Polícia

Três pais morrem no lugar dos filhos

Marcele Tonelli
| Tempo de leitura: 5 min

Terminou em morte, ontem, uma briga entre proprietários e o funcionário de uma garrafaria localizada no bairro rural Recalcagem, próximo à estrada Elias Miguel Maluf (Bauru-Piratininga), região oeste de Bauru. O episódio revela uma estatística preocupante: em 40 dias, três vítimas morreram no lugar dos filhos (leia mais abaixo).

Após ser atingido por uma garrafa de vidro na cabeça, o comerciante Osnei Almerin Jandreche, de 54 anos, não resistiu aos ferimentos e morreu, logo após dar entrada na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Vila Ipiranga ontem pela manhã.

A vítima, segundo testemunhas, foi agredida pelo auxiliar de serviços gerais Lucas Alexandre Fernandes dos Santos, de 19 anos, enquanto tentava apartar uma briga do rapaz com seu filho, Leandro Aparecido Almerin Jandreche – também proprietário do estabelecimento.

A discussão, segundo o JC apurou, teria sido motivada pela negativa de Lucas em assinar uma advertência trabalhista.

Lesão corporal

Éder Azevedo

A briga ocorreu em uma garrafaria e a vítima foi atingida com uma garrafa

No local, a tese preliminar era de homicídio, mas o caso foi registrado no plantão da Central de Polícia Judiciária (CPJ) como lesão corporal seguida de morte.

De acordo com o delegado Frederico José Simão, o relato do médico legista apontou que a vítima foi acometida por um infarto e uma embolia pulmonar quando recebia atendimento na unidade médica.

“Ele já deveria ter algum problema e o nervoso acabou agravando. A garrafada em si resultou apenas em um machucado no couro cabeludo”, esclareceu o delegado.

Para a família da vítima, contudo, a garrafada que Lucas desferiu e a briga em si seriam as responsáveis pela morte de Osnei. “Ele levou socos e chegou a bater o queixo em um ferro quando caiu no chão. Eles foram rolando lá para baixo. Depois da garrafada na cabeça, meu pai ficou desacordado. Ele era muito saudável, se teve ou não um infarto quando foi socorrido, temos a certeza de que foi por causa da briga”, afirma Leandro.

A vítima foi socorrida no local pelo próprio filho, que o levou até a UPA desacordado.

Osnei, que era chamado de Tuti pela família e pelos amigos, morava no Jardim Ouro Verde. Ele deixa a esposa, Elza Jandreche, 57 anos, os filhos Leandro e Luciana, de 31 anos, além de netos.

A briga

Funcionário há três anos da Garrafaria Jandreche – um dos únicos estabelecimentos que realiza o recolhimento, separação e venda de garrafas de todos os tipos na cidade –, José Bento, de 57 anos, testemunha ocular da briga, conta que a discussão teve início por volta das 8h30.

‘Dava muito trabaho’

“Ele estava trabalhando aqui há três meses como temporário, mas dava muito trabalho, desrespeitava e brigava com os patrões. Hoje (ontem), ficou irritado com uma advertência que recebeu e partiu para cima do Leandro. O Tuti foi tentar apartar e acabou sendo agredido e levando a garrafada”, afirma.

A briga teria durado menos de dez minutos, o que bastou para Osnei cair desacordado em um trecho com mato próximo a uma cerca, a menos de dez metros do galpão da empresa, onde a discussão começou.

“Ele saiu agredindo meu pai e, depois que meu pai caiu, saiu correndo da garrafaria segurando um ferro nas mãos”, detalha Leandro.

Além de José Bento, mais cinco funcionários estariam no estabelecimento no momento da briga. A garrafa de vidro que atingiu a vítima não chegou a quebrar.

Buscas

As polícias Civil e Militar estiveram no local. Equipes vasculharam a área na tentativa de encontrar Lucas.

Policiais militares da Base Oeste, que atenderam a ocorrência, chegaram a ir até a casa do rapaz, na Vila Santa Filomena, região noroeste de Bauru.

Na ocasião, eles conversaram com a mãe do acusado, que confirmou que o filho havia chegado em casa em um mototáxi, mas havia saído às pressas logo depois, tomando como rumo um matagal existente no bairro. Até o fechamento desta edição, ninguém foi preso.

Antecedentes

No local do crime, testemunhas comentavam sobre o passado de Lucas Alexandre Fernandes dos Santos, que teria passagem pela Fundação Casa.

“A família me pediu e eu acreditei e dei uma oportunidade para ele, mas depois do primeiro mês de trabalho, começou o desrespeito. Não colocava camisa, não usava luvas, retrucava e não queria cumprir as obrigações”, aponta Leandro.

José Bento reforça a situação. “Eu vivia dando conselhos para ele. Dizia para respeitar o pessoal e trabalhar certinho, mas era difícil”.

Lucas deverá responder pelo crime de lesão corporal dolosa, que prevê pena de 4 a 12 anos de reclusão.

Contra os filhos

Janeiro, faltando apenas um dia para acabar, já é o que apresenta maior número de mortes violentas nos últimos sete anos - oito.

Júlia Aparecida Keine, 52, estava sentada em um degrau em frente a sua casa, na região do Bela Vista, em 18 de janeiro, quando foi atingida por um tiro destinado ao seu filho, de 31 anos, que devia para traficantes. A mulher morreu anteontem, após ficar dez dias internada.

As mortes de Júlia e de Osnei se relacionam pelos modos como aconteceram. Em ambas as situações, pais morreram após entrarem em cena nos crimes que seriam cometidos contra seus filhos.

Em 21 de dezembro do ano passado, Divino Antônio Cecílio, de 56 anos, também morreu após defender o filho em uma briga. Ele foi alvejado por três disparos em um estabelecimento no Núcleo José Regino.

Desentendimento antigo

Seo Tuti, como é chamado por familiares e colegas de trabalho, é descrito como uma pessoa calma, amorosa e que dificilmente se envolvia em brigas.

“Ele era um amor de pessoa. Brincava com todo mundo, nunca se envolvia com nada, deixava o filho cuidar de tudo”, comenta Tainara do Nascimento Jandreche, de 21 anos, nora da vítima.

“Conheço o Tuti há uns 15 anos e nunca o vi se envolvendo em briga alguma. Era uma pessoa muito boa”, reforça José Bento.

Osnei, inclusive, era quem levava o autor do crime, diariamente, de casa para o trabalho. “Meu pai era meu companheiro, meu braço direito, era tudo para mim. A gente dá oportunidade para as pessoas e é isso que ganha em troca”, lamenta Leandro.

Há cerca de três dias, contudo, a vítima teria se desentendido com Lucas. “Eles chegaram a discutir, mas não houve nenhuma agressão. Meu pai era muito bom com ele”, confirma Leandro.

O corpo de Osnei seria velado ainda ontem na funerária São Vicente. O enterro seria em Cabrália Paulista.

 

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