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A estrovenga

Ismar Madeira
| Tempo de leitura: 2 min

Enquanto caminhava para a roça, eu ia matutando. Havia uma palavra que me deixava intrigado: estrovenga. O que poderia ser? Eu tentava adivinhar: seria o nome, ou melhor, o apelido da esposa ou da amasiada do Honório? Seria o nome da sua cachorrinha de estimação?

Eu explico o que acontecera. Cedi uma gleba de terra para o Honório, um baiano recém-chegado da Bahia, cultivar algodão. Precisando falar com ele, fui à sua casa, na colônia. Lá, informaram-me que ele estava na roça, com a estrovenga.

A curiosidade me fez apertar o passo. Chegando lá, encontrei o Honório tomando o café da tarde na sombra de uma frondosa árvore. Depois de alguns assuntos, veio a pergunta que não queria calar: onde está a estrovenga?

A resposta foi lacônica: "Ali", e apontou para uma determinada direção. Como continuei sem entender nada, ele se levantou e caminhou até uma área ainda não roçada. E, para minha surpresa, voltou trazendo um instrumento. Aí me foi apresentada a misteriosa e já famosa estrovenga. Trata-se de uma foice baiana, com características próprias. A foice convencional tem a forma de um ponto de interrogação, com o corte na face interna. Ao usá-la o trabalhador desfere golpes inclinados. A foice faz um movimento repetitivo: sobe e desce, consumindo severamente a energia humana nos dois movimentos.

Já a estrovenga é uma lâmina reta, com corte nos dois lados, fixada em um cabo de madeira, com o qual faz um ângulo de 45 graus. Para manuseá-la, o trabalhador descreve no ar o número oito deitado. O movimento é contínuo, alternando apenas o lado que vai cortar o mato.

Ao perceber que eu duvidava da eficácia daquela geringonça, Honório resolveu presentear-me com uma demonstração tão soberba a ponto de me fazer mudar de ideia. Fiquei impressionado com o seu desempenho: ele parecia uma roçadeira abrindo uma picada no meio da capoeira.

Apesar do seu significado tão inocente, estrovenga é uma palavra que soa maliciosa. Tanto assim que caberia, sob medida, num dos quadros da inesquecível "Escolinha do Professor Raimundo". E fico imaginando a cena, com o saudoso Chico Anysio fazendo a pergunta infalível: "Dona Bela, a senhora costuma pegar na estrovenga?"

E a impagável Zezé Macedo, visivelmente assanhada, fazendo aquele olhar vesgo, tentando fingir uma indignação mais falsa do que moeda de três reais e respondendo em "close": "Ele só pensa naquilo!"

O autor, Ismar Madeira, é advogado e colaborador de Opinião

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