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Alfaiate resiste, mas prepara saída

Luiz Beltramin
| Tempo de leitura: 2 min

Eclético e acolhedor, o Centro de Bauru também revela particularidades que, ao que tudo indica, logo não farão mais parte de seu cenário. Há quase sete décadas instalado na avenida Rodrigues Alves, o alfaiate Marciel Ortiz, de 86 anos, anuncia: vai pendurar a tesoura no final do ano.

Oficial de uma profissão em extinção - segundo Ortiz, Bauru não possui mais do quatro alfaiates -, ele é testemunha das várias mudanças da região central. Filho de imigrantes espanhóis, Marciel estabeleceu-se na avenida em 1944.

"A rua tinha pavimentação, mas o canteiro central era mais largo, com bancos, bem coisa de cidade do Interior. Bauru tinha 40 mil habitantes", lembra, ao som constante das frenagens de ônibus urbano que param e saem do ponto bem na porta da alfaiataria, escondida atrás da cobertura. "É uma profissão apaixonante, mas hoje em dia é um ofício que não corresponde. Hoje em dia quase todo mundo compra terno na loja. É uma arte mesmo, com tudo feito a mão. Não se forma um alfaiate do dia para a noite", observa. Sentado à frente de uma antiga máquina de costura de fabricação alemã, fabricada há mais de 70 anos, o alfaiate não se preocupa com as mudanças. Pelo contrário.

Ao manejar, e pedalar, a conservadíssima PFAFF - "o slogan da fabricante era Para Fazer a Família Feliz", interrompe, entusiasmado - ele comemora os longos anos de corte e costura no centro. "Estou bem de saúde é justamente por causa do pé, de tanto pedalar a máquina", descontrai.


Agulhas a mil

Se a agulha do alfaiate faz seus últimos zigue-zagues, por outro lado, as das antigas vitrolas e picapes sonoras continuam a todo o vapor.

E é no centro da cidade que os aficionados pelo imortal disco de vinil encontram a fonte de abastecimento de suas coleções, seja nos sebos ou na rua mesmo. Caso da pequena banca de Antônio Alves Barbosa Filho.

Ele conta que já chegou a manter cinco mil títulos, todos expostos na calçada ao lado das barracas de camelô. "Hoje são poucos, uns 800 apenas", contabiliza. Em plena era do MP3, ele se diz um defensor ferrenho dos bolachões: "os graves e agudos são mais definidos no vinil. O CD é equalizado de uma só maneira, por quem o grava. No caso do disco, a equalização é manual e de acordo com quem ouve", ensina.

"Claro que tem de ter um aparelho de som bom", acentua o vendedor, que já também teve em suas mãos verdadeiras joias da MPB, entre eles alguns exemplares do primeiro disco de Roberto Carlos, "Louco por Você", vendido na faixa de R$ 2 mil. Certo dia, um fã do Rei, de tão alucinado ao se deparar com o bolachão exposto na rua, propôs um negócio, aceito pelo vendedor: "o disco foi trocado por outros 800 LPs, mais R$ 500,00."

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