Mas será o Benedito? Não é porque a noite é uma criança, que você vai entornar água que passarinho não bebe até cair. Se água mole em pedra dura tanto bate até que fura, não utilize bodes expiatórios para enfiar o pé na jaca...
Frases e jargões populares não faltam na língua portuguesa. Tão antigos quanto o próprio ato de falar, comentam estudiosos, eles intrigam.
Embora utilizadas diariamente, as frases populares mantém certo mistério em torno dos significados. Recentemente, alguns escritores e professores se aventuram em desvendá-los.
A própria indagação que inicia este texto dá título a uma obra de Mário Prata, na qual ele elenca, em forma de verbetes, diversas expressões populares. Apesar das muitas versões, “Mas Será o Benedito” tem como explicação mais aceita a tese de que a expressão teria surgido na década de 193
, em meio ao governo de Getúlio Vargas.
O presidente demorava muito para anunciar a nomeação do novo interventor (espécie de governador) para o Estado de Minas Gerais. Inquietos, os inimigos políticos de Benedito Valadares (vencedor do pleito) perguntavam: “Será o Benedito?”.
Mas nem todas as traduções das expressões populares tem essa fundamentação. Grande parte é baseada no bom humor e até mesmo em “causos”. No próprio livro de Prata existem várias explicações baseadas em lendas.
“Matar Cachorro a Grito”, por exemplo, que, significa alguém desesperado pela falta de alguma coisa. Contudo, a origem seria relacionada a uma lenda de crueldade contra animal. Cachorros têm a audição apuradíssima e não suportam muito barulho. Em seu livro, Prata reproduz a lenda de um sujeito que tinha uma cachorrinha linda, inglesa. Seu vizinho tinha um vira-lata.
Para o desespero do dono, a cachorrinha emprenhou justamente do vizinho sem pedigree. Furioso, o dono matou o vira-lata a gritos, para não deixar vestígios e a inglesinha teve que abortar.
Tragédias maiores inspiram outras expressões. Também citada no livro de Mário Prata, a frase “adorar ao próprio umbigo”, que se refere a atitudes narcisistas, teria até mesmo explicação “bíblica”. Segundo o escritor, em edições paralelas ao Livro Sagrado (edições em aramaico), Eva sonhava em ter o próprio umbigo, por isso adorava o de Abel, despertando ciúmes doentios em Caim, gerando toda a tragédia.
Para o professor bauruense Darvino Concer, que também prepara um livro sobre expressões populares, com o diferencial: histórias em quadrinhos ilustram as origens dos jargões (confira nesta página um esboço do trabalho, que ainda não foi lançado), essas frases são fruto de uma língua que está em constante mutação.
Segundo o estudioso, algumas expressões, contudo, perderam-se no tempo. Resgatá-las é um dos objetivos da pesquisa, justifica Darvino. “O meu trabalho pretende ser um resgate dessas expressões. É um trabalho árduo, de um verdadeiro garimpador”, diverte-se o professor.
A etimologia
A obra, intitulada “Cama de Gato”, outra expressão popular traduzida pelo autor (leia quadro nesta reportagem), destrincha a etimologia de jargões, literalmente, do “tempo do Onça”.
Segundo o professor, a frase se refere ao governador da capitania do Rio de Janeiro, Luís Vahia Monteiro, que, nos tempos de Brasil Império, era tido como honestíssimo e muito rigoroso no cumprimento da Lei. “Como a onça era o animal mais temido na época, principalmente por causa dos ataques aos bandeirantes, recebeu o apelido. Os bandidos tinham medo dele”, explica.
O professor ensina que “hoje a expressão quer dizer tempos antigos, ultrapassados. Dizer ‘Tempo da Onça’ é a forma popular equivocada, pois se refere ao animal. Diga sempre: tempo do Onça, com inicial maiúscula, por se tratar da alcunha do administrador”.
Gatos e burros
Quem também destrincha, em forma de livro, as expressões populares da língua portuguesa é o escritor e jornalista Márcio Cotrim. Articulista do jornal Correio Braziliense, onde assina a coluna “O Berço da Palavra”, ele prepara a quinta edição de “O Pulo do Gato”, com diversos verbetes explicativos.
Entre as expressões traduzidas pelo autor, que falou com a reportagem do Jornal da Cidade por telefone, figuram frases antigas, porém ainda bastante utilizadas, como o nojento “Cuspido e Escarrado”.
Utilizada para denotar semelhanças físicas ou de comportamento entre duas pessoas, a denominação, frisa Cotrim, na realidade, é a “compressão” da frase inicial “Esculpido em Carrara”, que é um tipo de mármore. “É o mesmo princípio de ‘cor de burro quando foge’. Não há cor. Na verdade, o dito é: ‘corra do burro quando ele foge”, diferencia.
Até mesmo palavras, ensina o escritor do Distrito Federal, são desmembramentos. “O termo candidato é resultado da utilização de roupas brancas de postulantes a cargos públicos, devido à sua ‘candura’”, exemplifica
Constante mutação
Para o futuro, novas expressões deverão surgir. Essa é a opinião de Léa Silva Braga de Castro Sá, professora de Filologia e Análise de Produção de Texto.
Segundo ela, com o próprio “internetês”, abreviações e gírias propostas pelos bate-papos online e redes sociais, novos jargões já surgem e podem ter o mesmo efeito de ditos populares no futuro. “É o mesmo processo, nossa Língua está em constante mudança”, compara a estudiosa, que, entretanto, reprova o chamado “internetês”.