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?Com licença e com medo para dirigir?

Ana Paula Pessoto
| Tempo de leitura: 6 min

Tremedeira, taquicardia e suor frio. No caso de Ana Valéria dos Santos Souza, 45 anos, a boca seca se soma a estes sintomas quando ela está na frente de um volante. A contadora faz parte dos 6% de brasileiros habilitados que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), sofrem com o medo de dirigir, problema também chamado de amaxofobia.


A pesquisa “Síndrome do Carro na Garagem”, coordenada por Neuza Corassa, psicóloga especialista em trânsito e autora dos livros “Vença o medo de dirigir” e “Seu Carro, Sua Casa Sobre Rodas”, aponta que o problema tem maior incidência em mulheres, principalmente na faixa etária entre 30 a 45 anos de idade.


Portanto, sentir um frio na barriga só de pensar em guiar um carro e não se sentir capaz de fazê-lo não é uma simples “frescura” como muitos motoristas inexperientes já devem ter ouvido.


Segundo a terapeuta do Centro de Terapia Cognitiva de Bauru (CTC) Rosemary Pandolfi o medo de dirigir quando muito intenso é capaz de causar mal-estar ou incapacidade de enfrentá-lo. É um caso de fobia específica e a reação de medo pode ser tão forte a ponto de levar a uma crise de pânico.



Pesadelo


A noite de Ana Valéria ganha até pesadelos quando ela sabe que terá de enfrentar o volante no dia seguinte, isso quando ela consegue dormir.


“Não consigo mensurar os espaços a minha volta, sempre acho que o carro não terá espaço suficiente para passar, isso me deixa insegura e com medo. Tenho receio de atrapalhar o trânsito e sempre acho que serei criticada”, desabafa.


Mas, apesar do medo, a contadora tenta. Tenta e encara o trânsito com sua pressa, buzinas e motoristas indisciplinados. Entretanto, para ganhar as ruas de Bauru, ela não abre mão de ter um passageiro ao lado ou de ser conduzida por um mototaxista que vai abrindo os caminhos. “Assim, mesmo com muito medo, eu consigo chegar ao destino”.


Há três anos habilitada, Ana Valéria já fez terapia, aulas particulares e está sempre em busca de leitura especializada. “Cheguei a comprar dois carros, sendo um zero. Por desistir, acabei vendendo os dois”.


Ela nunca vivenciou um acidente que pudesse traumatizá-la e acredita que o seu único problema é o nervoso agudo que sente, já que os instrutores dizem que ela sabe dirigir.

 

Receio do erro e de críticas é trava para os motoristas inexperientes



O receio de errar e o medo da crítica podem induzir o motorista sem experiência ao medo de dirigir, segundo a psicóloga Neuza Corassa. A falta de familiaridade com o carro também faz parte desse conjunto.


“No entanto, ao mesmo tempo que evita o volante, a pessoa quer dominá-lo. E isso gera uma situação de conflito capaz de fazer surgir até mesmo mal-estar físico”, alerta.


Por outro lado, a especialista diz que é possível vencer tal dificuldade. E o primeiro passo é conhecer os diversos aspectos da questão e refletir sobre eles.


“A pesquisa que gerou o livro “Vença o Medo de Dirigir” foi feita há cerca de 15 anos com o intuito de ajudar motoristas habilitados com medo de dirigir, principalmente aqueles sem dinheiro ou tempo para terapia, além de ajudar em outras pesquisas. Ele foi escrito como se falasse com o leitor”, expõe Corassa.


De acordo com a psicóloga, que também é idealizadora e fundadora do Centro de Psicologia Especializado em Medos (CPEM), de Curitiba, falta pesquisas sobre medos no Brasil e boa parte do dinheiro arrecadado com o livro é investida em novas pesquisas.




Trauma


Embora seja comum acontecer, o medo de dirigir desencadeado por uma experiência de acidente é a causa da fobia em um grupo pequeno. De acordo com Corassa, a superação desse medo é mais rápida porque o motorista não apresentava visão distorcida sobre o dirigir antes do acidente.


 “Nesse caso, a dificuldade é retomar a direção. Por outro lado, há quem faça do acidente uma desculpa para a ansiedade existente antes” (Que tipo de motorista você é? Veja no infográfico desta página).


Serviço

Mais informações sobre medos e fobias no site www.medos.com.br.

 

Imprudência preocupa os estreantes


Tirar a carteira de habilitação é prioridade para muitos jovens, e sinônimo de preocupação para outros.


Para Ana Cláudia Fraga Cerci, 22 anos, o seu atual momento representa a soma das duas coisas. “Estou tirando minha primeira habilitação de carro e moto por vontade e necessidade, depois que meu pai faleceu. Preciso do carro para ajudar minha mãe e me locomover mais facilmente”, conta.


Para a motorista de primeira viagem, a imprudência alheia é o que mais assusta quando o assunto é entrar no trânsito.


Quem divide a preocupação da menina é a costureira Benedita Malaquias da Silva Clerigo, 60 anos: “A falta de respeito no trânsito é terrível. Você precisa dirigir por você e pelas outras pessoas. Entretanto, dirigir não é um bicho de sete cabeças como imaginei”, confessa.


Benedita não decidiu ser uma mulher habilitada. Foi o marido quem a surpreendeu com notícia de que as aulas já estavam pagas: “Nunca tive licença para dirigir, mas não foi por medo, foi por falta de interesse mesmo”, admite.


Confiança


Para Ana Cláudia, ter um instrutor que transmite confiança é fundamental. “Essa é a minha dica para quem pretende ter aulas de direção”.


Já a instrutora Deise Paiola lembra que uma dificuldade de quem está praticando a direção nas ruas de Bauru é a falta de respeito dos motoristas nas ruas, o que, segundo ela, pode até traumatizar o aluno.


“O trânsito cheio e caótico já é um obstáculo e assusta, e a falta de respeito de boa parte dos motoristas dificulta ainda mais. É muito comum motoqueiros cortarem a frente dos carros de autoescola e as pessoas buzinarem sem paciência quando um aluno afoga o veículo”, expõe.



‘Uma mãozinha ao volante’


Embora a frota de automóveis só aumente, em março deste ano Bauru já contava com 221.153 veículos - segundo levantamento feito pelo JC com base nos dados do IBGE e do Denatran-, há quem literalmente trema quando precisa tirar o automóvel da garagem.  


O medo de dirigir é tão comum que o instrutor e dono de autoescola Renato Monteiro estima já ter colocado ou recolocado ao menos uma centena de motoristas nas ruas de Bauru com suas aulas particulares. E não é difícil encontrar quem seja habilitado há anos sem nunca ter dirigido.


E histórias não faltam para o instrutor. Ele lembra que já deu aulas para pessoas que guardaram a habilitação por mais de uma década na gaveta, assim como também já passou horas consolando e ouvindo as histórias de quem entra em pânico ao se sentar no banco do motorista.


“Quando vejo que o medo é ocasionado por um trauma, eu aconselho que a pessoa procure a ajuda de um terapeuta antes das aulas”, destaca.



Na prática


Renato aponta que em primeiro lugar é preciso encontrar a causa do medo do cliente. “E isso acontece conversando para eu saber quais são as dificuldades e inseguranças”, diz. A maior parte dos clientes de Renato é formada por mulheres, de faixas etárias variadas.


Medo identificado é a vez do instrutor mostrar que aquela trava pode se abrir e que a cliente pode sim, dirigir: “Começamos em ruas pouco movimentadas, depois passamos para o ponto onde o medo é maior, como a realização de grandes rampas, por exemplo. E quando a cliente menos espera, já está dirigindo normalmente e com confiança”, garante.


De acordo com Monteiro, que é instrutor há 16 anos, dez aulas particulares é a quantidade média que uma pessoa habilitada precisa ter para perder o medo do volante. Mas isso varia de motorista a motorista. Há quem precise de cinco aulas para se soltar, como quem necessita de 30 ou mais.

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