Ciências

Gentileza: um filósofo popular


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A filosofia, mãe de todas as ciências, representa as asas da criatividade e liberdade no pensar. A competitividade predatória, a busca por números sem qualidade e as metas exigidas levam-nos ao abandono da reflexão e análise crítica do contexto geral: infelizmente!

Quando não refletimos e não analisamos criteriosamente, perdemos a capacidade de criar e criticar. Tem aqueles que reclamam, são pessimistas, não aceitam nada e pensam que são críticos e céticos: na verdade são chatos.

A reflexão e análise crítica devem ser bem fundamentadas, serenas para o avanço e melhora no bem estar dos homens e animais na natureza. Os verdadeiros críticos são bem humorados e amam a vida! Por outro lado, muitas pessoas são amorfas, não opinam e ainda afirmam em falsos pedestais: não discuto política (a arte de viver nas cidades ou polis), religião, futebol e opinião pessoal! O que sobra nas conversas: vida alheia, doenças e mortes.

Faça uma análise de reuniões familiares, nas mesas de restaurantes e estatisticamente verás que é o que sobra mesmo, por mais incrível que isto possa parecer! Algumas situações são indicadoras: 1) Ao acordar se lê primeiro o obituário; 2) Ao encontrar o amigo pergunta-se: qual a última novidade (fofoca); 3) Ou sabe dá última: o fulano está com câncer! 4) Sabe quem está grávida? 5) Quem separou?

Nos finais de ano algumas observações são oportunas e questionamentos podem induzir reflexões. Nas civilizações pré-colombianas, a cada período de 50 anos, era comum promover-se um caos, uma desorganização geral, para que a sociedade obrigatoriamente se repensasse em todos os aspectos. O final de ano, parece igualmente um caos, um frenesi geral desorganiza nosso pensamento, dá vontade de repensar e recomeçar diferente. Um parâmetro para repensar pode ser a vida de um reconhecido filósofo popular nascido na nossa região e que morreu em 1996!

Nasceu Gentileza

Em dezembro de 1961, em um incêndio criminoso no Gran Circus Norte Americano, em Niterói, morreram 500 pessoas, na maioria crianças. Uma semana depois o empresário José Datrino foi consolar as vítimas, abandonou sua vida e mudou-se para o local e criou ali um jardim florido. A partir daí tornou-se um andarilho pelas ruas, ônibus e barcas do Rio pregando a bondade para as pessoas com mensagens simples como a sua marca: gentileza gera gentileza!

Em Cafelândia onde nasceu, amansava animais; no Rio dizia-se "um amansador dos burros-homens da cidade que não tinham esclarecimento." Para Gentileza, o nome dado ao filósofo popular, a falta de sabedoria e a maldade do homem era culpa do "capetalismo" em alusão ao capitalismo. Quanto à religião repetia sempre: "Não dê esmola a padre, não dê esmola a pastor. São tudo traidor. O padre tá esmolando, o pastor tá pastando. E papa tá papando, papão. Papão do capeta capital."

A obra mais famosa de Gentileza foram as mensagens pintadas em 1980 nas pilastras do viaduto do Caju, perto da rodoviária carioca, como a receber os que visitassem a cidade maravilhosa: "Meus filhos, bem-vindo ao Rio ... Gentileza que gera gentileza amor beleza perfeição bondade e riqueza". As obras e pertences do filósofo popular foram valorizados pelo projeto Rio com Gentileza coordenado pelo Prof. Leonardo Guelman da Universidade Federal Fluminense do qual gerou-se o livro "Brasil: Tempo de Gentileza".

Pérolas

Pode-se refletir sobre algumas pérolas de Gentileza, que também era chamado de "José Agradecido, o Profeta". Ei-las:

1 ? Não usem "por favor", digam "por gentileza" ? Devemos nos relacionar por amor, por sermos gente e não pelo favor, pela troca de conveniências;

2 ? Fale "agradecido" no lugar de "obrigado" - Ninguém é obrigado a nada, você deve agradecer e não passar a ideia da obrigação ou dever;

3 ? Não usem os problemas e a pobreza para justificar, mas usem o amor e a gentileza para conseguir alguma coisa.

Pelas ruas cariocas, Gentileza carregava um estandarte com flores para representar um jardim ambulante, uma bandeira do Brasil pois a considerava a mais linda do Universo, e ainda, carregava um cata-vento para refrescar a mente da humanidade!

Durante a Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente, "Eco-92", os visitantes lhe davam esmolas e recusava, afirmando:

- "Não quero seu dinheiro. Quero seu espírito para Deus!"

Você questiona-se diariamente: eu sou gentil e grato com todas as pessoas em casa, no trabalho e no trânsito? Eis a ciência da vida!


Alberto Consolaro éâ??professor titular da USP - Bauru. Escreve todas
as segundas-feiras no JC.
Email: consolaro@uol.com.br

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