Napoleão Bonaparte fez a reforma agrária usando as terras que foram abandonadas pelos nobres emigrados, no início da Revolução Francesa. Não houve custos, pois ninguém sequer imaginou a possibilidade de indenizar a nobreza. Abraham Lincoln construiu a reforma agrária estadunidense, por meio da lei da propriedade rural de 1860. Todos os colonos que cruzassem o meridiano de 100° Oeste tornar-se-iam donos da terra em que estavam labutando. Quase não se gastou com essa reforma agrária, excetuando-se o chumbo despejado sobre os índios, que teimosamente imaginavam serem proprietários do território em que nasceram. Ambas as reformas, tanto nos EUA como na França, reforçaram o mercado interno, refletindo em um crescimento industrial nas décadas seguintes.
No século XX, a tecnologia (dos tratores às sementes melhoradas; da aplicação da genética na produção agrícola aos aparelhos de irrigação) passa a ser aplicada ao campo, economizando mão-de-obra. Mas exige grandes inversões de capital, o que provoca a concentração fundiária. O pequeno agricultor, incapaz de competir nestas condições, tende a vender suas propriedades, buscando novas oportunidades no ambiente urbano, provocando um êxodo rural às vezes extremamente doloroso. Cidades incham, cidadãos produtivos são jogados na marginalidade.
Parece que estes fatos nos levam à seguinte conclusão: há uma tendência, provocada pela necessidade de eficiência econômica, de concentração fundiária. Aqui, no Brasil, a crise do café e o início da industrialização por substituição de importações quase coincidiram no tempo. Talvez a década de 1940 fosse o momento ideal para se realizar uma reforma agrária brasileira. Quase ninguém pensou nisso, naquela época. É curioso observar que as esquerdas brasileiras relegavam a um segundo plano os interesses dos camponeses. Os pobres e retardados campônios seriam rebocados ao mundo socialista pela vanguarda proletária... A modernização da economia brasileira, no final do século XX, ocorreu de maneira fulminante. No campo, ocorreu a multiplicação de tratores. Na cidade, tivemos a multiplicação de computadores. Na medida em que ocorre a modernização da agricultura, vastos contingentes populacionais deslocam-se para as cidades. Acontece que eles eram despreparados para conquistar empregos urbanos: acabaram marginalizados.
Há quem queira resolver os problemas de nossa população marginalizada por meio de reforma agrária. Mesmo lembrando que esse problema é social, será que podemos investir numa proposta sem retorno econômico em um futuro previsível? Não seria mais rentável (e funcional) que o governo se preocupasse em construir mais estradas, residências, usinas hidrelétricas, através de licitações? Não é assim que se dá dignidade aos nossos irmãos, mantendo-os nas cidades? Reforma agrária, depois do surgimento do trator, é um anacronismo. Certamente será antissocial, pois é antieconômica. Multiplicará os miseráveis, ao invés de libertá-los da miséria.
Deveríamos mostrar mais respeito pelo nosso povo: não é justo (com a desculpa de lhes dar terra e trabalho) tirá-los das favelas para que eles morram de fome na solidão espaçosa do Centro-Oeste.
O autor, Ney Vilela, é coordenador regional do Instituto Teotônio Vilela