Quioshi Goto |
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Polícia afirma que praça Rui Barbosa tem arquitetura e logística que facilitam o crime |
No início da madrugada de ontem, mais um grupo de pessoas foi flagrado em operação da Polícia Militar (PM) usando e comercializando drogas na praça Rui Barbosa, região central de Bauru. Trata-se de apenas mais uma ocorrência na praça que, de um dos espaços públicos mais tradicionais da cidade, virou uma verdadeira biqueira ao ar do livre. E ali o comércio de entorpecentes funciona dia e noite.
Em levantamento das publicações do JC neste ano, a praça é palco de ocorrências quase que diárias. Em meio a roubos e furtos, a grande maioria é de tráfico de drogas.
Por conta do grande número de traficantes e usuários, quem mora ou trabalha nas proximidades tem medo de falar. “Eu falo rapidinho, mas, se alguém passar de bicicleta, o senhor sai daqui, tudo bem?”, disse, olhando para os lados, uma comerciante de 38 anos.
Ela, assim como todos os entrevistados, pediram para não ser identificados. “Eles usam a droga e traficam na ‘cara dura’ mesmo. São 24 horas por dia. A polícia vem, mas não adianta. Eles escondem as drogas em tudo que é lugar”, complementa.
De acordo com a polícia, é justamente tal logística da praça que possibilita o tráfico. Na Rui Barbosa, tudo vira esconderijo. “Eles escondem os entorpecentes em tudo que é lugar. Na sarjeta, canteiro, tronco de árvore, em tudo. Tem traficante que fica com a pedra até dentro da boca e só entrega após o pagamento”, explica o delegado da Central de Polícia Judiciária (CPJ) Ricardo Dias.
É ele, inclusive, quem crava que a praça se tornou uma verdadeira “biqueira ao ar livre”. “As pessoas acham que uma biqueira é geralmente uma casa na periferia. O que temos na Rui Barbosa é uma biqueira ao ar livre realmente, onde se faz o chamado tráfico pequeno”.
Pequeno, porém, que incomoda muito. Mesmo durante o dia, quando o fluxo de pessoas é intenso por conta do comércio, alguns preferem não cortar caminho pela praça. “As pessoas andam pelas beiradas. Isso deixou de ser um espaço público. É um local de traficante e de outros bandidos”, critica um taxista de 63 anos, que tem ponto ali há mais de uma década.
E o problema não é de hoje. Aposentada atualmente, uma mulher de 65 anos trabalhou no local há cerca de 10 anos. “Isso só vem piorando, mas existe desde sempre. Na época, eu trabalhava com alimentos e dávamos comida a eles (usuários e traficantes) para evitar problemas”, relembra.
Se a população passou a fugir da Rui Barbosa por conta do contexto alarmante, aqueles que fazem parte do universo das ruas “adotaram” o local até como dormitório. Ontem, a reportagem encontrou um colchão no coreto da praça.
Logística
A polícia realiza frequentes incursões e diligências na Rui Barbosa. Contudo, além dos inúmeros esconderijos, a praça possui arquitetura que facilita os crimes. O alerta é do oficial de relações públicas do 4.º Batalhão de Polícia Militar do Interior (4º BPM-I), capitão Alan Terra.
“Essas praças antigas possuem uma arquitetura ultrapassada. É bonita, mas não é segura. Ela tem arbustos densos, bancos elevados e grandes partes de concreto. Também há árvores centenárias, o que dificulta a poda e prejudica a iluminação. Tudo isso complica a visualização por ali”, explica.
Alan Terra ainda aponta como solução outra antiga meta de Bauru: a revitalização da região central. “Isso já foi feito em municípios vizinhos e deu ótimos resultados. O primeiro passo é combater o tráfico para, depois, tentar ‘trazer vida’ de novo ao local juntamente com outros órgãos”, finaliza.
Mulheres e adolescentes
Outro comerciante das proximidades da Rui Barbosa também considera a praça “tomada pelo tráfico”. Em relação ao perfil dos usuários e traficantes, a percepção dele é preocupante: “há muitos adolescentes por aqui”.
Levantamento extraoficial do JC mostra que a grande maioria dos casos realmente envolve adolescentes. “Não é só no tráfico. É em tudo. Não é de hoje que os adolescentes estão sendo usados nos crimes. Algo tem que ser feito em termos de legislação”, alerta o capitão da PM Alan Terra.
Além de adolescentes, há também prevalência de ocorrências envolvendo meninas. “Além do tráfico, a prostituição aqui só cresce por aqui”, relatou um taxista, de 56 anos.
Divulgação |
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Operação de equipes da PM fez prisões e apreensões na noite de quinta-feira (23); na foto, o que foi apreendido |
Denúncias da população aumentaram
Na apreensão da madrugada de ontem, uma operação conjunta da PM prendeu Giovanni da Silva Carreno Teodoro e Evandro Henrique Ferreira, ambos de 20 anos. Foi apreendida ainda uma porção grande de crack, 11 pinos de cocaína e nove invólucros de maconha.
Conforme o JC apurou, quem fez a denúncia foram pessoas que viram um grupo consumindo e vendendo drogas. De acordo com a PM, a comunicação da população tem crescido bastante.
“O número de ocorrências tem aumentado, porém, isso não significa que o tráfico aumentou. O que ocorre é que a população começou a denunciar mais por ali. E isso resultou em mais prisões”, explica o capitão Alan Terra.
Segundo ele, as relações começaram a se estreitar após matéria do JC veiculada em janeiro deste ano. Na ocasião, cansados de roubos e furtos, moradores e comerciantes das proximidades da Rui Barbosa começaram a adotar uma “segurança paralela” feita por andarilhos.
“A partir disso, nosso trabalho de inteligência começou a atuar bastante ali com foco na questão preventiva. Criou-se uma rede confiança entre comunidade e PM e as denúncias aumentaram. É um primeiro passo muito importante”, complementa o oficial.
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