Bairros

Brasil: mais libanês que o próprio Líbano

Wanessa Ferrari
| Tempo de leitura: 5 min

Se todos os libaneses que vivem no Brasil decidissem voltar a morar em seu país de origem, certamente o Líbano superlotaria e não teria estrutura suficiente para abrigá-los. Tal constatação pode ser feita com base em elementos da matemática pura e simples. Faça as contas: atualmente o Brasil abriga 8 milhões de patrícios libaneses; já o Líbano tem como população residente menos da metade deste número, ou seja, cerca de 4 milhões de habitantes.

Segundo histórias contadas por membros da própria colônia, a justificativa para tamanha expressividade está nas origens da imigração libanesa, que ocorreu em condições bastante diferentes de outros grupos de imigrantes, como os italianos, japoneses e portugueses.

“Viemos para o Brasil de forma espontânea e individual. Ao contrário dos outros imigrantes, não tínhamos contrato ou acordo com nenhum tipo de empresa ou fazenda. Na verdade, foi Dom Pedro II quem nos convidou, quando esteve no Líbano. Ele ficou encantado com nossa terra e nos abriu as portas do Brasil. Disse que gostaria de ter o maior número de pessoas do nosso povo vivendo em terras brasileiras”, explica o libanês Massaad Kalim Massaad, 70 anos, atual presidente do Clube Monte Líbano de Bauru.

Levantamento feito pela governo brasileiro em 1934 confirma a afirmação de Massaad. Na época, 80% dos árabes viviam nos centros urbanos, contra 20% que moravam nas fazendas. Dados que ressaltam a diferença com os outros grupos de imigrantes, que tiveram como destino o trabalho na agricultura.

Os primeiros libaneses a colocar os pés nas terras da Cidade Sem Limites foi a família Nasralla, em 1895. Nos primeiros anos de 1900, a presença dos árabes se intensificou. Eles fugiam de seu país por conta dos constantes conflitos e guerras que já assolavam as nações árabes. E, com o Brasil de portas abertas por Dom Pedro II, existiria um destino melhor?

Neste período, Bauru recebia imigrantes de todas as partes do globo, atraídos pela Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e pelas fazendas de café. Percebendo tal fluxo, os libaneses lançaram mão de todos os talentos herdados dos fenícios e se estabeleceram na cidade com a intenção de fornecer subsídios para estas colônias.

Em pouco tempo, passaram de mascates a donos ‘dos lojinhas’, como eles próprios se definiam. Os patrícios que tiveram um pouco mais de sorte, tornaram-se proprietários de indústrias e, desta forma, deram uma significativa contribuição à cidade.

Como estratégia para se sustentarem, adotaram o espírito de clã, dando preferência aos membros do mesmo grupo. Preferência que ia até certo ponto, claro. Pois, como reza o lema da colônia, ‘todo libanês é brimo até a brimeira falência’.

Aliás, a troca de letras, em que ‘b’ entra no lugar do ‘p’, e o ‘v’ é substituído por ‘f’, é uma das principais características dos imigrantes libaneses que, fora esta pequena confusão na pronúncia, não tiveram muitos problemas para trocar o árabe pelo idioma português.

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Economia é sabedoria

É verdade que libanês é pão-duro? Quando a equipe de reportagem do Jornal da Cidade fez esta pergunta a Hecmet Farha, 85 anos, comerciante descendente de libaneses, a resposta veio de forma rápida e ríspida.

“É uma baita de uma mentira. Inventaram esta história porque, quando os libaneses chegaram ao Brasil, queriam explorá-los, assim como fizeram com os outros imigrantes. Coisa que a colônia árabe não permitiu. Daí começaram a difamar um povo que é muito digno e trabalhador”, defende Farha.

De acordo com ele, além do conflito ocorrido na época da imigração, parte da história dos libaneses contribuiu para aumentar a fama de mão-fechada. Especialmente a trajetória do país, marcada por um grande número de guerras.

“Meus pais sempre me ensinaram a fazer provisionamento. Não acho que isso seja uma questão de ser ‘mão de vaca’, mas, sim, de ser inteligente. No Líbano as pessoas sempre tiveram este costume. Sabiam que um dia tinham o de comer e, no outro, podiam passar fome por conta das guerras”, explica Farha, que destaca a importância de ter economias para um momento de necessidade.

Aliás, o bê-a-bá da economia é um dos costumes herdados dos pais que Farha fez questão de passar aos filhos. E foi seguindo a ‘cartilha’, que ensina que a cada R$ 10,00 ganhos, R$ 7,00 devem ser investidos e R$ 3,00 economizados, que Farha mantém há décadas uma loja especializada em produtos árabes, no Centro da cidade, administrada atualmente por seu filho.

“Acho que tudo o que é bom tem de ser transmitido aos nossos descendentes. Hoje só temos um comércio estável devido ao que aprendi com meus pais. Economia é questão de sabedoria. Neste ponto, admiro os japoneses, que fazem de tudo para manter os costumes”, frisa.

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Meio brasileiro, meio libanês. É assim que o empresário Massaad Kalim Massaad, 70 anos, se define em relação à sua nacionalidade. Nascido em Judeidet Marjeyoun, no Sul do Líbano, Massaad pisou pela primeira vez em terras brasileiras quando tinha 21 anos. Porém, sua ligação com o país já datava de bem antes de seu nascimento.

“Meu pai conheceu o Brasil em 1925, quando veio com meus avós visitar um tio que morava em uma fazenda em Piratininga. Ficou quatro anos por aqui e voltou para o Líbano. Em 1951, quando já não aguentava mais de saudade, decidiu retornar ao Brasil. Me lembro que ele dizia que queria ser brasileiro para sempre”, conta.

Oito anos depois, já estabelecido na cidade, o pai de Massaad mandou trazer toda a família. Mas quem pensa que a transição foi uma etapa complicada na vida do jovem libanês, comete um grande engano. O empresário define a mudança de pátria como um belo presente do destino.

“Quase não tive problemas, especialmente com relação à língua. Eu era professor de inglês e falava francês. Vim no navio estudando e, com ajuda de minha prima, em menos de seis meses já falava e entendia bem o português”, conta Massaad, que quase não tem sotaque.

Morando em Bauru há mais de 40 anos, Massaad seguiu os caminhos do pai e atualmente é proprietário de três lojas de moda, que são comandadas com a ajuda de suas duas filhas. Entre suas atividades, também preside o Clube Monte Líbano, entidade responsável por perpetuar os costumes árabes na cidade.

Porém, quando questionado se voltaria a morar no Líbano, é firme na negativa. “De jeito nenhum! Eu amo o Líbano e o Brasil, mas não me mudo daqui por nada, especialmente por conta da comida, que é a melhor do mundo. Às vezes vou viajar e, quando volto, a empregada já sabe quero comer arroz, feijão, bife e salada”, afirma.

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