Uma esposa que sai para visitar a mãe e não mais retorna. Um irmão que tem deficiência mental e desaparece de dentro do quarto. Um garoto brincando na rua em frente à residência e que, em minutos, não está mais ali.
Estas são apenas algumas histórias dos 61 “invisíveis” de Bauru. Mapeamento da Polícia Civil aponta que a maior parte dos desaparecidos tem relação com drogas. Nas investigações, um grande obstáculo: “o mito das 24 horas” (leia mais abaixo).
Neste ano, de janeiro até o fim de maio, foram registrados 108 casos de desaparecimento na cidade. O mapa dos “invisíveis” aponta que, destes, 61 pessoas ainda não retornaram.
O titular da Delegacia de Investigações Gerais (DIG), Kleber Granja, entretanto, ressalta que há grande subnotificação nesta estatística.
“Na grande maioria dos casos, as pessoas voltam e os familiares, que tinham comunicado o desaparecimento, não vão à polícia para informar o retorno. E isto é muito prejudicial, uma vez que continuamos apurando um caso já resolvido”, alerta o delegado.
De acordo com o mapa dos “invisíveis”, dos 61 desaparecidos, 36 tinham problemas com drogas, o que corresponde a 60%. Nelas, estão inseridos o uso de entorpecentes, álcool e remédios controlados, porém, a grande parte é de usuários de crack.
O titular da DIG faz a ressalva de que, apesar do registro ser de desaparecimento de pessoa, os usuários quase nunca fazem parte do que ele classifica como “desaparecimento efetivo”.
“O crack faz com que a pessoa não queira mais viver em sociedade. Ela pega e vai embora de casa. Abandona a família mesmo. Muitas vezes, quando são encontradas se recusam a voltar para casa”, completa o delegado.
Além da ligação com drogas, a maioria dos que sumiram e ainda não retornaram são homens. Dos 61 casos, 35 são do sexo masculino.
Entre os que não têm relação com entorpecentes, Granja afirma que o desaparecimento ainda é dividido entre vários subgrupos. Muitos deles, de acordo com o delegado, também não se tratam de um caso complexo de pessoa desaparecida. “Há casos em que a pessoa briga com a família e abandona o lar. Muitos mantêm contato com os familiares. Apesar de ser registrado como desaparecimento, é mais uma briga de família. Há também pessoas que têm pendências com a Justiça e somem, o que é mais uma fuga do que um desaparecimento”, conta.
O levantamento aponta que, dos 25 casos que não tem ligação com drogas, 15 envolvem brigas familiares, abandono de parceiro ou fugas de jovens. 10 casos, porém, têm motivos totalmente desconhecidos.
Sem rastros
Ao passar este “pente fino” nas ocorrências, o titular da DIG, Kleber Granja, afirma que os reais desaparecimentos e que mais preocupam a Polícia Civil são aqueles que envolvem sequestros, homicídios e o tráfico de pessoas. Ele, entretanto, afirma que casos assim são poucos em Bauru.
“Estes são os casos que mais nos deixam em alerta. Geralmente, envolvem crianças e que, desde o início, já dão indícios de que o desaparecimento foi motivado por um sequestro, um assassinato ou mesmo para o tráfico de pessoas”, conta.
O mapa dos “invisíveis” aponta que apenas quatro casos envolvem crianças menores de 11 anos. Um exemplo de “desaparecimento efetivo” citado pelo delegado é o da pequena Vitória Vitória Graziela Fernandes de Lima, 6 anos. Ela desapareceu no dia 30 de abril. Três dias depois, a polícia prendeu Renato Alexandre Cury Martinelli, 36 anos, que confessou ter assassinado e carbonizado a garota.
“São casos extremamente complicados. Considero uma das modalidades mais difíceis de investigação. É um quebra-cabeça que se torna mais difícil a cada hora que se passa. Corremos contra o relógio em uma investigação que gera muita expectativa e dá muito trabalho”, completa.
Registro recente
Na tarde de ontem, mais um caso de desaparecimento foi registrado em Bauru.
Na ocasião, uma atendente de 41 anos informou o sumiço de seu pai, João Batista de Freitas, 76 anos, no Parque Jaraguá.
De acordo com o boletim de ocorrência (BO), o aposentado saiu na manhã de anteontem, por volta das 8h, para tomar um “banho de sol”. Desde então, não foi mais visto.
A filha conta que o homem nunca sumiu antes e que toma alguns medicamentos. Segundo a descrição do BO, a vítima é branca, tem cabelos linhos grisalhos, pesa 55 quilos e mede 1,50 metro de altura. Quando sumiu, ele estava com uma calça social bege, uma blusa marrom e um boné azul marinho.
Caminho de Volta
Um dos projetos de apoio mais conhecidos para reencontrar desaparecidos é o “Caminho de Volta”.
Criado em 2004, o projeto foi desenvolvido na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em parceria com a Secretaria de Segurança Pública (SSP) com a finalidade de auxiliar as famílias de crianças ou adolescentes desaparecidos.
Por meio de instrumentos tecnológicos, como banco de dados e coleta de material biológico, as equipes tentam a localização. Ainda é ofertado apoio psicológico aos familiares quando as os desaparecimentos decorrem de desentendimentos.
Quem tiver interesse no programa pode entrar em contato com a equipe por meio do telefone (11) 3061-7589 ou no site http://www.caminhodevolta.fm.usp.br.
Jovens
Entre os 61 desaparecidos que ainda não foram localizados, o mapeamento da Polícia Civil mostra que a maioria é formada por jovens. São 20 adolescentes sumidos com idades entre 12 e 17 anos. Dos 18 aos 24, há dez desaparecidos, enquanto existem 17 na faixa dos 25 aos 39 anos.
Sumiço de pessoas acima de 40 anos também é algo comum. Dez vítimas nesta faixa etária foram registradas. Enquanto isso, há apenas quatro crianças – abaixo dos 11 anos – desaparecidas.
‘Mito das 24 horas’ deve ser descartado, diz polícia
Quanto tempo é necessário para registrar o desaparecimento de uma pessoa? “O que o familiar julgar”, é o que afirma, de forma direta, o titular da Delegacia de Investigações Gerais (DIG), Kleber Granja. Ele, deste modo, derruba totalmente o “mito das 24 horas”.
Existe na população um senso comum de que é necessário esperar, no mínimo, um dia para que o caso se configure como desaparecimento. “Isto não é verdade. E, além de não ser verdade, é algo que nos prejudica muito. É uma modalidade de investigação em que corremos contra o tempo. Então, não existe este prazo mínimo”, explica o delegado.
Segundo o mapeamento da Polícia Civil, dos 61 casos que não retornaram, em 48 o registro foi feito após 24 horas, o que representa aproximadamente 80%. Em alguns casos, a família procurou a polícia mais de um mês depois do desaparecimento.
“Se a pessoa for registrar e o policial disser que existe este prazo, ele está errado. Na verdade, pode-se até configurar como prevaricação do funcionário público”, finaliza Granja.
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