Foto/Renan Casal |
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Geni Reche diz que silenciar-se interiormente requer paz de espírito |
Pare, por um segundo que seja. E responda rápido o que está ouvindo ao ler este jornal: uma música? Cachorros latindo? O tráfego intenso? A televisão está ligada? Ou seria o rádio? Tem alguma criança gritando por perto? Há alguém falando com você?
Silenciar, um silêncio profundo nos dias de hoje é algo impossível, não é mesmo? Até porque pensamos o silêncio como a falta de som. Mas, não é exatamente isso, ou disso que vamos falar. Explica-se e pare para pensar: se houver a total falta de som, vamos estranhar. Mesmo no silêncio mais absoluto temos algo que nos liga ao sentido da audição: os nossos pensamentos.
Ambiente sem ruído não quer dizer silenciar
Por causa dos nossos pensamentos e do turbilhão interno, estar e ficar em silêncio, nesse sentido, não quer dizer silenciar. Percebem a diferença? Pode não haver barulho externo. Mas há os ruídos internos. O barulho mental que existe dentro de nós é imenso. E é exatamente aí que está o ponto sem ruído: devemos sim, investir um tempo, no sentido de silenciar a mente.
Para a terapeuta Geni Concuruto Reche, que trabalha com psicologia corporal (aquela em que a pessoa trabalha os reflexos que cada sentimento produz no corpo físico) nos dias de hoje “torna-se um desafio para o ser humano silenciar diante do turbilhão de estímulo que lhe é apresentado, a cada segundo, no seu dia-a-dia. Somos pegos em armadilhas e padrões impostos pela sociedade” e esquecemos de cuidar desse sentido, que é a audição. Mas não a audição física, cuidar do ouvido que pode ter inflamações, limpar as orelhas, verificar o funcionamento do tímpano ou mesmo preservar a audição – muitas vezes a perda é até prematura de sons tão altos, acima dos decibéis suportados e adequados para a saúde desse sentido. O que ela fala é que é preciso cuidar e dar um descanso para a mente, limpando-a de todo o tipo de som e ruído.
Obstáculo: a vida moderna
Todo mundo lembra que a vida bucólica no contato com a natureza é mais silenciosa do que a vida urbana. Sempre se houve referências sobre o silêncio à beira-mar, quando se houve apenas o barulho das ondas; ou o cantar dos pássaros ao amanhecer. De fato, a vida corrida, os sons produzidos pela vida moderna são muito mais intensos. Por sons, não se deve pensar apenas no barulho dos motores dos automóveis, na intensidade das buzinas. Mas sim nos compromissos e metas a serem cumpridas “isso também dificulta a nossa ligação com o silêncio”, lembra a terapeuta. “Como lidamos e respeitamos nosso jeito de viver, interfere diretamente na necessidade de silenciar a mente”, complementa.
Por que não conseguimos silenciar interiormente
Existem pessoas que, mesmo sozinhas, dizendo que querem paz e calma, não conseguem ficar em silêncio, ou deixar o mundo à sua volta se manifestar. Elas precisam estar com a televisão ou o rádio ligados, ou então desempenhar tarefas com o fone de ouvido plugado. Algo precisa desviar a atenção delas. Não conseguem ficar sequer com seus próprios pensamentos. E por que isso acontece?
Eckhart Tolle, um escritor renomado decodificou a chave da nossa necessidade de silêncio e como conseguir aquietar nossa mente para conseguir esse silêncio onde quer que estejamos. Na verdade, Eckhart Tolle, é o pseudônimo de Ulrich Leonard Tolle é um escritor e conferencista alemão, residente no Canadá, conhecido como autor de best sellers sobre iluminação espiritual. Seu livro mais conhecido no mundo todo é recente e chama-se “O Poder do Agora”. Mas é dele também o livro “O Poder do Silêncio”. Nessa obra ele explica que a nossa a mente funciona com “voracidade” e por isso está sempre querendo sempre mais. Em outras palavras ele diz que “a mente faz com que fiquemos entediados e ansiosos, facilmente. O tédio demonstra que a mente deseja avidamente mais estímulo, mais o que pensar, e que essa fome não está sendo saciada.
Quando você fica entediado, pode querer satisfazer a fome da mente lendo uma revista, dando um telefonema, assistindo TV, navegando na NET ou se satisfazendo temporariamente comendo mais. E por esse comer mais quer dizer, absorvendo mais dados, mais conhecimento, mais sons e até mais comida mesmo. Ou ainda adquirindo vícios como forma de compensar essa necessidade.
Como conseguir o silêncio
Mas como resolver? O próprio Eckhart lembra que “a alternativa é aceitar o tédio e a ansiedade e observar como é sentir-se entediado e ansioso”. A medida que você se dá conta dessa sensação, de repente surge um espaço e uma calma em volta dessa sensação. O tédio e a ansiedade começam a diminuir de intensidade e de significado, explica o autor de O poder do silêncio. “Dessa forma, até o tédio pode ensinar quem você é e quem não é. Você descobre que não é uma pessoa entediada. O tédio é um movimento de energia condicionada dentro de você. Da mesma forma, você não é uma pessoa irritada, rancorosa, triste ou medrosa. O tédio, a raiva, a tristeza e o medo não são seus, não fazem parte da sua pessoa. Eles são estados da mente humana”. Entendeu? Então a falta de quietude e paz interior também é só um estado. Que pode ser mudado.
Assim também fala a terapeuta corporal Geni Reche: “os ruídos da mente podem ser representado por uma excitação somática persistente fluindo em direção ao aparato mental. Muitas vezes não é que o ego se recusa a dormir ou silenciar, ele não pode ser “apagado” voluntariamente. Uma excitação em nível alto nos impede de silenciar e sentir paz”. Até mesmo nos impede de dormir legal. É como quando você assiste ao jogo de futebol, ou participa de algo muito excitante e, depois seu corpo demora a dormir tal o estado de excitação.
Obcecados
É preciso entender que “muitas vezes somos viciados e obcecados pela loucura do trabalho que esquecemos do silêncio. Isso acarreta uma confusão mental e uma saúde física e emocional frágil e doente”, lembra a terapeuta e como consequência “as nossas relações familiares, pessoais e sociais ficam comprometidas e desgastadas, trazendo muitas vezes o sentimento de culpa”.
Mas dá para resolver isso, sem abrir mão da vida moderna. Com certeza. Basta aprender a silenciar um pouco que seja, todos os dias. E não se trata de ficar muda, fazer um retiro espiritual, subir uma montanha deserta, acampar com os monges no Tibete, passar dias ou horas no isolamento. Nada disso. Na verdade, basta prestar atenção em si mesmo e aprender a usar algumas técnicas básicas de mentalização e higienização mental. Isso mesmo, higiene de pensamentos, para conseguir se livrar desse vício.
Dois tipos: o exterior e o interior
"O silêncio exterior acontece quando conseguimos ficar em algum lugar onde a estimulação externa é agradável, despertando pensamentos e sentimentos suaves. É esse tipo de situação que buscamos quando saímos de férias. De fato, viajar para a praia, por exemplo, é uma tentativa de afastar-nos dos estímulos que despertam sentimentos e pensamentos perturbadores e ficar em contato com estímulos que despertam em nós pensamentos e sentimentos agradáveis e reparadores.
Esse “silêncio” de pensamentos e emoções perturbadores, obtido pela mudança do ambiente externo, é válido porém muito frágil. Basta lembrar de algum evento perturbador ocorrido, digamos no trabalho, para que o bem-estar de estar tomando sol na praia cesse por completo".
Retirar a atenção
Divulgação/Arquivo Pessoal |
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Andrês de Nuccio, especialista em meditação diz que o silêncio interno é fundamental |
"O silêncio interior é a habilidade de retirar a atenção do pensar que gera emoções perturbadoras. Essa habilidade, que se desenvolve com a prática da meditação consiste em deixar a mente apresentar seus discursos inflamados, cheios de culpa, mágoa, preocupação, ansiedade e afins sem se identificar, permanecendo como observador desses discursos, um observador em paz observando o pensar e sentir perturbadores.
Uma situação do cotidiano pode ajudar a entender esses dois silêncios. Encontramos um amigo extremamente agitado que nos apresenta um discurso pessimista, depressivo e angustiante. Para ele nada está certo, todas as pessoas são más e o futuro é aterrorizante. Diante desse “barulho” perturbador, podemos optar por dois tipos de silêncio. O externo, consiste em retirar-se da presença do amigo o antes possível. O silêncio interno consiste em escutar a fala do amigo mantendo a posição de observador sereno que aprecia uma forma de pesar a realidade sem, porém, perder a própria paz.
É evidente que desenvolver a habilidade de se colocar nesse estado de silêncio interno é fundamental para lidar com o mundo moderno. Não é por acaso que a prática da meditação se estende por todo o planeta numa velocidade incrível.
A prática do silêncio externo implica em retirar-se dos afazeres e relacionamentos habituais. A prática do silêncio interno, diferentemente, nos permite manter nossos compromissos e vínculos, apenas muda a forma como nos relacionamos com essas exigências. A meditação desenvolve no praticante a habilidade de fazer tudo mantendo parte de sua atenção no silêncio interno, o lugar onde nos sentimos bem, onde podemos vivenciar nossa própria paz.
Agir com serenidade e lucidez está muito longe de não ter opinião ou não lutar pelos próprios ideais. Desde o silêncio interno podemos fazer tudo que todos fazem, mas com mais alegria e suavidade, com menos desgaste e atrito". (Andrês de Nuccio - Diretor do Instituto Ísvara).
Paz de espírito
Silenciar-se interiormente requer paz de espírito, requer entrega e rendição. O se permitir sentir o silencio na atual sociedade em que vivemos é um desafio, pois esquecemos o tempo todo que temos um corpo em conexão com a mente. Quando integro minha mente com meu corpo me fortaleço e permaneço na sensação do silencio. Quando aquieto meu corpo, aquieto a minha mente e vice-versa.
Nesse sentido Geni Reche recomenda a mudança de hábitos. Momentos em que você entre em contato com seus próprios pensamentos, respire fundo, amplie a consciência, mas sem cobranças, apenas por alguns segundos, permanecendo na sensação do silêncio.
Ou tática é ficar alguns minutos sem falar. É um desafio. Mas é recompensador. Fazendo isso você sentirá que entrará um processo de autodescoberta. “É aquele estado em que duas pessoas ficam juntas e não precisam falar para se entenderem. Há um silêncio entre elas que nutre, que cura, que acalenta o coração”.
Conseguir esse estágio é algo a que você tem que se propor, interiormente. Ninguém pode fazer isso por você. Você pode desligar o rádio, fechar o quarto, ficar longe dos cães, ir à beira-mar para ouvir as ondas calmantes ou mesmo o barulho do vento nas árvores. Tudo isso são ações externas, que podem e devem ser feitas. Mas desligar o barulho interior do seu cérebro só você pode fazer.
Ouça-se! Ajude-se!
“Temos de nos tornar a mudança que queremos ver no mundo. Você tem que ser o espelho da mudança que está propondo. Se eu quero mudar o mundo, tenho que começar por mim.” Essa frase foi dita pelo líder indiano Mahatma Gandhi.
Então diariamente procure o silêncio da paz. Respire profundamente algumas vezes. Inspire e sopre lentamente até ir relaxando e mergulhando dentro de si mesmo. Feche os olhos e silencie seus medos, preocupações e ansiedades diárias, por alguns momentos. Dê a chance à sua paz e, consequentemente à paz do seu mundo.
Sem se preocupar com o que você sabe, o que vai adquirir, dê uma chance à sua mente para que ela aprenda o “não saber, não consumir”.
Sinta-se à vontade com o “não saber” diz Tolle. “A mente teme não saber. Assim, quando consegue ficar à vontade com o “nãosaber”, você já foi além da mente.. As ações corretas acontecem espontaneamente. Você entraem sintonia com a consciência maior. É ela quem age, fala e faz o que é necessário”
É assim que o silêncio age, é assim que a paz interior surge.
E não dá para fugir disso. O contrário é ruído, ansiedade, inquietude. E estamos aqui em busca de paz, de silêncio interior, em primeiro lugar.
E para terminar uma outra frase interessante dita por outro grande pensador, líder e cientista, Carl Sagan: “diante da vastidão do tempo e da imensidão do universo, é um imenso prazer para mim, dividir um planeta e uma época com você”.
Três pilares
É preciso entender que muitas vezes o silêncio interior, aquele que nos traz paz e o equilíbrio interno, não tem a ver com a ausência de sons. Pode apostar. Os três pilares que nos aproximam do silêncio são: a autopercepção, a autoexpressão e o autodomínio. Assim vamos nos aproximar do silêncio.
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