Bairros

Do pajubá ao mandarim:Bauru sabe falar de tudo

Wanessa Ferrari
| Tempo de leitura: 10 min

Pajubá

Se alguém lhe propusesse enumerar todas as línguas e dialetos falados em Bauru, provavelmente idiomas como o inglês e o espanhol encabeçariam a relação. Em contrapartida, o pajubá ficaria de fora do apontamento de grande parte pessoas.

Presente no cotidiano da cidade desde sua fundação, o dialeto de origem africana, que também mistura palavras em português e inglês, é desconhecido pela maioria dos habitantes de Bauru. Estima-se que, dos pouco mais de 360 mil moradores do município, uma média de 100 pessoas tenha conhecimento de que o pajubá é falado na cidade, e somente 60 delas saiba se comunicar por meio dele.

O anonimato é comemorado pelos adeptos da língua: os transexuais. Para este estrito grupo de pessoas, o pajubá funciona como uma espécie de identidade, além de ser um mecanismo de segurança.

“O pajubá é usado pelas transexuais justamente para que as outras pessoas não entendam o que estamos falando. Muitas vezes, as profissionais do sexo falam o dialeto para alertar a colega sobre as atitudes de determinado cliente ou para dizer algo sobre quem está ao lado, sem que a pessoa perceba”, explica a transexual Bruna Beatriz Corrêa, 39 anos.

Bruna começou a ter contato com o pajubá quando tinha 15 anos e garante que o dialeto é muito útil no cotidiano dos transexuais. Para as novatas que querem entrar no grupo, aprender a língua funciona como uma espécie de prova de aceitação.

“Os transexuais são muito desconfiados, já que este meio é marcado por uma rivalidade natural. As novatas precisam aprender o pajubá para se enturmarem, mas não há ninguém para ensinar, como se faz nas escolas de idiomas. É uma espécie de teste para quem quer viver da rua”, avalia Bruna.

De acordo com ela, aprender o dialeto é simples, mas exige contato constante. Isto porque, para manter o anonimato, quase que periodicamente as palavras precisam ser substituídas porque caíram no conhecimento da sociedade. “Desta forma evitamos o ‘bafão’”, brinca Bruna.

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Guarani

Falar três línguas nunca esteve nos planos do comerciante Rafael Coronil, 47 anos. Nascido na Argentina, Rafael se mudou para o Paraguai quando tinha 4 anos e se apaixonou por Bauru aos 40 anos, quando pisou pela primeira vez na cidade. Em contato com os três países, o comerciante aprendeu, mesmo sem ter a intenção, a falar castelhano, guarani e, recentemente, português.

Porém, mesmo se enquadrando na categoria de poliglota ao acaso, Rafael não titubeia em afirmar que seu coração fala guarani, já que aprendeu castelhano apenas pelo fato de ser a língua oficial da Argentina e do Paraguai, ensinada nas escolas. Quanto ao português, se interessou há 7 anos, depois que veio morar em Bauru, por uma questão de sobrevivência.

“Eu amo o guarani. No Paraguai, esta língua é utilizada pelos índios civilizados e não é ensinada nas escolas. Acho encantador porque é um idioma tradicional, passado de gerações em gerações. Tenho medo que um dia ele seja esmagado pelo castelhano”, afirma Rafael.

Rafael estabeleceu moradia em Bauru por influência de sua esposa. O casal se conheceu quando estava de férias em Foz do Iguaçu (PR). Trocaram telefonemas e, em pouco tempo, o comerciante deixou o Paraguai para viver com sua paixão. Fruto do relacionamento da dupla nasceu Nicolas, hoje com 5 anos. Mesmo com pouca idade, o pequeno já entende um pouco da língua do pai.

“Fiz questão de ensinar a ele. Acredito que, em Bauru, no máximo dez pessoas falam o guarani. Por conta disso, sinto muita saudade da minha língua. De vez em quando ligo para um ou outro conhecido para papear no telefone em guarani. Por isso acho importante que o Nicolas aprenda. Acredita que ele até canta em guarani?”, orgulha-se o pai coruja.

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Esperanto

A possibilidade de falar uma língua que permite conversar com pessoas que vivem em qualquer parte do mundo foi o que despertou o interesse de José dos Santos Simas, 60 anos, em aprender o esperanto, classificado como idioma universal.

A primeira vez que José ouviu sobre o esperanto, ele estava em uma aula de catecismo e tinha apenas 9 anos. Durante muito tempo refletiu sobre os ensinamentos básicos passados pelo catequista e, aos 16 anos, decidiu se dedicar à língua: passou a estudá-la com frequência e intensidade. Atualmente, preside a Sociedade Bauruense de Esperanto, fundada na cidade em 1965, e ajuda a difundir a língua no município.

“A ideia de falar um idioma universal sempre me atraiu e foi exatamente por isso que me dediquei ao esperanto. Penso que é uma língua bem tranquila, sem muitas dificuldades e que todas as pessoas deveriam aprender”, avalia José.

Em Bauru cerca de 100 pessoas falam o esperanto. O perfil varia bastante. Na Sociedade Bauruense de Esperanto, por exemplo, alunos de 14 a 60 anos frequentam as aulas. Na opinião de José, o número de adeptos só não é maior devido ao fraco apelo comercial que a língua exerce.

Com isso, em relação ao objetivo do esperanto, que consiste em se tornar uma linguagem universal, falada em qualquer parte do mundo, José é realista e avalia que está bem longe de ser alcançado.

“Não é como o inglês e o espanhol, que é oferecido por uma porção de escolas de idiomas na cidade. O esperanto é uma língua ensinada de forma voluntária, não é cobrado nada por isso. Postura que, certamente, dificulta a divulgação do idioma”, analisa.

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Latim

Afirmar que o latim é uma língua morta é o mesmo que arrumar motivo para discutir com Hélio Requena, professor mestre do curso de letras da Universidade do Sagrado Coração (USC). Apaixonado pelo latim desde os 15 anos, quando ingressou no curso colegial clássico do antigo Instituto de Educação Ernesto Monte, Hélio defende com unhas e dentes a importância do idioma para toda a humanidade e ressalta que, sem ele, o ensino do vernáculo continuará se equiparando à construção de edifícios sem alicerce.

Exemplos de que o latim é uma língua viva e que, mesmo sem que muitos percebam, é empregada com frequência no cotidiano da cidade, está em palavras como ‘grosso modo’, ‘curriculum vitae’, ‘idem’, ‘etc.’ (et coetera), ‘habeas corpus’, ‘pro forma’, ‘Domus Educandi’, entre outras.

“Poderia citar uma infinidade delas, porém sei que o espaço não me permite. A língua portuguesa e as neolatinas europeias são o latim modernizado. No direito, as palavras em latim são muito comuns”, explica Hélio.

Se depender dele, o latim jamais será uma língua morta, isto porque há 30 anos ele leciona o idioma na USC. O motivo para tanta inspiração? É que o latim exige raciocínio, o que sempre chamou a atenção do professor.

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Mandarim

Quando se fala em China, muitas coisas vêm a cabeça. O crescimento econômico, a superpopulação que lá vive e, sem dúvidas, os produtos ‘made in China’, que estão entre os principais itens associados ao país.

Porém, o que pouca gente imagina é que, mesmo a milhas de distância do Brasil, o possível brilhante futuro da China está influenciando no andar da carruagem de Bauru e fazendo com que os habitantes da cidade se interessem em aprendem mandarim.

A constatação é simples: com o aumento de relações internacionais com a China, o mercado de trabalho brasileiro está exigindo profissionais capacitados para manter a comunicação e realizar os trâmites necessários com o país asiático.

Tseng Chao Bao, 38 anos, veio de Taiwan para o Brasil em 2001, a convite de um amigo. Uma vez instalada em Bauru, começou a lecionar mandarim em uma escola de idiomas da cidade.

“Percebo que a procura por aprender mandarim está aumentando aos poucos. Antes era mais o inglês, mas agora com a China se tornando uma potência os profissionais estão buscando se adequar”, constata Tseng, que garante que dois anos são suficientes para dominar o idioma.

Porém, enquanto os alunos trilhavam o caminho do mandarim, Tseng teve de fazer o inverso, e começar a aprender o português. Seu primeiro passo, é claro, foi escolher um nome para sua nova vida no ocidente. Elegeu Vitória.

“Achei o nome lindo, de um significado incrível, por isso o escolhi. Não demorei muito a aprender o português, não. Meu amigo me ajudou bastante. Claro que ainda tenho um pouco de dificuldade, mas consigo me comunicar bem”, conta ela, com um inconfundível sotaque arrastado.

Em Bauru, Vitória mora com suas três filhas, que também se dividem entre o mandarim e o português na hora de conversar em casa. Depois de conhecer a Cidade Sem Limites, o quarteto garante que não pretende voltar a Taiwan.

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Iorubá

Algumas pessoas se interessam em aprender outros idiomas por questões comerciais. Outras, por questões de empregabilidade. Já o babalorixá Paulo Roberto Mauad, 53 anos, aprendeu a falar outra língua por influência religiosa.

Adepto do candomblé desde os 9 anos, Paulo, mesmo sem querer, se encantou pelo iorubá, dialeto africano pouco conhecido em Bauru, porém muito utilizado nas celebrações da religião. Aos 19 anos, decidiu se dedicar ao estudo da língua e não parou mais.

“O iorubá exerce uma espécie de encanto em mim. Talvez por ser utilizado nas canções do candomblé, acho-o muito bonito. Além de tudo, classifico como fácil o aprendizado da língua, que, apesar de tonal, os verbos não apresentam as variações do português, o que facilita bastante”, define Paulo.

Segundo as estimativas do babalorixá, em Bauru, apenas uma média de 20 pessoas fala fluentemente o iorubá. Desta forma, o conhecimento da língua se restringe, em sua maior parte, às questões religiosas.

“Estou desenvolvendo um projeto de ponto cultural que, com a aprovação da Secretaria Municipal da Cultura de Bauru, pretende trazer a cidade um especialista em iorubá para ensinar um pouco mais da língua aos interessados. Avalio como muito importante a divulgação deste dialeto”, frisa Paulo.

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Grego

“Não vai escrever o meu nome errado, hein!”. Foi com esta advertência que Dionicia Theodorakopoulos iniciou a entrevista concedida ao Jornal da Cidade na tarde da última terça-feira. Depois de soletrar pausadamente seu nome completo, a reportagem concordou com Dionicia quanto ao motivo do temor e do alerta anteriormente dado.

Descendente de gregos, a empresária herdou da família, além do sobrenome complicado, aspectos culturais e, principalmente, a habilidade com o idioma. Une consoantes e pronuncia palavras na língua europeia com grande naturalidade. Também pudera, Dionicia se mudou de São Paulo, onde nasceu, para a Grécia quando tinha 9 anos. Ficou por lá durante uma década. Depois voltou a São Paulo e, aos 29 anos fixou residência em Bauru, teve filhos, tornou-se empresária e fincou raízes na cidade.

“Na verdade, sou poliglota. Falo português, francês, inglês, espanhol e grego. Mas, certamente, a língua que me diferencia e me atrai muito é o grego. Se eu não tivesse ascendência, acredito que não me interessaria pelo idioma, já que é muito complicado, bem diferente do português e pouco usual”, avalia.

Dionicia aponta que para falar fluentemente o idioma são necessários ao menos cinco anos de estudo, além de uma temporada na Grécia, que funciona como uma espécie de superexposição necessária para quem deseja aprender grego.

Sortudos são os filhos de Dionicia, que têm a possibilidade de aprender com a mãe uma língua que, em Bauru, não chega a dez o número de falantes. “Faço questão de ensinar a eles. Penso que é um diferencial interessante. Além disso, para mim, falar grego é o mesmo que perpetuar as raízes da família. Se meus filhos têm a possibilidade de aprender o idioma, por quê não?”, questiona Dionicia que, literalmente e não raras vezes, tem a mania de falar grego com os filhos.

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