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A substância: de líquida vira sólida após “processamento” |
Uma substância utilizada como anestésico em animais de grande porte, principalmente, em cavalos. Pode parecer inacreditável, porém, é isso que os jovens de Bauru começaram a utilizar como droga. Quem já usou garante que o efeito é potente e dá a sensação de quase morte. Mas o “quase” pode ser “total”. Especialistas garantem que o uso é crescente e que a substância pode matar (leia mais abaixo).
A Ketamina ou “K” é uma substância anestésica que compõe medicamentos veterinários. É adquirida em lojas de produtos agrícolas, porém, somente mediante apresentação de receita.
O medicamento é comprado na forma líquida e, depois, processado para virar pó. É assim que a droga é vendida para os jovens inalarem. “Eles cobram R$ 50,00 por uma grama”, conta uma jovem de 25 anos, que pede para ter identidade preservada. Como droga, a Ketamina é
Arquivo/Renata Marconi |
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Edson Cardia, doutor em toxicologia: “Há receitas falsas” |
encontrada, principalmente, em festas de som eletrônico. O alto custo, segundo a jovem, é proporcional ao efeito. Alucinógena, a substância causa a sensação de quase morte e, por isso, foi apelidada de “droga do além”.
“Parece que não vai passar o feito. Eu usei umas cinco vezes. Só teve uma em que eu não fiquei muito mal. Parece que você sai do seu próprio corpo”, narra.
A jovem relata que já teve contato com a droga em Bauru há aproximadamente um ano. Entretanto, a polícia nunca realizou uma apreensão do produto.
Finalidade diferente
Na verdade, conforme revela o delegado da
Arquivo/Malavolta Jr. |
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Delegado Ricardo Dias: “Produtos que estão no mercado” |
Central de Polícia Judiciária (CPJ) Ricardo Dias, é difícil combater o uso dessas substâncias. É que, somente se o princípio ativo estiver na lista do que é considerado entorpecente, os casos podem ser inseridos na legislação antidroga e tomadas as providências criminais.
“São produtos que estão no mercado e que são usados com uma finalidade diferente daquela que seria a correta”, explica o delegado. “É o que ocorre com o antirrespingo de solda, por exemplo”, complementa.
Em janeiro deste ano, o JC revelou que os jovens passaram a usar o antirrespingo de solda como alucinógeno. Eles misturam com fragrâncias e inalam o produto. Foram várias apreensões dos frascos do produto este ano.
O delegado Ricardo Dias explica que tanto no caso da Ketamina quanto no antirrespingo de solda, o produto é apreendido e submetido à análise no Instituto de Criminalística (IC).
Linha crescente
Alertando para os perigos da Ketamina, o doutor em toxicologia regulatória pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) Edson Cardia alerta que o uso da droga é prática crescente entre os jovens. Ele ainda explica que o rigor na venda seria uma das únicas soluções para resolver o problema.
“Mas, além de ter lugares em que não há esse rigor, as pessoas conseguem até receitas falsificadas”, aponta o especialista.
Sanções da lei
A jovem que já usou o produto várias vezes confirma que não é difícil conseguir as receitas.
Sem se identificar, a reportagem consultou um estabelecimento da cidade e eles afirmaram que exigem a receita para vender o produto. Entretanto, há até sites que vendem o medicamento e entregam em domicílio.
De acordo com o delegado Ricardo Dias, quem vende sem exigir a receita está sujeito a sanções da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Toxicologista afirma que droga pode provocar até morte súbita
A Ketamina foi uma das substâncias estudadas na tese do doutor em toxicologia regulatória Edson Cardia. Ele, inclusive, destaca que a droga já fez vítimas fatais no Brasil. “É uma substância usada em animais de grande porte. Por isso, o uso em humanos pode resultar em morte súbita”.
O especialista explica que o produto causa a chamada anestesia dissociativa, que se caracteriza pela forte sensação de dissociação do meio ambiente. É exatamente neste ponto que entra a sensação de quase morte. Geralmente, são descritas sensações de luzes e túneis.
Mas não é só isso. A inalação pode ter graves consequências físicas e mentais. Entre elas, estão alterações de visão, falta de ar, amnésia e dificuldade de coordenação motora.
“Há casos ainda de complicações neurológicas graves, convulsões e complicações pulmonares”, finaliza Edson Cardia.
‘Um amigo que usou pedia pra Deus tirá-lo daquela sensação’
A jovem que conversou com o JC conta que a Ketamina deixa, de uma forma angustiante, o tempo lento. Segundo ela, o efeito real da substância no organismo é de alguns minutos, porém, não é o que sente a pessoa que a inalou.
“Parece que não vai passar. Quando usei, os minutos pareciam horas. Foi horrível”, relata a jovem.
Ela teve algumas péssimas experiências com o uso do produto, contudo, conhece quem já viveu situações ainda pior. “Um amigo meu usou e passou mal. Ele pedia para Deus tirar aquela sensação dele. Não conseguia mais se mexer”, relata.
A jovem conta que, certa vez, misturou a Ketamina com o álcool e o efeito foi ainda mais forte. “Fiquei muito ruim. É uma sensação realmente de ir para o além”, complementa.
Usada no Vietnã
A Ketamina foi formulada em 1962 pelo americano Calvin Stevens. No final da década de 90, tornou-se popular na Europa e nos Estados Unidos. Juntamente com o êxtase, foi bastante consumida por anos. Segundo artigos científicos, a droga foi bastante utilizada para aliviar as dores dos soldados feridos na Guerra do Vietnã.
Entretanto, com o passar do tempo, foram notados efeitos colaterais e, hoje, a substância é usada como anestésico em humanos em raros casos específicos.
Além de “droga do além“, a Ketamina possui diversas outras denominações. É chamada também de “Special K”, “Vitamina K” ou simplesmente “K”.