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Os filhos estão mais inteligentes e precoces. Será?


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Há anos o psiquiatra João Augusto Figueiró, diretor científico do Instituto Zero a Seis, faz as mesmas perguntas para mães de bebês: seu filho é bonito? É inteligente? Você o acha precoce? Todas as respostas são sempre positivas - 100% das mães têm filhos bonitos, inteligentes e precoces. Mas será que essa última palavra é realmente a correta para definir o bebê?

Precoce é algo ou alguém que amadurece mais cedo do que os padrões, que está à frente de seus pares. Assim, quando se fala em uma criança precoce, aposta-se que ela está além das demais, que tem maior capacidade de aprendizagem e desenvolvimento do que as outras.

Embora a pesquisa de Figueiró não tenha base científica, imagine como o mundo seria se todas as crianças fossem precoces como pensam seus pais. Talvez estivéssemos cercados de minigênios, que, de tão inteligentes e avançados, estariam fazendo muito mais do que compor sua primeira sinfonia aos 7 anos (como aconteceu com Mozart, um gênio - de verdade - da música clássica). Mas é claro que a realidade não é essa.

Esses bebês, afirma o psiquiatra, não são precoces. São tão normais quanto uma criança que nasceu há 40 anos. O que mudou é o cenário. De um lado, há o excesso de informação circulante, aumentando o estímulo ao aprendizado, e do outro lado, a pressão social, que pede seres humanos cada vez mais antenados e preparados.

Entre tudo isso e o bebê, estão as figuras do pai e da mãe, responsáveis por criar e cuidar desse ser humano, preparando-o para se dar bem. Nesse ponto, a porca entorta o rabo porque os pais veem seus filhos com as lentes que escolhem, geralmente moldadas pelo futuro que planejam para os rebentos.

Entre enxergar o bebê como um ser normal ou como um pequeno Einstein, o limite é tênue. Tão tênue que gera confusão no período mais importante do desenvolvimento humano: a primeira infância, que vai até os 6 anos.


Influências

Sem perceber, os pais exageram no didatismo, querendo ensinar, desde muito cedo, a razão das coisas para um bebê que, por enquanto, só quer fazer o óbvio: brincar, descobrir, interagir.

Mas, na ânsia de atender à demanda social de preparar os filhos para serem competentes na idade adulta, muita gente não enxerga que um bebê de quase 2 anos não é superinteligente só porque tem desenvoltura com o mouse do computador. Ele apenas já sabe manusear um eletrodoméstico de uso comum da família.

"A criança nasce dentro de um cenário doméstico e absorve influências dos pais. Quando se pensa no desenvolvimento infantil, é preciso levar em conta o caldo cultural e social que a cerca", afirma a pedagoga Maria Letícia Nascimento, professora da Faculdade de Educação da USP.


Filhos felizes

"A primeira infância é um período lúdico, de descobertas. Não pode haver pressão para o sucesso nem cobrança", afirma o neuropediatra Marcelo Masruha Rodrigues, professor da Unifesp. Para o médico, os adultos deveriam se importar mais em criar filhos felizes, que brinquem bastante, do que investir em uma educação pesada antes dos 6 anos.

Segundo ele, o conceito atual da criança que vai à escolinha e tem várias atividades extracurriculares não é tão positivo quanto se imagina - com exceção do aprendizado de línguas. "Quem aprende duas línguas antes dos 5, 6 anos vai ser fluente em ambas e não terá sotaque. Após essa idade, a fluência é a mesma, embora a criança tenha sotaque."

Mas criar um filho bilíngue pode ter efeitos reversos, como retardo da fala, dificuldade em formar frases e troca de palavras. "Os pais devem consultar o pediatra se acharem que o filho não as está articulando bem", diz o médico.

Deixe rolar

Matricular o bebê na natação é superválido desde que a expectativa não seja a de ter um César Cielo em casa. "Um bebê ou uma criança muito pequenos vão nadar para se divertir, mas ainda não têm capacidade de aprender a técnica que leva ao bom desempenho", explica Rodrigues. Se a ideia é criar um medalhista olímpico, invista nisso após os 6, 7 anos. Antes, deixe simplesmente rolar. Permita que seu filho se divirta bastante e, por meio da folia, descubra o mundo e nele identifique suas aptidões com naturalidade.

Diversão

Brincar é altamente educativo. Por meio dessa atividade, pais e mães podem ensinar e aprender muito. Mas não devem criar expectativas. "Quando deixam as coisas acontecerem no seu tempo, os pais contêm a ansiedade em relação ao que esperam que a criança aprenda", afirma a professora de pedagogia da Unifesp, Fernanda Muller.

Durante a brincadeira, os pais, então relaxados, têm oportunidade de observar o que desperta o interesse dos filhos. "Nesse momento, devem aproveitar a brecha para estimular mais essa ou aquela aptidão", diz Maria Angela Barbato Coelho, coordenadora do Núcleo do Brincar da PUC-SP.

Aí cabe comprar instrumentos musicais se o menino demonstra "jeito pra coisa". Porque a história de tocar Beatles para o feto não significa que ele venha a se tornar um novo George Harrison.

O maior problema é que os adultos ignoram que o brincar é fundamental para a formação do ser humano. "Brincando, a criança constrói alicerces para a vida. Aprende naturalmente a se posicionar diante dos outros, garantindo sua socialização", diz João Figueiró.

Para ele, os pais têm de apoiar o desenvolvimento do ser e não apenas fazer um projeto do que eles desejam que o bebê "venha a ser". Muitas vezes não se dão conta, mas colocam no ombro dos filhos um saco cheio de desejos, esperanças e frustrações. Inconscientemente, querem que as crianças sejam o que eles não foram e as moldam à sua imagem.

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