Regional

Mercado Municipal de Jaú começou como entreposto

Rita de Cássia Cornélio
| Tempo de leitura: 8 min

O mercado municipal de Jaú (47 quilômetros de Bauru) foi projetado no final do século 19. Obra requintada de acabamento arquitetônico, mosaicos, colunas de ferro e estátuas de gesso, ela retratou uma época importante para a cidade. Foi construído para criar um ambiente que transformasse o corriqueiro ato de comprar verduras, legumes, frutas e carnes em um passeio atraente e descontraído para os moradores que vinham das fazendas e municípios da região, segundo Valdinei Florisvaldo João, mais conhecido por Nei, filho de uma das famílias precursoras do local.

A inauguração oficial aconteceu no dia 7 de janeiro de 1899, mas de 1914 a 1918, o mercadão ficou de portas fechadas por conta da I Guerra Mundial. A reabertura permitiu que o espaço interno tivesse múltipla serventia. Era ocupado por quitandas e também abrigava a rodoviária. Era o ponto de embarque e desembarque de ?jardineiras? com trajetos intermunicipais.

"As bancas de mercadorias são feitas em mármore, vendendo secos e molhados, além de hortifrutigranjeiros. A II Guerra Mundial, entre 1939 e 1945, exigiu novo período de paralisação," comenta o comerciante de artigos religiosos.

Após a guerra, o comércio instalado no mercado municipal começa a se diversificar. Aos poucos, os boxes das frutas começam a dar espaço para a venda de calçados, confecções, brinquedos, bijouterias, bares, peixaria e garaparia. "Na entrada principal, tinha um amolador de facas e tesouras que se tornou tradicional. Hoje, o negócio persiste pelas mãos do filho do fundador e ocupa um boxe mais ao fundo."

Com a implantação de um novo tipo de comércio, o local passou a ser mais visitado. Centenas de pessoas da região ?visitavam? o mercadão para efetuar compras e também para seguir viagem para os mais diversos destinos.

Na década de 60, ressalta Nei, as jardineiras deram lugar aos primeiros ônibus com destino à Capital paulista. Eram os primeiros coletivos produzidos com motores traseiros da marca Mercedes-Benz, chamados de "Super J".

Nei enfatiza que, logo após a chegada dos coletivos, a rodoviária deixou de funcionar no mercado. Então, a parte central do prédio passou por remodelação, em 1968. "Recebeu sete novos boxes e pintura. As barracas antigas foram substituídas por bancas de alvenaria. Foi nessa época que surgiram um dos pontos mais tradicionais do local, a pastelaria Primavera, de propriedade da família Kiosi Kataoka," conta o comerciante.

A quitanda que virou pastelaria


O pai de Kiosi Kataoka tinha uma quitanda no mercado municipal de Jaú. Quando aposentou-se, passou o ponto para os dois filhos, que decidiram trilhar um outro caminho, conforme conta o atual pasteleiro.

"As verduras eram muito perecíveis. Davam muito trabalho. Todo dia tinha que limpar. Eu e minha irmã decidimos mudar o tipo de comércio. Ela sabia fazer pastel e eu fui aprendendo. Desde então, temos a barraca do pastel. Inicialmente, o boxe era pequeno e ficava no lugar da quitanda, logo na entrada. Cresceu e decidimos vir para os fundos, num espaço maior, equivalente a praticamente três boxes."

O pasteleiro, daqueles que coloca a mão na massa mesmo, lembra que, na época que começou com este tipo de comércio, vendia mais porque eram poucas as pastelarias da cidade. Mesmo assim, não tem do que reclamar. É um dos atrativos do mercado municipal e comercializa cerca de 800 salgados/dia, dentre eles o pastel."

O segredo do bom pastel, para Kiosi Kataoka, está na confecção. "Tudo o que fazemos com amor e carinho, dá bons resultados. Fazemos do nosso jeito. O pastel de bacalhau nosso só não é semelhante ao vendido no mercadão de São Paulo porque o poder aquisitivo de nossos clientes é outro. Para rechear o pastel com bastante bacalhau teríamos que cobrar outro preço. Atualmente, o nosso é vendido a R$ 2,50."


Verdureiro virou pasteleiro


Kiosi Kataoka tinha apenas 14 anos quando começou a frequentar a quitanda do pai, no mercado municipal de Jaú. "Eu acredito que era anos 50. Meu pai vendia hortifrutigranjeiros da região e outros que ele trazia do Ceasa de SP. Era um tipo de feira livre. Naquela época, existia açougue, casa de frios, várias bancas de verduras e frutas."

O pasteleiro frisa que as verduras e frutas vendidas no mercado municipal à época, eram fresquinhas e não continham agrotóxico, o que atraia grande parte da população. "Além dos plantadores rurais, havia senhoras que moravam na periferia da cidade que cultivavam alface, salsa, cebolinha, chicória dentre outras. Elas tinham uma banca onde comercializavam seus produtos."

Kataoka enfatiza que o mercado atendia a sua finalidade, um local agradável, onde a população adquiria alimentos saudáveis. "Servia como entreposto de mercadorias. Como as jardineiras paravam aqui, a movimentação de pessoas era grande. Os coletivos iam para Bariri, Itapuí, São Manuel e outras cidades. Como os ônibus ?cresceram?, o local ficou pequeno e a rodoviária foi transferida."

A chegada dos supermercados que ocuparam o lugar dos armazéns foi um marco para os comerciantes do mercadão, segundo Kataoka. "O surgimento dos supermercados, que tinham tudo por um preço mais acessível, levou a frequência a cair. Eles tinham tudo e os pequenos produtores entraram em dificuldades porque não tinham como competir. À época tinha açougue, casas de frios e hortifrutigranjeiros."

Assim, os boxes passaram a vender calçados confecções, bolsas e o layout do mercado municipal foi mudando até chegar à forma em que está hoje.

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Mercado de Jaú abria na madrugada


Muita coisa mudou do projeto original do mercado municipal de Jaú. Construído para atender as necessidades dos produtores rurais e da população, ele funcionava com 24 boxes e aproximadamente 20 bancas. Nessa época, funcionava das 4h às 10h com todos os seus integrantes. "Após às 10h, os produtores desmontavam as bancas e somente os boxes funcionavam", lembra Valdinei Florisvaldo João, o "Nei", que há 55 anos mantém um boxe no local.

Para ele, na época o movimento era fabuloso. "Quando o mercadão foi construído, era um entreposto de hortifrutigranjeiro. Em 1896, 1897 não havia um entreposto na cidade, por isso ele foi construído para que os produtores e sitiantes viessem para cá expor suas mercadorias. Tinha açougue que vendia carnes em geral, mas 99% dos comerciantes vendiam frutas e verduras. O local era muito movimentado, tinha até secos e molhados."

Nesse período, "Nei" tinha um boxe de armarinhos. "As roupas eram feitas por costureiras que necessitavam de botão, zíper, linhas, agulhas. As confecções de roupas prontas eram raras e só algumas camadas da população tinham alcance. Hoje, tenho uma loja de artigos religiosos que tem 40 anos. Tive que mudar de ramo porque a população tem mais acesso a roupas prontas."

Resgatar as atividades do antigo mercadão com suas barracas de verduras é um sonho do comerciante. "Eu, particularmente, gostaria que o comércio daqui fosse diversificado para atrair mais a população de Jaú e região. Nós abrimos até sábado, não abrimos aos domingos. Se tivesse um empório, as barracas de verduras e outros atrativos, talvez haveroa funcionamento também aos domingos."

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Licitação pública para
entrar no mercadão


O mercadão municipal de Jaú passou por uma reforma e o próximo passo é a ocupação dos quatro boxes vazios, avisa o secretário da Agricultura, Celso Pacheco de Almeida Prado Filho. "Dos 28 boxes, quatro estão desocupados. Os interessados terão que participar de licitação pública. O contrato tem duração de cerca de seis anos e o valor varia conforme o tamanho, cerca de R$ 600,00", diz.

De acordo com o secretário, a revitalização é fruto da parceria da prefeitura com os permissionários. "O projeto visou resgatar esse patrimônio histórico. Agora, está com um visual mais arrojado e podemos estudar outras possibilidades. Pretendemos diversificar o comércio para torná-lo mais atrativo."

Ele explicou que a primeira fase da revitalização foi feita no ano passado. "Viabilizamos a verba e fizemos a impermeabilização do teto, até porque antes disso não poderíamos fazer a pintura. Havia muito vazamento. Posteriormente, fizemos a pintura interna com mão de obra da prefeitura e material doado pelos comerciantes."

Para finalizar a obra, a prefeitura recorreu novamente aos permissionários e efetuou a pintura externa do prédio. Com a ajuda de empresários da cidade, conseguiu fazer a iluminação externa que valoriza o novo layout do prédio."

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Relojoaria está na 3a geração

O conserto de relógios é uma tradição no mercado municipal de Jaú. Embora este tipo de serviço não esteja mais em alta, o boxe do "Kael", que recebeu o nome de Israel Leandro, está na terceira geração. A relojoaria dele tem 65 anos e há 35 anos está com ele, depois de ter passado pelo seu pai.

Ele conta com um certo saudosismo que foi o avô quem fundou o negócio. "Meu avô consertava relógios e amolava facas. Nessa época, o conserto de relógios era importante porque não era um material descartável. Uma pessoa tinha só um relógio de pulso e um de parede. Quando quebrava, era consertado."

O pai de Kael também usufruiu desse período, mas ele já está na era digital. "Agora, os consertos são raros, alguns relógios que são patrimônio de família, a maioria são digitais e descartáveis que necessitam, no máximo de trocar pilhas. Amolo alicate de unhas porque para facas, as pessoas têm amolador caseiro."

Desde o início do mercadão, muita coisa mudou, enfatiza o comerciante. "Antigamente, só as relojoarias vendiam relógios. Hoje, em todas as lojas tem. O movimento era muito grande."

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