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Liu, Léo e o jeito digno

João Pedro Feza
| Tempo de leitura: 2 min

Em 4 de agosto de 2012, a música brasileira perdia Liu, aos 77 anos. O nome assim, sozinho, pode não ser repleto de significado. Mas, com o irmão, tudo muda. Liu e Léo são ícones do sertão. Uma marca cinquentenária. Uma dupla cuja imagem extrapola os limites da porteira. Falar sobre Liu e Léo não é falar apenas de cultura raiz. É refletir sobre um padrão de comportamento que merece generosos dedos de prosa.

Trata-se de um jeitão caboclo que alia autenticidade e compromisso; singeleza e qualidade; critério e estilo; poesia e verdade. Os irmãos de Itajobi (SP) estiveram em Bauru e região várias vezes. A última deve ter sido em 2011, em Ubirajara. Vi a dupla em um bairro rural de Bauru há anos - Sergio Bento assistiu ao show, e nós assistimos meu filho, Gabriel, hoje com 15 anos, contrariado (claro) por estar ali naquele ambiente adulto rústico, com aquelas modas antigas e aqueles chapeludos felizes.

O palco tinha um som de altíssima potência. Enquanto o público aguardava, convenci Gabriel a dar um passeio para, quem sabe, esbarrar nas estrelas da tarde. Vesti o traje de fã, não queria acesso de jornalista.

Alguém apontou uma tenda branca. Abri e os irmãos estavam sozinhos. Pedi licença e perguntei se poderia fazer uma foto. E assim foi, no clique do Gabriel.

Léo, mais falante, dizia nem pensar em aposentadoria e se mostrou satisfeito com o interesse da plateia por todo o Brasil. Liu, contido, mais limitou-se a sorrir e a concordar com o irmão sobre esse negócio de não se aposentar. "A gente não para, não". A vida (ou o contraponto dela) tratou de interromper o ciclo. Contudo, será nítida para sempre aquela nobre postura da tenda ? a mesma do palco, da TV, da capa do disco ? com figurino sem adereços, de tons sóbrios e caimento impecável. A fala sem pressa, as vozes como preces, harmonia umbilical.

Intérprete de sucessos como "O Ipê e o Prisioneiro", "Caminheiro", "Rei do Café", "Jeitão de Caboclo", "A Sementinha" e outros, não sei se Léo terá forças para tocar a carreira. Mas tenho a impressão que sim.

Em 1 de agosto de 2012 morreu Zalo, da dupla com Zilo (falecido há onze anos) - também uma história marcante na música caipira. Também uma dupla tradicionalíssima. Que nós saibamos, se não gostar, ao menos reconhecer a importância dessa gente legítima. E que Léo, 76, ainda queira muito "rever o sol com seus raios florescentes, sumindo atrás da serra, roubando o dia da gente", como na letra de "Jeitão de Caboclo". Vai, caminheiro, nos faça este favor.

O autor, João Pedro Feza, é editor executivo do JC

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