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Igreja Católica excomunga padre Beto

Luiz Beltramin
| Tempo de leitura: 9 min

Malavolta Jr.

Padre Beto durante celebração da última missa na Igreja São Benedito, anteontem: assunto repercute ainda mais 

Roberto Francisco Daniel não é mais padre. Essa é a decisão da Igreja Católica que, além de demiti-lo do estado clerical, também baniu o agora ex-sacerdote de seu quadro de fiéis.

Além de não poder mais ministrar em nome da instituição religiosa, padre Beto está impedido de receber qualquer tipo de sacramento.

A decisão é inédita na Diocese de Bauru, que comemorará Jubileu de Ouro – 50 anos – em 2014.

Nesta terça-feira, padre Beto postou nas redes sociais: "Eu me sinto honrado em pertencer à lista de muitas pessoas humanas que foram assassinadas e queimadas vivas por pensarem e buscarem o conhecimento. Agradeço à Diocese de Bauru."

O clérigo – que ainda pode ser oficialmente considerado sacerdote até que o Vaticano endosse formalmente a decisão, via documento oficial – já havia pedido o afastamento do exercício ministerial no sábado sem, no entanto, abdicar da condição de padre. Ele entregaria carta com o pedido ontem de manhã, na Cúria Diocesana, ocasião em que foi excomungado.

Declarações

Padre Beto protagoniza polêmica com a cúpula diocesana de Bauru desde que concedeu entrevista na Internet, semana passada, em que se manifesta contra os princípios da religião em questões como fidelidade conjugal e bissexualidade.

As declarações fizeram o bispo Dom Caetano Ferrari exigir retratação de Beto, que, em seguida, pediu afastamento e manteve tudo o que havia dito.

O padre excomungado conta ter sido recebido pelo bispo, ontem de manhã, ocasião em que foi conduzido a uma sala onde foi apresentado a um conselho de religiosos que lhe impôs a sentença. “Fui levado a uma espécie de tribunal. Não entendi. Questionei: ‘estou numa  cadeira de réus?’ Responderam que sim”, narra padre Beto.

Em seguida, o padre excomungado afirma ter recusado a condição. “Não fui intimado em nenhum processo. Só queria entregar a carta”, acentua, não se mostrando surpreso com o veredicto. “Não diria surpresa. Eu esperava de tudo da igreja”, disparou. “Ainda bem que não tinha fogueira”, ironizou. 

Professor de filosofia em universidades da região, Beto, a princípio, garante que não se vinculará a outra religião. Segundo comunicado da diocese, ele pode até ser perdoado, caso manifeste arrependimento, na condição de fiel. Contudo, a demissão do estado clerical, decreta a cúpula da igreja em Bauru, é irreversível.

A polêmica envolvendo Beto Daniel e a Diocese de Bauru ganhou holofotes nacionais, com destaques em sites e jornais de grande circulação no país e até mesmo internacionalmente. Nas mídias sociais, a repercussão também é grande, seja de fiéis que concordam com a medida quanto de opiniões contrárias à excomunhão. Até ontem à tarde, por volta das 18h, o site JCNet (www.jcnet.com.br) contabilizava mais de 17 mil acessos.

Gota d’água

A queda de braço entre Daniel e a cúpula da Igreja na região não é recente, garantem fontes extraoficiais ligadas à Cúria. A demissão e excomunhão foram apenas a ponta do iceberg.

Após declarações contrárias ao dogma e a retratação negada por Beto, rotulado de “filho rebelde” pelo bispo, a instituição o considerou “traidor”.

“É de conhecimento público os pronunciamentos e atitudes do Reverendo Pe. Roberto Francisco Daniel que, em nome da ‘liberdade de expressão’ traiu o compromisso de fidelidade à igreja a qual ele jurou servir no dia de sua ordenação sacerdotal”, anuncia a cúria, via nota oficial (leia na íntegra abaixo).

Ainda conforme a diocese, dom Caetano Ferrari não abdicou da paciência ao lidar com as atitudes de Daniel. “O bispo vem tentando há muito tempo diálogo para superar e resolver de modo fraterno e cristão esta situação. Esgotadas todas as iniciativas, o bispo diocesano convocou um padre canonista perito em direito penal canônico, nomeando-o como juiz instrutor para tratar essa questão e aplicar a ‘Lei da Igreja’”, prossegue o texto. Segundo a cúria, padre Beto “recusou qualquer diálogo”.


Processo corre em ‘segredo de Justiça’

Sequer a identidade do juiz que proferiu a sentença, a ser ratificada pelo Vaticano, é revelada pela cúria.

De acordo com a assessoria de imprensa da Diocese, trata-se de um clérigo especialista em direito canônico e direito penal da Igreja Católica, “juiz para as matérias reservadas da Santa Sé” designado especialmente para a mediação de processos em diferentes dioceses em todo o País.

Especialistas em direito da igreja e teologia definem a pena de excomunhão como o veto da comunhão com a Igreja Católica. “Se entende como censura ou pena medicinal pela qual o réu de delito é excluído da comunhão”, conforme definição do site temático www.biblicatolica.com.br.

A punição, explica o teólogo bauruense José Rubens Maranhão Júnior, é uma medida eclesiástica que separa da comunhão um membro batizado da Igreja com discordâncias da fé ou dogmas.

“Pode ser aplicada a um cidadão ou grupo organizado. É atualmente uma das maiores penas impostas a um membro da igreja”, define Maranhão, que é doutorando na área.

“A ideia é que o excomungado repense suas atitudes e, se se arrepender, pode buscar a confissão e a mudança da pena”, analisa o teólogo. “Um excomungado pode sim retornar à comunhão com o Senhor Jesus e com a Igreja”, ressalva o estudioso, citando trecho bíblico que prevê a redenção de apenados.

Apenas três pessoas têm autoridade de hipotética anistia, observa o teólogo. “O papa, o bispo local ou presbítero autorizado pelos dois”, especifica.

Visibilidade

A polêmica que resultou na excomunhão, inevitavelmente, deixa o nome de Beto Daniel em voga nas especulações fora do espectro religioso. Questionado sobre um possível engajamento político, não se esquivou do assunto. “Tudo depende daquilo que abrir como espaço onde eu possa contribuir”, considera.

Ele diz não acreditar na possibilidade de servir como espelho para outros eventuais descontentes dentro do clero. “Muitos padres têm a dependência econômica da Igreja. Não era meu caso”, diferencia.

‘Recurso’: só na condição de fiel

Roberto Francisco Daniel, na condição de padre excomungado, está privado de celebrar e receber todos os sacramentos. Extraoficialmente, o JC apurou que a demissão é irreversível. “Se Roberto Francisco Daniel demonstrar arrependimento sincero, a Igreja poderá retirar a excomunhão. Mas não a demissão do estado clerical”, decreta fonte ligada à diocese.

Conforme a mesma fonte, o processo de demissão do estado clerical é especial e reservado, feito sob segredo de Justiça pelas leis da Igreja, promulgadas pelo Vaticano e que “devem ser aplicadas com rigor, segundo orientação dos últimos papas”.

O processo é iniciado na diocese e encaminhado ao Vaticano, que envia a sentença definitiva. A partir deste estágio, ainda sem prazo determinado, Beto Daniel não poderá mais responder pelo título de padre. Por sua vez, o clérigo excomungado diz não manifestar desejo de recorrer da decisão. “Deixo o barco correr”, resigna-se.


Até Bauru foi excomungada

Antes da punição imposta ao padre Beto, uma das últimas penas que vetaram os sentenciados em atividades pastorais ou litúrgicas foi proferida na Itália, em 2006, quando o sacerdote Franco Barbero foi punido por benzer um casamento homossexual.

Como lembra o teólogo José Rubens Maranhão, até mesmo grupos inteiros estão passíveis de excomunhão. Coincidências à parte, Bauru inteira já foi condenada pela Igreja. A punição que figura na história do município ocorreu no final do século XIX, quando a capela que existia na atual praça Rui Barbosa, no Centro, foi demolida pela prefeitura.

O então bispo dom Lúcio Antunes de Souza proibiu celebrações de qualquer ato do Sagrado Ministério em Bauru. No entanto, a cidade ignorou a sentença e seguiu com atos católicos. A restrição foi revogada oficialmente apenas em 1967, quando o papa Paulo VI tomou conhecimento da decisão e invalidou a pena imposta no século retrasado.


Sem ‘indenização’

Os padres vinculados a paróquias recebem vencimentos. No caso do padre Beto, que, diferentemente do que foi publicado na edição de sábado, não é titular de nenhuma paróquia, o então clérigo era remunerado de acordo com os sacramentos que realizava na condição de uso da ordem, ou seja, mediante celebrações em diferentes igrejas.

Apesar de ter ocupado o posto de vigário da paróquia universitária, Beto não tinha mais vínculo fixo com comunidades e atuava de forma itinerante pela diocese, portanto, não era assalariado. Daniel, de acordo com a diocese, recebia remuneração esporádica, a chamada “espórtula”, a cada celebração ministrada.

(Íntegra de informe oficial da Diocese de Bauru)

Comunicado ao povo de Deus:

“É de conhecimento público os pronunciamentos e atitudes do Reverendo Pe. Roberto Francisco Daniel que, em nome da “liberdade de expressão”, traiu o compromisso de fidelidade à Igreja a qual ele jurou servir no dia de sua ordenação sacerdotal. Estes atos provocaram forte escândalo e feriram a comunhão eclesial. Sua atitude é incompatível com as obrigações do estado sacerdotal que ele deveria amar, pois foi ele quem solicitou da Igreja a Graça da Ordenação. O bispo diocesano, com a paciência e caridade de pastor, vem tentando há muito tempo diálogo para superar e resolver de modo fraterno e cristão esta situação. Esgotadas todas as iniciativas e tendo em vista o bem do Povo de Deus, o bispo diocesano convocou um padre canonista perito em Direito Penal Canônico, nomeando-o como juiz instrutor para tratar essa questão e aplicar a ‘Lei da Igreja’, visto que o padre Roberto Francisco Daniel recusa qualquer diálogo e colaboração. Mesmo assim, o juiz tentou uma última vez um diálogo com o referido padre que reagiu agressivamente, na Cúria Diocesana, na qual ele recusou qualquer diálogo. Esta tentativa ocorreu na presença de cinco membros do Conselho dos Presbíteros.

O referido padre feriu a Igreja com suas declarações consideradas graves contra os dogmas da Fé Católica, contra a moral e pela deliberada recusa de obediência ao seu pastor (obediência esta que prometera no dia de sua ordenação sacerdotal), incorrendo, portanto, no gravíssimo delito de heresia e cisma cuja pena prescrita no cânone 1364, parágrafo primeiro do Código de Direito Canônico, é a excomunhão anexa a estes delitos. Nesta grave pena o referido sacerdote incorreu de livre vontade como consequência de seus atos.

A Igreja de Bauru se demonstrou Mãe Paciente quando, por diversas vezes, o chamou fraternalmente ao diálogo para a superação dessa situação por ele criada. Nenhum católico e muito menos um sacerdote pode-se valer do “direito de liberdade de expressão” para atacar a Fé, na qual foi batizado.

Uma das obrigações do bispo diocesano é defender a Fé, a Doutrina e a Disciplina da Igreja e, por isso, comunicamos que o padre Roberto Francisco Daniel não pode mais celebrar nenhum ato de culto divino (sacramentos e sacramentais, nem mais receber a Santíssima Eucaristia), pois está excomungado. A partir dessa decisão, o juiz instrutor iniciará os procedimentos para a “demissão do estado clerical, que será enviado no final para Roma, de onde deverá vir o decreto.

Com esta declaração, a Diocese de Bauru entende colocar “um ponto final” nessa dolorosa história.

Rezemos para que o nosso padroeiro Divino Espírito Santo, que nos conduz, ilumine o padre Roberto Francisco Daniel para que tenha a coragem da humildade em reconhecer que não é o dono da verdade e se reconcilie com a Igreja, que é Mãe e Mestra.

Bauru, 29 de abril de 2013.

Por especial mandado do bispo diocesano, assinam os representantes do Conselho Presbiteral Diocesano.”

 

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