Dois amigos em um carro na rodovia Marechal Rondon. Bastante afoito, um deles fala de forma insistente: "para aí, Rafa. Para aí". É assim que começa o vídeo de um minuto e 38 segundos que vem alimentando a imaginação dos mais crédulos e "torcendo o nariz" dos desconfiados. A gravação, que mostra um suposto Objeto Voador Não Identificado (Ovni), chegou a ser relacionada com o misterioso estrondo que atingiu Bauru e região no último dia 8. O vídeo pode ser conferido na íntegra no http://www.youtube.com/watch?v=6lrzYb1q4eQ e virou alvo de discussão entre a população e até mesmo entre especialistas.
Na gravação em questão, ao estacionar o veículo, um dos homens desce com uma câmera e aponta para o céu. Segundo depois, um objeto oval surge em meio às nuvens. Segundo a descrição da página da Internet onde foi postado, o fato foi visto na altura de Agudos (13 quilômetros de Bauru).
Impressionado, um dos homens continua filmando o objeto que parece fazer leves movimentos. Pouco antes do fim da gravação, algumas luzes começam a se acender. Após um forte clarão, o suposto Ovni inicia queda livre.
Logo que cai entre algumas árvores, o cinegrafista amador comenta: "tá tremendo pra c...". Pronto. Se não bastasse todo o misticismo envolvendo a aparição de um suposto disco voador, a imaginação das pessoas logo associou o fato ao misterioso fenômeno ocorrido na região no último dia 8.
Na ocasião, um tremor precedido de um forte estrondo foi sentido em várias cidades, como Bauru, Lençóis Paulista, Pederneiras, Boracéia e, principalmente, Agudos e Borebi. Várias hipótese foram levantadas: terremoto, avião rompendo a barreira do som ou fenômeno atmosférico. Todas foram descartadas.
A causa mais provável foi apontada pelo astronauta bauruense Marcos Pontes. De acordo com ele, o fenômeno poderia ter sido ocasionado por um meteorito que explodiu ao entrar em contato com a atmosfera - o que explicaria a ausência de uma cratera no solo. A hipótese ganhou força por vários relatos da população de que haviam avistado um clarão no céu.
Agora, com a divulgação do vídeo do suposto disco voador, o mistério volta à mente das pessoas. Para se ter uma ideia da popularidade, a gravação já teve mais de 5 mil acessos no site em que foi postado.
A autoria da filmagem ainda é desconhecida. O auxiliar administrativo Henrique Barduco, 24 anos, morador de Lençóis Paulista, foi quem postou o vídeo. Porém, nem ele sabe quem foi o responsável pela gravação. "Eu recebi por e-mail e resolvi postar para as pessoas comentarem se era algo real ou não. Esse meu amigo que me enviou não sabia também quem havia mandado a ele. Foi uma espécie de ?corrente?", explica o jovem.
Mistério no céu
Para pesquisadores do ramo, o imaginário da população pode estar correto. Ao analisar os detalhes da filmagem, eles apontam que objeto realmente pode se tratar de um Ovni e até mesmo de um possível artefato alienígena.
A pedido do JC, Jorge Luiz Nery, pesquisador de campo do Instituto de Astronomia e Pesquisas Espaciais (Inape), em Araçatuba, viu o vídeo e ficou impressionado. "Após muita gente relatar que via bolas de fogo, saímos a campo em Araçatuba e vimos algo bastante parecido. O fato ocorreu em 15 de setembro de 1996 e eu vi um objeto lançar uma luz ao solo. Fiquei impressionado com esse fenômeno e o que foi gravado por aí (em Agudos). O caso foi tão grande que teve até mesmo o envolvimento de militares de alta patente", aponta.
Em relação a uma possível ligação com o tremor misterioso que atingiu Bauru e região, Nery ainda relembra outro caso ocorrido no pacato município de Valetim Gentil, que fica na região de São José do Rio Preto. "Foi uma forte explosão ocorrida há cerca de 4 anos. Foi parecido com o que foi relatado recentemente nessa região. E, assim como ocorreu agora, na ocasião, nada foi encontrado também", que pede que qualquer relato do caso seja enviado no e-mail cientifica@gmail.com.
Questionado sobre a possibilidade de o vídeo ser uma montagem, o pesquisador Jorge Nery afirma que os autores precisariam ter um grande conhecimento sobre Ovnis, uma vez que "a filmagem tem detalhes muito peculiares sobre movimentos e todo o modo operante desses objetos. Coisas que raramente são divulgadas".
Em Botucatu, o ufólogo Braz Titon também viu o vídeo e constatou grande realismo. "Se foi uma fraude, foi algo muito bem feito. Mas, se for verdade, não trata-se de uma nave, mas sim de uma sonda alienígena enviada", completa.
Ele afirma receber cerca de um vídeo por semana com supostas aparições de Ovnis, sendo que, desse total, aproximadamente 98% das gravações são fraudes.
Contravenção penal
Se for confirmado que a filmagem é uma montagem, o fato pode ser enquadrado como uma contravenção penal. É o que afirma o especialista em Direito Digital José Antônio Milagre. "Segundo o artigo 41 da Lei de Contravenções Penais, provocar alarma ou praticar qualquer ato que possa gerar pânico ou tumulto é passível de punição".
Para quem comete esse fato, a pena varia de prisão simples de 15 dias a seis meses ou o pagamento de multa. "Essa punição é para quem faz um vídeo desse tipo. Porém, quem divulga também pode responder em menor ordem A pessoa tem que ter responsabilidade e pensar nas consequências", finaliza o especialista.
Paródia do vídeo
Intitulado "Nova Aparição", outro vídeo apareceu na internet. Porém, dessa vez, o sensacionalismo deu lugar ao tom amador e bem humorado do caso.
Em forma de paródia, uma gravação de 19 segundos mostra uma caixa redonda pendurada por um barbante e que gira constantemente. O narrador tenta falar as mesmas frases do vídeo original, entretanto, de forma bastante exagerada.
As luzes misteriosas são substituídas por lanternas. Ao cair uma dessas lanternas, o clímax da gravação. Enquanto o autor fala "olha o ET", aparece um sapo de pelúcia em frente à câmera. A paródia já teve mais de 300 acessos e pode ser conferida no http://www.youtube.com/watch?v=9zGTXLXK_kg .
Especialistas encontram indícios de montagem
Para tentar atestar a autenticidade ou desmascarar um ludíbrio, alguns especialistas analisaram as imagens a convite do JC. Segundo eles, há alguns indícios de que tenha realmente havido uma montagem.
Para o professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e pesquisador de imagens em alta definição Willians Balan, o vídeo é muito bem feito, porém, apresenta três indícios de que houve uma sobreposição.
O primeiro e mais forte ocorre em um frame - que é o segundo dividido em 30 partes - aos 39 segundos, momentos antes de um caminhão passar na frente da câmera. "No frame antes do caminhão passar, podemos ver que o objeto desaparece. Aqui, certamente houve uma edição", aponta o pesquisador, que ainda afirma haver uma variação muito grande na iluminação.
O segundo é ao chegar a um minuto e 12 segundos. Quando as luzes começam a aparecer, elas surgem em frente à nuvem. O objeto está aparentemente atrás, mas a luz aparece na frente. Com a densidade da nuvem, isso não seria possível.
Já o terceiro indício, Balan percebe ao ampliar a imagem. Em todos os pontos ocorre a pixealização, ou seja, a imagem fica quadriculada. O mesmo não ocorre na área próxima ao suposto objeto. "Não posso afirmar que o vídeo não seja autêntico. Eu vi esses indícios que apontam ter havido uma composição. Algo que foi levantado é que a pessoa pode ter feito a edição para melhorar a imagem", completa o pesquisador.
Posição semelhante do editor de vídeo Guilherme Baciotti. "Podemos perceber esse defeito antes do caminhão passar, porém, o vídeo foi extremamente bem feito. Como o cinegrafista treme bastante, ele teve que sincronizar esse objeto que, aparentemente, foi inserido na cena com todas esses movimentos. É o que chamamos de traquear, algo que ele fez muito bem".
Em relação ao aparelho utilizado para a realização da filmagem, o cinegrafista e fotógrafo Nico Stolzel explica que foi algo moderno, o que difere do tom casual dado aos diálogos. "Eles quiseram demonstrar que foi uma ocorrência bem casual, porém, usaram um bom equipamento. Isso causa certa contradição. Percebi essa qualidade porque o zoom é muito bom, algo que dificilmente é encontrado nessas câmeras digitais caseiras. Descarto qualquer possibilidade de ser um aparelho celular", conclui.
