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Hospedagem ?gringa? blinda os sites

Luiz Beltramin
| Tempo de leitura: 5 min

Da mesma forma com que o jogo de azar "ao vivo e a cores", as apostas virtuais também viciam. Com o agravante de facilitarem o acesso a diferentes tipos de operação, seja com adivinhação de resultados esportivos ? em algumas páginas, há até a opção de arriscar quantos escanteios terá uma partida de futebol - ou então jogos tradicionais do baralho, o mais comum é o pôquer. As páginas driblam a legislação brasileira, que veta o jogo de azar, ao se hospedarem em servidores estrangeiros.

Num dos mais famosos portais de apostas do mundo, que inclusive patrocina importantes equipes de futebol da Europa, o mecanismo é facilmente identificado. Ao digitar o endereço com a extensão ".com.br", que designa sites com domínio registrado no Brasil, a página, de forma automática, é direcionada para um endereço português.

Desta forma, as casas virtuais de apostas estariam livres da legislação brasileira, apesar de lucrarem com os cadastros de visitantes do País e, eventualmente, enviarem a premiação para os mesmos em caso de palpites certeiros ou sucesso no carteado.

José Antônio Milagre, advogado e perito digital, confirma que o Código Penal brasileiro abrange apenas os crimes cometidos dentro do território nacional. Hospedados em servidores estrangeiros, a princípio, as casas de apostas e jogos de azar agiriam sem contravenções.

Além disso, enfatiza o jurista, os sites ainda deixam claro nos termos que o uso, em tese, não é para o público brasileiro, com a maioria das páginas em Inglês. "Eles fecham um ciclo para tentar burlar qualquer busca, apreensão ou punição aos responsáveis", observa.

Mesmo assim, ressalva, já há casos no Brasil em que o Tribunal de Justiça entendeu que o simples fato de hospedar sites com jogos de azar no Exterior não afasta a incidência da normal penal.

Para justificar essa visão, o advogado defende que, apesar do servidor ser estrangeiro, os efeitos das apostas - pagamento ou prejuízo - são verificados dentro do Brasil. "Se o código penal adota a teoria de que o resultado criminoso foi produzido no Brasil, então é de competência da Justiça brasileira investigar, apurar e punir os responsáveis por jogos de azar", considera.

Outra carta na manga de alguns sites de apostas, acentua o perito, é ocultar a hospedagem do domínio. Além de fixados no Exterior, os portais ainda utilizam a hospedagem conhecida por "domain by proxy", em que há privacidade total de domínio, abrigado por uma empresa estrangeira que oferece essa modalidade específica de serviço. "Não há nenhum dado de quem registrou e também não se pode conferir às autoridades de outro país a fornecerem", detalha.

O advogado, apesar da evidente prática de jogos de azar envolvendo os sites de apostas com premiação em dinheiro ou que abrigam outras modalidades em que haja premiações e eventual prejuízo aos participantes, afirma que tem havido confusão entre páginas cujo cunho é premiar a destreza do jogador - neste caso, dentro da lei.

"Alguns sites são erroneamente classificados como jogos de azar. Temos páginas, como o leilão de centavos por exemplo (onde vence quem der o melhor lance em quantias módicas para produtos caros), em que você compra um tablet de US$ 2 mil por US$ 100. É o lance correto, no tempo esperado. Tem que ser o último lance", ilustra. "Ocorrem alguns problemas com determinados sites porque a promotoria não conhece tecnicamente a questão e classifica como jogo de azar situações que dependem da destreza, diferente de sites com cassino ou pôquer, que angariam público no Brasil mas tentam driblar a lei."


Vício.com

Seja numa mesa em sala escura e esfumaçada, ao lado da roleta de um cassino clandestino ou em frente ao computador. Jogar a dinheiro vicia e faz como vítimas pessoas com potencial comportamento compulsivo.

Da mesma forma com que a bebida em excesso ou comer muito para afastar preocupações e ansiedades, o jogo como válvula de escape também causa dependência e, com as facilidades propiciadas pela Internet, só tende a fisgar mais dependentes.

É desta forma que a psicóloga Carmem Maria Bueno Neme enxerga o problema, que, ilustra a terapeuta, se expande para outras áreas, embora também com exigência da habilidade, entre elas o mercado financeiro - outra forma de buscar "lucro fácil" através da Internet. "Hoje a maior parte dos contatos é virtual, a comunicação é muito mais rápida e a pessoa não consegue parar. Dentro desse perfil há desde jogadores compulsivos de pôquer até gente com problemas por causa da bolsa de valores", afirma.

Segundo a psicóloga, que atende pacientes vítimas de compulsão tanto por jogos online envolvendo dinheiro quanto pelas oscilações, e eventuais lucros, do mercado de capitais pela Internet, um dos chamarizes para o vício é a incerteza.

Carmem explica que, quanto menos se sabe sobre o que vai acontecer mediante determinada aposta, mais atrativo o jogo se torna para o participante. "O jogador fica totalmente sob controle e na expectativa de ganhar. Essa expectativa o mantém preso. Isso acontece tanto com o ser humano quanto com os animais", relaciona.

Quando o ritual toma tempo demais e, conseqüentemente, prejudica a vida social, amorosa e, obviamente, financeira, é sinal de que o jogador precisa de ajuda profissional. Porém, acima de tudo, salienta a psicóloga, familiares ou pessoas próximas devem participar, fazendo com que a ficha caia e o compulsivo admita o problema.


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Sistema de tributação ainda é obscuro

As movimentações financeiras através dos sites de jogos também têm a tributação ainda bastante obscura. Ao mesmo tempo em que apostas são clicadas em território nacional, mas registradas em servidores estrangeiros, não se sabe quem e para onde se pagam ou não impostos.

Para o advogado e perito digital José Antônio Milagre, os pagamentos digitais utilizados nesses sites precisam ser observados de forma mais atenciosa pelos órgãos de fiscalização. "Hoje se a pessoa usa um pay pal (mecanismo de enviar e receber dinheiro pela web), tem um cartão de crédito internacional, tem meios de fazer e receber esses pagamentos de fora. Isso envolve toda uma questão de tributação, é remessa de dinheiro. É necessário que os órgãos de fiscalização atuem, mas eles estão bem distantes dessa realidade", classifica, atribuindo a tarefa às receitas Federal e Estadual. Contudo, admite, não existe um consenso sobre como eventuais impostos seriam recolhidos, mesmo porque, além da subjetividade envolvendo a tributação, jogos de azar são ilegais no Brasil.

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