"Foi cena de filme. Para nós, o paciente já estava praticamente morto", disse ontem o cirurgião cardíaco Jean Pierre Nogueira, médico que atendeu o caso de um morador de Bauru que teve o coração varado por um tiro nesta semana, mas sobreviveu. O surpreendente episódio começou na terça-feira, no Hospital de Base. A bala, que atingiu a vítima, atravessou o coração estourando músculos em três regiões diferentes e acertou uma veia responsável pelo transporte de sangue no corpo.
De acordo com o médico que realizou a cirurgia no rapaz, a sobrevivência era improvável, espécie de milagre na medicina. "Eu me sentia operando um paciente quase morto. Eu nunca vi uma história como essa na medicina, de a pessoa sobreviver após levar um tiro que transfixou e estourou grande parte do coração. Contei para uma médica que trabalha comigo e ela também está sem entender o caso até agora", declarou o cirurgião.
O gari, Adriano Marcolino, 28 anos, conta que na noite do ocorrido estava a algumas quadras de sua casa, localizada no Parque Jaraguá, por volta das 21h, "bebendo com alguns amigos", quando um deles resolveu mostrar que estava com revólver.
Segundo a vítima, ao manusear a arma, o rapaz acabou efetuando um disparo acidental. Adriano afirma que, no mesmo momento, sentiu seu peito queimar e observou o sangue nas mãos. Mesmo ferido, ainda percorreu cerca de 20 metros antes de ir ao chão, na esquina da rua Arnaldo Rodrigues Menezes, antiga rua 4.
Moradores que estavam no local, foram até a casa do rapaz e avisaram a família sobre o ocorrido. Segundo o cunhado da vítima, Edvaldo Aparecido Vilela, 34 anos, a viatura da Base Comunitária Noroeste da Polícia Militar foi a primeira a chegar na ocorrência e acabou prestando o socorro ao rapaz, após apelo dos moradores.
Após primeiro encaminhamento ao Pronto Socorro Municipal, o médico que realizou a cirurgia de emergência no paciente afirma que a equipe que atendeu Adriano tinha pouca expectativa de sobrevivência da vítima, que chegou ao local com apenas alguns sinais vitais.
A bala, que atingiu o gari, entrou pela parte da frente do coração e varou o órgão vital, estourando diversos músculos e atingindo uma veia. "O projétil entrou pelo ventrículo direito e saiu pelo átrio direito, atingindo a veia cava inferior. A pólvora, além de estourar todos os músculos na parte de trás, causou queimaduras por toda a parte no coração", completa o médico Jean Pierre. Segundo o médico, o rapaz teve muita sorte, pois geralmente nesses casos os pacientes nem chegam vivos ao hospital.
O cirurgião cardíaco explica que, pelas chances mínimas de sobrevivência, o rapaz nem mesmo passou pela Unidade de Terapia Intensiva ou realizou exame de raio-X. Ainda de acordo com o médico, por conta do horário, apenas ele e um técnico instrumentista realizaram a cirurgia para a contenção da hemorragia no coração do rapaz.
"Fizemos uma esternotomia (um tipo de cirurgia cardíaca que realiza abertura do tórax com uma ferramenta que serra os ossos) e abrimos o peito todo para conter o sangramento. Depois disso, costurei todo o coração do paciente na parte da frente, do lado e atrás", explicou o médico. A bala, segundo Jean, ainda não pôde ser retirada e está acomodada na parte inferior do tórax do rapaz.
Para o cirurgião, apesar do paciente já estar no quarto e recebendo visitas, o quadro clínico ainda é grave. "Apesar de termos antibióticos potentes, qualquer infecção, devido à pólvora que ficou no local, pode matar o rapaz. As paredes do coração podem romper a qualquer momento, pois o tecido ficou como se fosse uma gelatina", alerta o médico.