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Bola, chuteira e nanotecnologia

João Fernando Gomes de Oliveira
| Tempo de leitura: 4 min

Há hoje uma discussão sobre a qualidade da bola da Copa do Mundo. Jogadores debatem, goleiros reclamam e “frangos” surgem a cada dia. Afinal, como uma bola pode ser pior ou melhor que outra? A Fifa padroniza e controla rigorosamente peso e diâmetro das bolas, o que, à primeira vista, pode parecer garantia total de qualidade. Mas não é bem assim.Mais do que peso e diâmetro, uma bola é diferente de sua concorrente por causa de sua geometria e da aspereza de sua superfície. Bolas com massa mais distribuída na sua periferia e mais rugosas fazem mais curvas do que bolas com massa mais próxima do centro e mais lisas.  Essas variações, associadas à pressão atmosférica (lembre que jogos em cidades mais “altas” parecem “mudar de peso”), fazem com que possa ir mais longe ou mais perto com o mesmo chute.

Esses são critérios deixados de lado na “fiscalização” rotineira de bolas. Mas são exatamente estes que tanto podem mudar o caminho a ser percorrido, mudar o tempo de chegada ao destino, alterar a reação de goleiros e zagueiros, trazer uma Copa do Mundo para uma nação. O que muitos jogadores já se deram conta, talvez inconscientemente, é que a física pode ser um 12º jogador em campo. Dar um chute calculando que a bola faça determinada curva é uma arte... uma arte essencialmente física. Quando a bola gira, sua superfície arrasta bastante ar, como se fosse um carro passando rapidamente em uma rodovia.  Como a bola, além de girar, também se desloca em alta velocidade, há um efeito entre o ar arrastado pela rotação com o ar atmosférico que passa pela bola. Peguemos um exemplo: quando o jogador faz a bola girar em torno de um eixo vertical, ou seja, rodando em torno de si mesma, como um pião, de um lado dela temos a superfície a favor do movimento do chute e de outro lado contra o movimento. O resultado é uma diferença de pressão de cada lado da bola, o que resulta que seja empurrada lateralmente para fazer uma curva. Esse fenômeno, na física, é chamado de Efeito Magnus.

Mas há outro tipo de “efeito” que podemos dar ao chutá-la. E esse quem nos ensinou na prática foi o grande Didi, que desenvolveu a “folha seca”, técnica batizada por Nelson Rodrigues. Ele inventou o giro da bola em torno de um eixo paralelo ao campo. A bola, em vez de girar “para o lado”, como o planeta em que vivemos, passou a girar de cima para baixo. Nesse caso a diferença de pressão ocorre entre os lados superior e inferior da bola em movimento. O efeito faz com que a bola pareça mais leve e com trajetória mais curta. Ela simplesmente “cai no meio do caminho”. Esse fenômenos podem ser testados no chamado túnel de vento e hoje são bem conhecidos pela ciência. Há até mesmo a possibilidade de se compensar variações das características da bola com mudanças nas propriedades dos materiais de chuteiras, de forma que, havendo mais aderência entre bola e chuteira, é possível aumentar sua rotação e assim intensificar as curvas ou o efeito “folha seca”, mesmo chutando uma bola lisa e com pouca massa periférica. As interações mecânicas entre bola e chuteira ocorrem no nível microscópico dos materiais das duas partes e isso pode ser planejado na escolha e tratamento da superfície da chuteira, de forma a se obter resultados de super efeitos em chutes. Para isso, a nanotecnologia, ciência que estuda as propriedades de materiais em nível molecular, pode ser uma ferramenta fantástica, se usada corretamente no projeto de chuteiras e bolas. Há realmente muito o que se desenvolver se colocarmos mais ciência e tecnologia no futebol. O jogador que mais dominou intuitivamente o conjunto de todos esses efeitos foi o nosso Pelé, que desafiou a física no futebol com sua percepção e habilidade. Por isso que ele foi o verdadeiro Rei. Mas hoje os tempos são outros e com uma boa dose de aerodinâmica e nanotecnologia podemos dar uma mão aos “súditos” brasileiros que tantos nos dão esperança na África do Sul.

O autor, João Fernando Gomes de Oliveira, é graduado e doutorado em engenharia mecânica pela USP e pós-doutorado pela University of California - Berkeley, é diretor-presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) do Estado de São Paulo

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