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Cinéfilos versus cinófilos

Ismar Pereira
| Tempo de leitura: 2 min

Há cinquenta ou sessenta anos, os cinéfilos abundavam. Todo mundo era amigo do cinema, considerado o rei do entretenimento. Nas cidades do interior as sessões de domingo eram uma verdadeira reunião de personalidades: médicos, advogados, dentistas, etc. As salas de exibição eram uma verdadeira vitrine. Era lá que as senhoras e senhoritas exibiam os seus vestidos elegantes, vistosos casacos, sapatos...

Frequentar o "cine" era uma verdadeira condição "sine qua non" para estar de bem com a sociedade. E para isso valia qualquer sacrifício. Até mesmo enfrentar as filas para comprar os ingressos. Elas poderiam ser quilométricas. Mas enfrentá-las era uma coisa previsível.

(Aliás, abrindo parêntese, em priscas eras não havia esse problema; os pais de família alugavam frisas e camarotes, que eram pagos mensalmente ? fossem ou não usados.)

Retomando o "fio da meada": enquanto os cinéfilos abundavam, eram poucos os cinófilos. Pouca gente gostava de cachorro. Ou melhor, gostava, mas não tinha um em casa. Naquela época, lugar de cachorro era em sítio ou fazenda, onde ajudava a cuidar da segurança.

Entretanto, como no nosso mundo nada é eterno, ocorreu uma modificação. Com o advento de novas tecnologias, como televisão e DVD, surgiu a possibilidade de ver filmes em casa, com conforto, mordomia e segurança, sem correr o risco de ser assaltado na hora de entrar no carro. Aí os cinemas começaram a ficar vazios. Em consequência, as majestosas salas de exibição passaram a ser demolidas (como é o caso recente do Cine Bauru) ou se transformaram em templos das mais diversas religiões.

Hoje, cinema só existe nos shoppings. E como cidade pequena não tem shopping...

Paralelamente, enquanto os cinéfilos (amigos do cinema) diminuíam assustadoramente, os cinófilos (amigos dos cães) aumentaram idem.

Novas raças foram criadas. Outras foram importadas. A exemplo das maritacas e pombas, os cachorros migraram para as cidades. E como seres urbanos ? eu disse urbanos, e não humanos, como afirmou aquele ministro ? surgiram animais delicados, pequenos, sofisticados e chiques. E para mantê-los em condições de provar que aquela história de "vida de cachorro" virou piada, surgiram as clínicas veterinárias e os pet shops, verdadeiros salões de beleza para animais. A indústria de alimentos para os bichos cresceu vertiginosamente. Tudo isso movimentando bilhões de reais todos os anos.

Concluindo: se, como no futebol, ocorresse uma disputa nos anos 1950, os cinéfilos venceriam os cinófilos por dez a dois. Se o cotejo fosse hoje, a contagem seria idêntica. Mas o vencedor seria outro.

O autor, Ismar Pereira, é advogado aposentado

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