Geral

Abundantes em Bauru, folhas do cerrado agem contra câncer e úlcera

Ana Paula Pessoto
| Tempo de leitura: 5 min

Bioma abundante na região, por muito tempo o cerrado foi pouco admirado e até negligenciado em virtude de sua aparência: vegetação rasteira e torta. Aos olhos leigos, ela pode até não ser tão exuberante quanto a Mata Atlântica ou a selva amazônica, porém, ganha cada vez mais destaque e eleva seu valor quando o assunto são as plantas medicinais. Segundo pesquisa desenvolvida na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Bauru, a Vochysia tucanorum e a Miconia albicans, plantas conhecidas popularmente como pau-de-tucano e folha-branca, respectivamente, contêm substâncias com propriedades capazes de prevenir e até tratar doenças como o câncer e a úlcera gástrica.

Anne Lígia Dokkedal Bosqueiro, pesquisadora e professora do Departamento de Ciências Biológicas da Unesp, ressalta que estudos científicos profundos sobre o cerrado e sua preservação são imprescindíveis no que diz respeito à medicina, alimentação e a manutenção do equilíbrio do meio ambiente, já que o solo fica pobre sem a vegetação nativa. "É importante ressaltar que esse nosso bioma é tão importante quanto a Mata Atlântica e Amazônia e deve ser preservado. Algumas espécies de plantas só ocorrem nessa vegetação. Quanto mais conhecemos, mais provamos seu valor", acrescenta a pesquisadora.

Em franca expansão em todo o Estado de São Paulo, as pesquisas sugerem substâncias preventivas e até curativas para males que afligem a saúde humana. No câmpus de Bauru, ao menos dois estudos prontos e publicados compravam que o cerrado também é berço de plantas medicinais.

Segundo Bosqueiro, o trabalho de pesquisa realizado com o pau-de-tucano teve origem, principalmente, devido à abundância da espécie na região, além de não haver, até então, conhecimento sobre o seu potencial medicinal. "Eu trabalhava na Serra do Cipó, em Minas Gerais e, quando cheguei em Bauru, fiquei encantada com a maravilha de vegetação que temos aqui. Assim, trouxe minha pesquisa para o cerrado. Começamos com o estudo químico das folhas da Vochysia e outros colegas se interessaram em fazer testes para saber sobre o seu potencial medicinal".

Os primeiros estudos revelaram que os extratos das folhas do pau-de-tucano protegem a mucosa gástrica por meio de atividade anti-inflamatória bastante eficiente. Realizado em ratinhos de laboratório, os testes apontaram que, induzidos à úlcera, os animais tratados com a planta não desenvolveram a doença, resultado contrário ao obtido com os ratos não tratados.


Estudo


A pesquisadora explica que, em um primeiro momento, as folhas do pau-de-tucano passam por processo de secagem em estufa e são moídas para se extrair seus componentes por meio de solventes orgânicos. Depois, são feitos vários procedimentos cromatográficos que separam as diferentes moléculas que compõem as folhas.

"Após isolado, o material é levado para a cidade de Araraquara, onde tenho parceria com um instituto de química. Lá, são realizadas experiências de ressonância magnética nuclear para saber exatamente quem é quem em cada molécula. Uma colega de Botucatu pega esses extratos, trata ratinhos com eles e faz as análises", esclarece Bosqueiro.

As folhas das plantas são a base dos estudos dos pesquisadores do Departamento de Ciências Biológicas da Unesp, isso porque elas são a parte mais renovável das plantas, ao contrário das raízes ou cascas que, se retiradas em larga escala, corre-se o risco de matar a planta.

"Se você trabalha com a raiz de uma árvore, corre o risco de matá-la. A casca também pode ser arriscado, embora muita coisa seja feita com a casca, principalmente na produção caseira de medicamentos. Porém, nesses casos, a quantidade é pequena. Agora, pensar em um medicamento que vai para o mercado é uma coisa mais complicada", alerta a pesquisadora.

____________________

Folha-branca protege célula de danos


O flavonoide, substância conhecida e valorizada por ser um poderoso antioxidante capaz de reduzir os radicais livres que causam danos à saúde, foi encontrado por pesquisadores do Departamento de Ciências Biológicas da Unesp de Bauru na Miconia albicans, planta do cerrado conhecido popularmente como folha-branca.

Também presente em alimentos como as frutas vermelhas e até mesmo no vinho, uma das principais funções dos flavonoides é prevenir ou retardar o desenvolvimento de alguns tipos de câncer. "Também testada em um instituto de química de Araraquara, a Miconia mostrou ter propriedades antimutagênicas, ou seja, a planta é capaz de proteger as células contra danos no DNA, o que previne doenças como o câncer e má formação no desenvolvimento do organismo, por exemplo", aponta Anne Lígia Dokkedal Bosqueiro, pesquisadora e professora do Departamento de Ciências Biológicas da Unesp de Bauru.

Ao contrário da pesquisa realizada com a Vochysia tucanorum ou pau-de-tucano, feita com ratos de laboratório, o trabalho com a folha-branca foi desenvolvido "in vitro" por meio do isolamento de células para saber se o DNA é danificado ou não na presença dos componentes presentes no vegetal.

Bosqueiro também destaca que há outros trabalhos que seguem a mesma linha dos publicados, como os do professor Osmar Cavassan. Um desses estudos é com a Vochysia tucanorum e tem mostrado resultados positivos na melhora do estado caquético de pacientes com câncer, quando o doente perde peso e apresenta quadro de saúde geral negativo.

____________________

Produção de medicamentos esbarra
em obstáculos como falta de apoio


Embora os estudos se intensifiquem e os resultados sejam positivos e animadores, ainda não existem no mercado medicamentos feitos com substâncias extraídas de plantas do cerrado.

"As pesquisas estão a todo vapor e já há pesquisadores buscando produzir medicamentos junto a laboratórios, mas esbarram nos difíceis processos existentes até a produção final dos remédios", conta Anne Lígia Dokkedal Bosqueiro, pesquisadora e professora do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Bauru.

A pesquisadora relata que optou pela pesquisa básica na Universidade porque a parte prática encontra muitos obstáculos, como a falta de apoio e autorização federal. "Isso desestimula a produção, o que é uma pena porque ter uma planta nossa usada como medicamento acessível à população é um sonho ideal".

Outro desafio a ser vencido quando o assunto é produção de medicamento em larga escala diz respeito ao cultivo das plantas do cerrado, difíceis de serem cultivadas tanto por reprodução vegetativa quanto por semente, por conta de suas especificações.

Comentários

Comentários