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Batista de Carvalho: ‘maldição’ e lendas

Luiz Beltramin
| Tempo de leitura: 7 min

A rua Batista de Carvalho é conhecida em Bauru e cidades da região por seu Calçadão, que ao longo de sete quadras reúne lojas dos mais diversos setores e se destaca no centro comercial da cidade - que inclui outras ruas em seu entorno. O que muitos não sabem é que outros pontos desta famosa via, mais especificamente o trecho residencial entre as quadras 12 e 15, carregam lendas e maldições relacionadas à instalação do Cemitério da Saudade .

Bem humorada, a dona de casa Maria do Carmo Frutuoso conta que nem tudo são flores na pacata Batista. Desde que a parte residencial da rua - após o cruzamento com o que hoje é a avenida Nações Unidas - foi aberta, os moradores pleiteiam a substituição dos paralelepípedos pelo asfalto, sonho que, acreditam, parece distante.

Mesmo com a sonhada pavimentação cobrindo as ruas vizinhas e os paralelepípedos mantidos na Batista, que exceto pelo musgo que cresce entre os blocos continua praticamente a mesma de antes da metade do século passado, moradores não perderam o bom humor para se referir à história.

“Dizem que o prefeito que trouxer o asfalto para cá será vítima de uma maldição”, diz a moradora, com um sorriso no canto do rosto. “Nunca ouvimos dizer que ia asfaltar”, lamenta a também moradora Elza Vieira Marafiotti, de 74 anos.

A lenda sobre o suposto temor executivo em asfaltar a Batista entre a Nações e o cemitério é citada pelo também historiador Irineu Azevedo Bastos. “Diz que o prefeito que tirar as pedras do caminho do cemitério é quem vai morrer”, comenta ele, filho do ex-mandatário Irineu Bastos, que também não asfaltou a Batista do “lado de cima” da Nações.

Mas o pavimento e a suposta maldição que atormentaria os prefeitos que, por ventura, se atreverem a asfaltar o setor residencial da Batista de Carvalho não chegam a tirar o sono de quem mora nela, mesmo com o oportunismo de criminosos que assombram os atuais moradores.

Em outras épocas, o que causava arrepios, principalmente nas crianças da rua, eram as lendas. As histórias de assombração povoavam as mentes de quem vivia numa das poucas ligações do local: ao lado da rua Primeiro de Agosto com o então distante Cemitério da Saudade, no alto da ladeira, ao final da Batista.

Assistir à passagem de um cortejo fúnebre não é agradável para ninguém. Para as crianças que brincavam pelas ruas ainda de chão batido, a cena era, naturalmente, triste e apavorante. “A gente tinha muito medo de assombração”, conta Miriam Pereira, de 70 anos.

A dona de casa, que mora na Batista desde que nasceu, conta que a rua de chão batido, em seus primórdios cercada de poucas e esparsas casas, mexia com o imaginário da criançada. “Muita gente não queria construir ou morar nas proximidades do cemitério”, comenta o historiador e jornalista Luciano Dias Pires.

Apontando em direção a um dos quarteirões hoje repletos de moradias, Miriam mostra o local onde estava enraizada uma grande mangueira, que fazia sombra para as brincadeiras, mas também abrigava uma lenda. “Falavam que o saci morava na árvore”, conta.

Marlene Moura, 69 anos, aponta o cruzamento com a Nações. “As crianças brincavam de amassar argila (próximo ao Ribeirão das Flores, hoje canalizado e sob a avenida). Tinha árvores e campinho de futebol”, detalha.

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Louvor

Alguns moradores dos arredores da quadra 15 da rua Batista de Carvalho, já nas proximidades do cruzamento com a Hermínio Pinto, em frente ao Cemitério da Saudade, dizem estar às voltas com o alto e bom som dos cultos noturnos de uma igreja evangélica vizinha.

“Aqui tem igreja já há uns dez anos, mas era outra igreja. Nessa, tem muita gritaria. Sou diabética e tenho problemas para dormir”, reclama a moradora, que diz organizar um abaixo-assinado com moradores insatisfeitos com o alegado excesso sonoro no templo. “Deus não é surdo para gritarem desse jeito. Não ache que sou contra evangélicos até porque eu também sou”, declara Elza, preocupada também com as crescentes incidências de furtos nas casas ao redor da Batista.

Porém, as furtivas e indesejáveis visitas de gatunos, comuns em toda a parte, não chegam a perturbar a tranquilidade que se observa ao subir ou descer a ladeira a pé. Numa ensolarada manhã de quarta-feira, o comerciante aposentado Tércio Tanaka, de 76 anos, varria sossegado a calçada em frente à varanda.

“É ótimo morar aqui”, considera. “É perto do centro, não precisamos ir para longe”, completa seo Tanaka, ao quebrar a aparente introspecção oriental: “A vizinhança é boa, graças a Deus. Tem tudo aqui perto, farmácia, o que é o principal para os velhos”, brinca o aposentado.

Maldição teria começado em 1908

A maldição envolvendo o Cemitério da Saudade teria começado, de acordo com memorialistas, por volta do início do século passado, quando o empresário do ramo hoteleiro João Henrique Dix doou algumas terras de sua propriedade para o município. A doação foi feita para que pudesse ser construído um cemitério.

A inauguração foi realizada em 26 de julho de 1908, no entanto, antes dessa data o empresário estaria bastante ansioso para que o local começasse a funcionar logo. No dia seguinte à inauguração, Dix se matou com um tiro no coração.

Muitos acreditam que o empresário teria se suicidado para ser o primeiro a ser enterrado no terreno que era dele, mas embora tenha deixado uma carta-testamento, os verdadeiros motivos jamais ficaram esclarecidos, alimentando a curiosidade dos bauruenses que visitam o cemitério.

O roteiro se assemelha com “O Bem Amado” - primeira telenovela a cores exibida no Brasil, em 1973. Baseado na obra de Dias Gomes, “O Bem Amado” conta a história do prefeito Odorico Paraguaçu, que tem como meta prioritária em sua administração na cidade de Sucupira a inauguração de um cemitério. Por falta de defunto, o prefeito nunca consegue realizar sua meta.

Odorico arma situações para que alguém morra - inclusive importando um moribundo (Ernesto) que não morre e contratando Zeca Diabo, o matador responsável pela morte de seu antecessor. Durante um tempo, ele se esforça para cumprir o trabalho para o qual foi contratado, mas todas as suas tentativas de providenciar o primeiro defunto para o cemitério fracassam.

No capítulo final, após descobrir que Odorico foi o responsável pela denúncia que o levou à cadeia, Zeca Diabo vai até o gabinete do prefeito e o mata com três tiros. O cemitério da cidade é, finalmente, inaugurado, e Odorico é o primeiro a ser enterrado.

Urbanização do local está relacionada à construção da avenida Nações Unidas

Apesar de menos habitada que o outro lado do Ribeirão das Flores, atualmente canalizado sob o asfalto da avenida Nações Unidas, a face residencial da Batista de Carvalho era passagem obrigatória para muita gente também durante o trabalho.

É o caso do historiador João Francisco Tidei de Lima, que em 1951 era office-boy e sujava o solado na terra ou lama ribeirinhas em dias de chuva ao cruzar a região do ribeirão para entregar documentos ladeira acima.

Cruzar o rio era uma aventura quase diária, lembra ele. “Havia uma ponte muito rústica, uma pinguela mesmo”, ilustra. “Era preciso entregar papéis para clientes do escritório onde eu trabalhava, podia ser com tempo bom ou ruim. Em dias de chuva era bem precário”, compara.

Ele conta que o cenário começou a mudar a partir da entrada dos anos 50, quando, lembra, o rio foi canalizado com a ajuda de um mutirão. “Era a gestão do prefeito Nicola Avallone Júnior. A sociedade se mobilizou em mutirão. Quem tinha caminhão, levava. Quem tinha carroça, também”, recorda-se.

A região acima da atual Nações em direção ao Cemitério da Saudade, aponta o também historiador e jornalista Luciano Dias Pires, começou a ser urbanizada nesse período, quando a área do atual bairro Higienópolis e vilas adjacentes foram loteadas.

“Foi Antônio Reis, que trabalhava no setor imobiliário, quem começou a lotear essa região”, detalha.

Tidei de Lima relaciona a urbanização do antigo “brejo” em dias de chuva com a história da própria Nações Unidas, cuja primeira quadra foi construída próxima à confluência com a Batista.

“É onde está o prédio do Senac. Foi a primeira quadra da Nações, que na época se chamava avenida Marginal”, complementa.

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