Malavolta Jr. |
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O padre Marcos Pavan disse que alguns fiéis atribuem situações negativas ao fato da excomunhão da cidade |
13 de agosto de 1913. Há exatos 100 anos, Bauru presenciava a destruição de uma de suas primeiras capelas, a do Divino Espírito Santo, localizada na praça Rui Barbosa. O ato resultou de um impasse vivido na época entre a Igreja Católica em Bauru e o poder público, que desejava urbanizar o espaço em que ficava a antiga capelinha, hoje área de passeio, para a remodelação da praça.
A demolição do imóvel na calada da noite por populares culminou com a excomunhão da cidade, que só ganhou a autorização oficial do papa para voltar a celebrar atos sacramentais 64 anos depois.
A derrubada
De um lado, a população e o poder público exigiam, por meio de abaixo-assinados, a entrega da área pertencente à capela, doada por um fazendeiro à igreja, para urbanização do Centro. De outro, os religiosos de Bauru e da Diocese de Botucatu defendiam a permanência da estrutura.
“Aquele trecho da praça era conhecido como Saara, era um deserto de terra com uma capela no meio. Como ela ocupava metade do passeio da Batista de Carvalho, impedia a ligação com a futura praça. O prefeito, que na época era o Manoel Bento Cruz, chegou a oferecer 15 contos de réis para a Igreja autorizar a demolição da capelinha, mas a negociação fracassou”, conta o historiador Gabriel Ruiz Pelegrina.
O impasse já se arrastava por vários anos e, na calada da noite do dia 13 de agosto de 1913, operários acompanhados pela chefia da prefeitura iniciaram a destruição do local, abrindo algumas fendas na parede do pequeno imóvel para justificar a demolição posterior.
A situação foi relatada com detalhes pelo pároco então responsável, frei Felicíssimo Maria de Prado, no livro do tombo da paróquia, que conta toda a trajetória da capela.
A reportagem teve acesso ao documento que permanece guardado, atualmente, na Catedral do Divino Espírito Santo.
Em meio às páginas amareladas, o texto cita que homens, “em um ato profano”, por volta das 2h, teriam invadido o local, quebrado paredes e arrombado o sacrário, colocando em perigo, inclusive, a vida de um vigário que cuidava da capela e tentava salvar o que restava das hóstias espalhadas pelo chão.
Às 11h30 do mesmo dia, conforme o registro, acompanhado por vereadores, o prefeito, teria comandado uma ação para a retirada das mobílias e, mais tarde, a demolição foi concluída.
Excomunhão ou ‘interdicto’
A derrubada da capelinha repercutiu rapidamente e gerou descontentamento imediato do então bispo da Diocese de Botucatu, dom Lúcio Antunes de Souza, que condenou a cidade no mesmo momento.
De acordo com a Diocese de Bauru, o documento oficial sobre punição não cita a palavra excomunhão, mas sim “interdicto”, o que, segundo o padre Marcos Pavan, pároco da Catedral do Divino Espírito Santo, teria o mesmo sentido, já que decorreria da proibição de realização de atos sacramentais.
Em 1915, contudo, a igreja aceitou o dinheiro da prefeitura e teve início a construção da igreja Matriz Divino Espírito Santo que, em 1955, voltou a ser demolida para dar espaço à Catedral do Divino Espirito Santo.
O espaço antes ocupado pela capelinha permanece demarcado, atualmente, em um traço retangular no chão em frente à igreja, como item contemplado pela obra de revitalização da praça projetada por Jurandyr Bueno Filho, em 1990.
Já quanto à excomunhão, a situação acabou caindo no esquecimento popular sendo revertida somente 64 anos depois.
“Naquela época a comunicação era difícil e o ato acabou se desgastando e caindo no esquecimento, já que novos missionários chegavam à cidade. Por isso, os batismos e casamentos acabavam realizados normalmente”, reforça o pároco da Catedral do Divino Espírito Santo, Marcos Pavan.
Após a intervenção do bispo dom Vicente Marchetti Zioni, que foi comunicado sobre a situação religiosa da cidade por uma comitiva formada pelo historiador Gabriel Ruiz Pelegrina, a punição foi finalmente retirada pelo papa Paulo VI, em 1977.
Padre Beto
Em 29 de maio deste ano, Bauru viveu outra situação de excomunhão, mas dessa vez específica de um padre que atuava na cidade. Roberto Daniel, 48 anos, mais conhecido como padre Beto, foi excomungado pela Igreja Católica após declarações polêmicas publicadas em rede social e em um vídeo, no qual o religioso aparece contestando a postura conservadora da igreja. A igreja deu ao padre um prazo para se retratar publicamente com um pedido de desculpas, mas, diante do descumprimento, Beto acabou punido e excomungado.
O ato da Diocese de Bauru, por meio do bispo dom Caetano Ferrari, é considerado inédito nesta jurisdição.
Há algumas semanas, o padre entrou com uma liminar para reabrir o processo e tentar reverter a excomunhão, mas o pedido foi negado pela Justiça.