Cultura

O dono da boate azul

João Pedro Feza
| Tempo de leitura: 4 min

"Boate Azul” foi, por décadas, a própria encarnação musical da boemia sertaneja. Curioso é que seu autor não bebe, não fuma e não tem o luar como confidente. Mas entende de amigos, arte e amores. Tirou proveito da diversão alheia.  “Nunca fui de dançar. Mas sempre fui de observar”.

Nascido em Boa Esperança do Sul, região de Araraquara, Benedito Onofre Siviéro é um comunicativo senhor de 80 anos. Sem filhos, mora com uma família (de amigos) em Santo André. Já esteve várias vezes em Bauru e vizinhança – aliás, é figurinha carimbada como jurado em festivais.

Autor de quase duas mil músicas desde os anos 50, é “perseguido” por uma inspiradora boate de Apuracana (PR) – e não de São Paulo, onde o autor viveu por décadas,  como dá a entender a letra que em 2013 completa 50 anos de “vida”. “Doente de amor procurei remédio na vida noturna / Com a flor da noite em uma boate aqui na zona sul...”

“Estive lá em Apuracana. Escrevi a letra em 1963 para Tibagi e Miltinho. Mas a política não deixou gravar. Só liberou em 1980 com Joaquim e Manoel. Estourou”, conta. “Ninguém imaginava que iria ter tanto sucesso. Foi regravada em vários idiomas, uns oitenta. A melodia é de Thomaz, um parceiro musical meu já falecido”.

Resultado: apesar de ter 83 canções gravadas apenas com Zilo e Zalo, é sobre “Boate Azul” que todos querem saber. “Fui jurado no ano de 2012 em Brotas, Bofete, Pardinho, Bariri, Boa Esperança, Rio das Pedras... E ‘Boate Azul’, que vai fazer 50 anos, sempre desperta curiosidades”.

Nada mal para um rapaz que deixou a roça no Interior rumo ao sonho de sucesso na Capital – e que até hoje não toca instrumento algum. “Meu negócio é letra”.


Do jeito dele

“Não tenho do que reclamar. Muitas das minhas letras tocaram no rádio sem parar. Tive ótimos parceiros, não tenho inimigos, nunca teve essa de rivalidade na música do meu tempo”, comenta o compositor. Pescador “quando dá”, o “dono da boate” toca a vida sem pressa - mas ainda pega a estrada com gosto.

“Realmente gosto de ser jurado de cantores e duplas por aí, conviver com os músicos... Ficar parado não é comigo. Sou feliz desse jeito”. Em meio a tantas idas e vindas, para Bebedito, sempre está tudo assim: azul.


A famosa letra

Doente de amor procurei

remédio na vida noturna

Como uma flor da noite em uma boate aqui na zona sul

A dor do amor é com outro amor que a gente cura

Vim curar a dor deste mal de amor na boate azul

E quando a noite vai se

agonizando no clarão da aurora

Os integrantes da vida noturna se foram dormir

E a dama da noite que estava

comigo também foi embora

Fecharam-se as portas

sozinho de novo tive que sair

Sair de que jeito, se nem sei

o rumo para onde vou

Muito vagamente me

lembro que estou

Em uma boate aqui na zona sul

Eu bebi demais e não consigo

me lembrar se quer

Qual é o nome daquela mulher, a flor da noite da boate azul


Rancheiras, tangos e guarânias

(Algumas parcerias de Benedito inspiradas em dor de cotovelo)

Alma de Boêmio (com Tião Carreiro)

Cachorro Amigo (com Luiz de Castro)

Deusa da Madrugada (com Sebastião Victor)

Espuma de Cerveja (com Toni Gomide)

Flor da Lama (com Paiozinho)

Luz Vermelha (com Zé do Carro)

Mulher dos Meus sonhos (com Joel da Costa Leite)

Preço da Traição (com Zalo)

Remorso (com Jeca Mineiro)

Seresteiro do amor (com Leôncio/Leonel)

Serenata do adeus (com Nascimento Filho)

Taça vazia (com Miltinho)

Vestido Branco (com Ronaldo Adriano e Mangabinha)


Graças ao... papa!

“A música ‘Boate Azul’ já teve umas mil regravações, inclusive fora do Brasil. América Latina, Europa... Fiz a letra, que procura descrever bem o lugar - e o clima do lugar. Tomaz, já falecido, é autor da melodia. Antes, foi gravada e censurada. Antes, aliás, ela já tinha sido registrada pelos “Amantes do Luar” e pela dupla Manoelito Nunes e Nazaré. Mas era difícil liberar para execução. Foi uma boate de Apucarana que inspirou. Chamava ‘Boate Noite Azul’. Fomos fazer um show com Tigabi e Miltinho. Naquela madrugada, morreu papa João 23 [3/6/1963] e não teve o show. Aqueles bêbados ficavam na porta da boate. Aquilo tudo ajudou a conduzir a letra. Eu estava de carro e assim voltei para São Paulo já sabendo que tinha uma letra boa para casar com uma boa melodia ”.

 

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