A mãe que embala o filho recém nascido faz, ao mesmo tempo, uma preparação do plano de futuro para ele. Deposita esperança e sonha com o rebento, na fase adulta, como uma pessoa de bem, saudável e feliz. Mas nem sempre isso acontece. Na hora de resgatar o "investimento", essas mulheres se deparam com uma situação inesperada. Passam a buscar seu "bebê" do "colo" de traficantes, em becos e ruas desconhecidas. O crack, uma droga avassaladora. mudou a relação pais e filhos, fazendo das famílias vítimas indiretas da epidemia que assola o País.
São mães que choram, gritam, imploram, entrelaçam as mãos e pedem... ajoelham nos mais diversos templos na busca de uma solução. Fazem novenas, promessas, se convertem e não encontram saída. Só mesmo quem está passando pela situação tem a real noção do sofrimento dessas mulheres. Só em Bauru daria para encher um estádio de futebol das ?vítimas? indiretas das drogas.
Nesse estágio, elas ?ouvem? a culpa e o medo, algo semelhante a um disco de vinil riscado que vai e volta ao mesmo trecho. Ter um filho dependente de droga é, para muitas delas, sinônimo do fracasso no papel de mãe. O acúmulo de frustrações gera uma série de doenças físicas e emocionais.
Foi assim com Maria (nome fictício) que criou o filho João (nome fictício) com todos os cuidados que aprendeu em sua família, mas não conseguiu deixar o jovem longe das drogas. O resultado dolorido que ela reluta em falar, por vergonha, é que ele, com 26 anos, está preso. Ela superou a depressão e continua tratando da hipertensão. O menino tímido, bem educado, que obedecia e acompanhava a mãe até os 14 anos, se envolveu com a maconha e com outras drogas e a história, como tantas outras, se repetiu. Foi furtar para sustentar o vício.
"Eu sinto culpa. Fico achando que deveria ter cuidado mais, dado mais atenção, ter corrido menos com outros problemas. Pequenas coisas fazem a gente se sentir culpada. É uma situação muito difícil. Queria um psicólogo para me ajudar a resolver essas coisas na minha cabeça. Essa ajuda nunca encontrei", diz.
Orientação psicológica
A psicóloga especialista em dependência química Elizabete Kurozawa tem uma explicação que pode ajudar não só a Maria, mas inúmeras mães que procuram uma explicação para esse sentimento que as angustia. "A mãe e nem a família tem culpa. A dependência é resultado de um conjunto de coisas. A família faz o melhor que sabe. A mãe faz o que ela aprendeu, o que ela acha que é correto. Mas nem sempre o que ela faz é o correto. Não tem ?receita?", afirma.
O sentimento de culpa, na opinião dela, nasce a partir da ideia de que essa mulher não cuidou bem dos filhos. "Isso não é verdade. É difícil para a mãe aceitar que o filho que está dentro de casa é usuário de drogas. Na cabeça das pessoas é só filho de pais omissos que acabam desenvolvendo a dependência, aquele que mora na favela, que não teve educação adequada", diz a psicóloga.
Para ela, outra mola propulsora da angústia que afeta as mães é que elas ficam preocupadas com o que os outros vão pensar a respeito da família delas. "Que vão dizer que ela não foi uma boa mãe e por isso, o filho foi procurar as drogas. Essa mulher se sente impotente diante da situação, porque não consegue resolver de imediato o problema", completa.
Se para a mulher encarar um filho viciado em drogas é difícil, para os homens é ainda pior, avalia a psicóloga. A expectativa frustada aciona o ?botão? da vergonha no sexo masculino. Mas é uma vergonha exacerbada, sinal de muita dificuldade para superação. "O homem cria uma expectativa em relação aquele filho. Depois acontece isso e ele não dá conta da situação. A mãe corre atrás de tratamento, grupo de apoio, psiquiatra, psicólogo. Ela vai buscar ajuda. O homem tem vergonha", avalia a psicóloga.
Deixar de viver a própria vida
Descobrir que o filho está usando droga é, para a mãe, como receber o resultado de um exame de constatação de moléstia grave. Muitas delas prefeririam ir em busca da cura do que ter que enfrentar uma das mais difíceis situações de sua vida: a luta para livrar o filho das drogas, o que incluí idas e vindas a ruas e becos desconhecidos.
"Muitas deixam de viver a própria vida e passam a viver em função do dependente. O filho desenvolve a dependência e a família a codependência. O comportamento da família para com o dependente é muito parecido com o do dependente", frisa a psicóloga. Elizabete Kurosawa.
Ela exemplifica para melhor compreensão. "O filho está no banheiro e demora um pouco. A mãe coloca o ouvido na porta para ouvir o que está acontecendo. Se toca o telefone, a mãe estica para ouvir a conversa. Se alguém chama na porta, ela vai lá ver quem está chamando".
Os pais têm muitas dificuldades para encarar a dependência como uma doença. "Para a família tem um grupo de apoio, a família vai por causa do dependente. Mas o grupo de apoio é importante para que a família tome rumo certo, depois do susto", orienta.
Kurosawa diz que, graças a divulgação da doença, a aceitação está sendo melhor. "Hoje, aceita-se melhor. As pessoas aceitam a dependência química como doença. Ela deve ser tratada como tal. Aquela discriminação e marginalização está diminuindo. Até pouco tempo, não se falava nisso, se escondia", menciona.
Família contemporânea não aglutina
O comportamento da família mudou, isso é fato. A mudança que, tudo indica, está na contramão das necessidades da sociedade, não aglutina seus integrantes. "No passado, quanto maior o número de integrantes na família, maior era a renda. Todos tinham que cooperar. Não só financeiramente, mas cada um tinha uma obrigação de fazer alguma coisa dentro da casa. Hoje, a mãe e o pai tomam todas as responsabilidade para si e os filhos não têm que colaborar é cada um por si. Os pais trabalham e sustentam os filhos até a faculdade, alguns bancam até depois. Essa é a diferença", explica a psicóloga Elizabete Kurosawa.
Antigamente, era dentro da família que o jovem aprendia o que é responsabilidade e assumia papéis. Diante do ?novo? comportamento, ele se sente solto, especialmente quando a mãe trabalha fora. "Essa mulher trabalha fora e dentro de casa, tem dupla jornada. Fica com menos tempo para desenvolver o papel de mãe. Muitas vezes não acompanha a tarefa e sua ausência, em alguns casos, pode significar a falta de disciplina com horários para o filho. Ele se sente a vontade, não tem horário de estudo. A criança e o jovem têm que ter disciplina", enfatiza.
Para a psicóloga, a dependência independe de cor, raça, condição social ou cultura. "Existem vários fatores que levam uma pessoa a usar drogas, a pré-disposição é uma delas. Não é um fator só. A mulher, até aquela que saiu para trabalhar fora, não deve se sentir culpada, de jeito nenhum. Muitas delas viveram em épocas diferentes e não sabem lidar com essa situação", finaliza.