Aos 91 anos, foi sepultada na tarde de ontem no Cemitério Jardim do Ypê uma das personalidades mais expressivas da história de Bauru, Maria de Lourdes Pompeo, a Lalai, empresária que usou seu apelido para nomear a confeitaria que foi ponto de encontro de políticos e personalidades bauruenses e da região entre as décadas de 40 e 60.
Após permanecer internada durante dois meses no Hospital da Unimed, ela faleceu em função de complicações decorrentes de dois acidentes vasculares cerebrais (AVCs). Deixou os filhos Renato e Beatriz.
De personalidade forte e descrita por amigos e conhecidos como uma mulher que, pela forma como vivia, estava ao menos duas gerações à frente de seu tempo, Lalai comandou por três décadas o principal ponto de encontro de políticos, artistas e personalidades de Bauru e de outras cidades, com modernidade e disposição. Mas além disso, sua confeitaria foi palco para paqueras (ou flertes) que resultaram em muitos casamentos.
A nora da empresária, Elaine Baptista Pompeo, que assumiu a marca e com o marido Renato mantém o restaurante Lalai, enfatiza a positividade e a disposição que a sogra tinha para o trabalho. "Ela só enxergava as coisas boas da vida e deu exemplo para muita gente. Ela gostava muito de conviver com as pessoas", relembra.
A idade avançada - em dezembro completaria 92 anos - não impedia a empresária de comemorar a vida. "Ela não dispensava uma cerveja gelada com os amigos e um bom churrasco. Viveu plenamente seus mais de 90 anos. Ela era uma pessoa que emocionava os outros", diz Elaine.
Durante o velório, foram muitas as visitas de ex-funcionários que fizeram questão de homenagear Lalai, conta Elaine. "Todo mundo que conhece a minha sogra sabe que ela é corretíssima, mãe dedicada e uma sogra maravilhosa".
Alegria
Um dos momentos de grande felicidade para Lalai foi o retorno de sua marca por meio do restaurante mantido até hoje, tendo seu filho à frente do negócio. "Para nós foi uma honra. Foi em homenagem a ela. Ela ficou muito feliz e quando as pessoas diziam que gostavam do restaurante, ficava ainda mais satisfeita", conta a nora.
A personalidade à frente do tempo prevaleceu à idade da inesquecível Lalai, de acordo com Elaine. "Ela era ligadíssima e estava sempre atualizada, tanto que lia o Jornal da Cidade inteiro, todos os dias. A parte da manhã de seu dia era dedicada à leitura do jornal, era a primeira coisa que ela fazia, todos os dias, porque estava feliz por Bauru ter crescido tanto".
O jornalista e historiador Luciano Dias Pires define a empresária como uma forte presença na vida social de Bauru, mas destaca principalmente suas ações de filantropia.
"Ela colaborava em muitas campanhas de ajuda aos mais necessitados e foi uma presença marcante. Ela tinha esse perfil de ajudar as pessoas mais carentes", diz Pires. Sua atuação junto à Santa Casa de Bauru é um dos destaques apontados pelo jornalista.
A atuação dela frente aos negócios era também diferenciada, já que destoava da maioria das mulheres da época. "Ela tinha participação ativa e posição de destaque em acontecimentos sociais. Era uma mulher incansável em seu trabalho como empresária. Tomava a frente de tudo e era uma grande referência", definiu o jornalista.
?Fui a primeira mulher
a dirigir em Bauru?
Maria de Lourdes Pompeo, a Lalai, foi a entrevistada da semana do JC em março de 2006. Na época com 86 anos, gentil e bem-humorada, Lalai atendeu a equipe de reportagem na casa dela, pouco antes de pegar o carro e sair às compras semanais. Dirigir, aliás, sempre foi uma das paixões de Lalai.
"Fui a primeira mulher a dirigir em Bauru. Tirei carta em 1938, em São Paulo, e dirijo até hoje, com 86 anos", disse, com orgulho, durante a entrevista.
Nascida em Campinas em dezembro de 1919, ela veio para Bauru aos 21 anos e ao lado de seu pai, da irmã e do cunhado, Lalai comandou um dos principais "points" da juventude. "As moças e rapazes frequentavam muito a confeitaria", contou na ocasião.
Sem medo de ousar ou desafiar os costumes da época, Lalai fumava e usava calças compridas, comportamento raro entre as moças. Assim como o cardápio da confeitaria, Lalai relembrou, entre outros assuntos, doces lembranças do período conhecido como "anos dourados".
"Os jovens se concentravam na rua 1.º de Agosto. Depois que nós abrimos a Lalai, eles praticavam footing (passeios a pé nos quais rapazes e moças se viam e muitas vezes se paqueravam) na Batista de Carvalho... As moças e rapazes frequentavam muito a confeitaria e ficavam conversando. Deu muito casamento por lá (risos).... Era uma época completamente diferente, sinto saudade...".
?Ela era uma pessoa extraordinária?, lembra amigo do tempo de confeitaria
Para o ex-prefeito de Bauru Antônio Tidei de Lima, que frequentou a Confeitaria Central - segundo empreendimento comandado por Lalai em Bauru - e se tornou amigo da empresária após o fechamento do negócio, ela sempre foi uma mulher especial.
"Ficamos amigos, mas depois dela fechar a Lalai. Eu frequentei mesmo a Confeitaria Central, que era um ambiente mais juvenil, enquanto a Lalai era um ambiente mais adulto. Quando deputado, alguns anos depois, ela continuava uma mulher extraordinária em sua atividade e no pensar. Ela estava décadas à frente de seu tempo", afirmou.
Natural de Campinas, no mês de dezembro Lalai completaria 92 anos. Em Bauru ela chegou aos 21 anos, e juntamente com o pai, a irmã Sofia e um cunhado, comandava a confeitaria. Embora não tenha freqüentado a Lalai, Tidei confirma as muitas histórias que ouvia sobre o local.
"Na confeitaria se reuniam as pessoas que decidiam o destino da cidade, as pessoas de representatividade que visitavam Bauru e os professores que lecionavam na Faculdade de Direito. Ali sempre foi um centro pulsante da Bauru avançada, muito disso pela personalidade dela", garante.