas sobre a peça, além dos momentos fletor e torsor eventualmente aplicáveis. Com isto, obtêm-se os dados numéricos de projeto previstos para os esforços. Aplica-se um fator de segurança conforme a importância ou grau de responsabilidade da peça, que fará com que ela suporte tantas vezes mais do que sua solicitação projetada. Escolhe-se então o material a ser usado (aço comum, temperado ou forjado, alumínio fundido ou forjado, por exemplo) e se aplicam suas propriedades para definir o diâmetro ou espessura do material usado na confecção da peça.
Para efeito comparativo, uma suspensão de automóvel de rua tem seus componentes projetados com um coeficiente de segurança de 2 a 2,5 o que significa que as peças suportam duas a duas vezes e meia mais do que a solicitação de projeto, mas também ficam mais pesadas. Isto favorece a queda involuntária e eventual da roda em buracos, por exemplo, sem danificar os componentes da suspensão. Já o uso intensivo do veículo de rua em estradas ruins de terra ou pedra pode danificar definitivamente a suspensão, fazendo com que tenha que ser substituída muito mais cedo do que o previsto. Já em um jipe, sua suspensão é dimensionada para serviço pesado e constante, portanto será naturalmente mais forte, não sofrerá tanto e terá uma vida útil maior. Apesar do fator de segurança usado ser praticamente o mesmo de um automóvel, o dimensionamento leva em consideração um esforço de solicitação muito maior. Na Fórmula 1, por questão de peso e desempenho, as peças são projetadas para suportar enormes esforços mas seu coeficiente de segurança é praticamente 1, ou seja, estão no limite. Aguentam o esforço especificado e nada mais. Por isso suportam um motor de 900 CV tracionando, mas quando leva um totozinho de lado a suspensão quebra e a roda se solta.
Considera-se no dimensionamento um uso normal e lógico para cada componente. Por exemplo, uma roda foi projetada para suportar radialmente todo o peso do veículo e rodar sobre seu eixo de rotação apenas, assim como para suportar determinados esforços laterais quando o veículo estiver fazendo uma curva. Se assim for solicitada, não apresentará problemas. Mas definitivamente uma roda não foi projetada para suportar impactos fortes laterais, por isso ela amassa quando bate em uma guia, o carro capota ou cai em um buraco fundo. Um jipe já nasce forte e em condições de enfrentar serviço pesado. Mas não nasce pronto para competição, como um rali, por exemplo. Neste caso, seu dimensionamento deverá ser revisto levando em conta a repotencialização do motor, altura de suspensão, peso do veículo, tamanho dos pneus e peso final. Se trocar o motor, deverão ser revistos a embreagem, câmbio, caixa de transferência, cardans, diferenciais e semieixos, sob o risco de ter algum componente quebrado em função do maior torque e potência do motor. Não é coisa tão simples como alguns fazem por aí, e vão trocando motor sem mexer no resto. Depois é um tal de quebrar peças para todo lado e se perde o controle, o dinheiro e a paciência com o adorável brinquedão...
* Marcos Serra Negra Camerini é engenheiro mecânico formado pela Escola Politécnica da USP, pós-graduado em administração industrial e marketing e engenharia aeronáutica, com passagens como executivo na General Motors (GM) e Opel. Também é consultor de empresas e é diretor geral da Tryor Veículos Especiais Ltda.
Seu site é www.marcoscamerini.com.br.